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Tempo de leitura: 7 min

Liberdade de Expressão no Sistema Jurídico Brasileiro

Redator: Johan Chiritt

Origem da Liberdade de Expressão

É complexo indicar com precisão quando surge o direito à liberdade de expressão, pois é um assunto que permeia os debates da própria filosofia escolástica medieval. Naquela época, não se falava em “liberdade”, o discurso estava concentrado no que vem a ser o livre-arbítrio, o dom que Deus nos concedeu de termos nossas próprias decisões. Há duas grandes questões acerca do tema: Existe livre-arbítrio ou todas nossas ações são predeterminadas? Se existir, qual o limite deste dom dado pelo Criador? 

Tal discurso sobre o livre-arbítrio se desenrolou para o discurso da liberdade, no Século XIV. Por ser uma mudança gradual, muitos pensadores, inclusive do iluminismo, utilizam como fonte do saber a própria Bíblia, conforme observado por Michel Villey:

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(…). Bem um terço do Leviatã de Hobbes gira em torno da Sagrada Escritura. Locke fundamentou seus direitos do homem (de propriedade – liberdade – resistência à opressão) na primeira lei do Gêneses. Os “direitos do homem”, ainda vivos, são oriundos de uma teologia. (VILLEY, 2014, p.89)

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O direito à liberdade de expressão, bem como os demais direitos humanos básicos, ganham uma dimensão legal com a revolução francesa, na qual se passa do mero debate teórico para ser incorporado ao conjunto da lei, com a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão. Inclusive, tal direito é tão caro aos revolucionários franceses, que estes dedicam dois artigos apenas à liberdade de expressão na citada declaração, vejamos:

Artigo 10º- Ninguém pode ser inquietado pelas suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, contando que a manifestação delas não perturbe a ordem pública estabelecida pela Lei.
Artigo 11º- A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do Homem; todo o cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na Lei. (Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.ufsm.br/app/uploads/sites/414/2018/10/1789.pdf). 

Para além de dar uma dimensão legal, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão representa a completa secularização do debate sobre a liberdade de expressão, a qual permanece até o presente.

Vamos analisar como a liberdade de expressão está inserida no sistema jurídico brasileiro. Pelo escopo do presente artigo, essa exposição será limitada à análise da liberdade de expressão na Constituição de 1988, bem como no atual debate sobre a liberdade de expressão expressado no Tema 837 do STF.

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A liberdade de Expressão na Constituição de 1988

O direito à liberdade de expressão não se limita apenas à permitir a todos a possibilidade de expressar seus pensamentos, conforme está positivado no art. 5°, inc. IV e IX da CF. Há uma estrutura jurídica que dá sustentabilidade a tal direito, seja qualificando, seja para atribuir novas dimensões a tal direito fundamental.

Naturalmente, para que a pessoa possa desenvolver seu próprio pensamento e  criar suas próprias ideias, é necessário que seja franqueada a ela o acesso à informação, conforme disposto no art. 5°, inc. XIV da CF. Sem acesso à informação, a liberdade criativa se torna limitada, sem conteúdo, pois da censura não se extrai nada, só a constatação de uma restrição.

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Não basta ter acesso à informação, é necessário que se permita a livre circulação das ideias, sem qualquer tipo de censura, conforme disposto no art. 220, caput, §1° e 2° da CF. Enquanto a defesa do acesso à informação permite que aquela ideia ventilada seja cognoscível pelo público, a proibição da censura protege o emissor do pensamento.

Para além da circulação de ideias, a liberdade de expressão também protege a possibilidade das pessoas expressarem sua fé e suas crenças, conforme disposto no art. 5° VI da CF.

Como já mencionado acima, todos estes dispositivos constitucionais têm como objetivo, além de dar amplitude à liberdade de expressão para alcançar não só a liberdade de expressar ideias, mas crenças e fé, permitir que tenha bases sólidas. A liberdade de expressão seria comprometida se as pessoas não pudessem ventilar livremente suas ideias.

Como parte de um sistema, a liberdade de expressão também deve ser vista como um dos direitos estruturantes do próprio Estado de Direito Democrático. A democracia necessita da livre circulação de ideias para que possa prosperar. Não existe uma democracia, propriamente dita, sem que exista plena liberdade de expressão. 

Apesar da importância da liberdade de expressão, esse direito não é absoluto, há limitações ao seu exercício. A própria Constituição já apresenta algumas balizas, como a vedação ao anonimato de forma injustificável. Ao impedir que as pessoas se expressem sem se revelarem, a Constituição permite a responsabilização daqueles que extrapolam o legítimo exercício da liberdade de expressão.

É justamente sobre o limite da liberdade de expressão que trata o tema 837 do STF, o qual vamos abordar no tópico seguinte.

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Tema 837 do STF: O Limite da Liberdade de Expressão

Como mencionado pelo Ministro Gilmar Mendes em seu Curso de Direito Constitucional, os limites à liberdade de expressão não estão apenas positivados na Constituição, mas resultam também no conflito entre o direito fundamental e outros direitos igualmente basilares.

O Tema 837 do STF está no caminho de demarcar um dos limites da liberdade de expressão, pois se trata justamente do conflito entre o direito à liberdade de expressão com o direito à inviolabilidade da honra e da imagem. Para além de analisar a interação entre tais direitos, o Tema objetiva também estabelecer as hipóteses em que a publicação deverá ser proibida, bem se o declarante deverá ser condenado pela publicação, vejamos o título:

Definição dos limites da liberdade de expressão em contraposição a outros direitos de igual hierarquia jurídica – como os da inviolabilidade da honra e da imagem – e estabelecimento de parâmetros para identificar hipóteses em que a publicação deve ser proibida e/ou o declarante condenado ao pagamento de danos morais, ou ainda a outras consequências jurídicas.

O contexto fático em que surge tal Tema é uma ação indenizatória movida por parte dos patrocinadores da Festa do Peão de Barretos, em desfavor da PEA – Projeto Esperança Animal. Segundo os patrocinadores, as publicações feitas pela PEA, acerca de maus-tratos contra os animais nos rodeios de Barretos, eram falsas e, além de vilipendiarem a honra dos patrocinadores, tornava o rodeio economicamente inviável.

Portanto, de um lado há a liberdade de expressão da PEA em expor os supostos maus tratos aos animais perpetrados pelos patrocinadores do rodeio, do outro lado há os patrocinadores, os quais alegam violação a sua honra e imagem, sem contar os prejuízos econômicos experimentados pelas publicações.

O STF ainda não decidiu o processo, todavia, no dia 18 de setembro de 2024, iniciou o julgamento do caso, onde foram ouvidas as partes e os amici curiae, o caso atualmente está suspenso, aguardando o momento oportuno para ser pautado novamente.

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Referências:

VOLVELLE Michel, A Revolução Francesa 1789 – 1799, 2. ed. rev. – São Paulo: Editora Unesp, 2019

VILLEY Michel, Questões de Tomás de Aquino sobre direito e política. 1. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014.

MINOIS, George. História da Idade Média: mil anos de esplendores e misérias. 1 .ed. São Paulo: Editora Unesp, 2023.

HOBSBAWN, Eric J. A Era das Revoluções 1789-1848. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

MENDES, Gilmar Ferreira, Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

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