Dentre as funções públicas estabelecidas pela Constituição, parte delas foi destinada à fiscalização de gastos feitos pelo Poder Público. Ainda que o julgamento das contas da União dependa de análise do Poder Legislativo, o Tribunal de Contas da União (TCU) exerce a figura de órgão de controle externo do governo federal.
O TCU desempenha um papel fundamental na fiscalização da administração pública no Brasil, especialmente no que se refere às licitações e aos contratos administrativos.

O TCU E SEU PAPEL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Como órgão de controle externo vinculado ao Poder Legislativo, suas decisões impactam diretamente a forma como a administração pública conduz suas contratações, garantindo que os princípios constitucionais que norteiam a Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e economicidade) sejam respeitados.
Essa influência se dá tanto pela atuação preventiva quanto pela repressiva, assegurando maior transparência e mitigando riscos de desvios e irregularidades nos processos de compras e contratações públicas.
As licitações e os contratos administrativos são instrumentos essenciais para que a Administração Pública possa garantir a execução de políticas públicas, fornecimento de bens e serviços, e realização de obras, de forma a observar seu dever constitucional.
No entanto, essas atividades estão sujeitas a diversas normas e princípios que visam impedir práticas ilícitas, como fraudes e superfaturamentos.
O TCU, ao exercer sua função de fiscalização, analisa a conformidade dos procedimentos licitatórios e contratuais com a legislação vigente, podendo determinar a anulação de certames irregulares, a aplicação de sanções a gestores e empresas, e até mesmo o bloqueio de repasses financeiros para determinados contratos.
Ademais, o TCU também exerce a função de fiscalizar as relações contratuais entre a União e os servidores, sejam eles celetistas, sejam estatutários. Uma vez que o pagamento de salários e gratificações depende de dotações orçamentárias, a fiscalização se mostra necessária, com vistas a evitar irregularidades.
Assim, sua atuação não apenas corrige falhas, mas também previne futuras irregularidades ao criar um ambiente de maior rigor e responsabilidade na gestão pública.
AS DECISÕES DO TCU NO ORDENAMENTO JURÍDICO
Ao abordar esta temática, parte dos juristas encontra um certo bloqueio acerca da natureza jurídica das decisões exaradas pelo TCU.
As decisões do TCU têm um efeito normativo prático, pois orientam a conduta de gestores públicos e agentes privados que participam de licitações. A jurisprudência do Tribunal também é frequentemente utilizada como referência para a interpretação e aplicação das normas que regem a contratação pública. Em suma, o TCU tem a função de direcionar o padrão comportamental em matéria de direito público.
Assim, mesmo que suas decisões não tenham caráter vinculante para todos os casos, elas acabam influenciando a administração pública ao estabelecer diretrizes sobre questões controvertidas, como a inabilitação de empresas, a desclassificação de propostas, a necessidade de justificativa detalhada para determinadas escolhas e a exigência de maior competitividade nos certames.
Um dos principais impactos das decisões do TCU é a criação de jurisprudência administrativa sobre a aplicação da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, recentemente reformulada pela Lei nº 14.133/2021. O Tribunal tem se manifestado sobre temas como a obrigatoriedade de planejamento detalhado das contratações, a vedação ao fracionamento irregular de despesas para evitar a realização de licitação e a necessidade de ampla publicidade e transparência nas contratações.
Essas interpretações influenciam diretamente a forma como os gestores elaboram editais e conduzem os certames, garantindo que estejam em conformidade com os entendimentos mais atualizados sobre o tema.
Além disso, o TCU tem sido um agente ativo na promoção da eficiência nas contratações públicas. Suas auditorias e inspeções frequentemente identificam falhas em contratos que resultam em desperdício de recursos públicos.
Um exemplo prático é a fiscalização de contratos de obras públicas, nos quais o Tribunal verifica a compatibilidade dos valores contratados com os preços de mercado, evitando o superfaturamento. Também são comuns decisões que determinam a revisão de contratos administrativos para adequação a parâmetros técnicos e financeiros mais vantajosos para a administração, promovendo economicidade e eficiência na gestão dos recursos públicos.
Outro aspecto relevante das decisões do TCU é o seu impacto na responsabilização de gestores públicos. Quando identificadas irregularidades em processos licitatórios ou na execução de contratos administrativos, o Tribunal pode aplicar penalidades que variam desde multas até a inabilitação para o exercício de funções públicas. Essa responsabilização individual dos agentes públicos contribui para o fortalecimento do controle e da governança no setor público, uma vez que impõe um maior grau de diligência na tomada de decisões administrativas.
As empresas que participam de licitações e celebram contratos com a administração pública também são fortemente impactadas pelas decisões do TCU, haja vista que o Tribunal possui competência para declarar a inidoneidade de empresas envolvidas em fraudes ou outras práticas ilícitas, impedindo sua participação em futuras contratações com o Poder Público. Essa medida tem um efeito dissuasório importante, pois serve como barreira para comportamentos oportunistas e incentiva o cumprimento das regras previstas nos editais e nos contratos.
Além disso, as decisões do TCU sobre critérios de habilitação e julgamento de propostas frequentemente resultam em mudanças nas exigências para participação em licitações, obrigando empresas a se adequarem a novos parâmetros técnicos, financeiros e documentais.
A digitalização dos processos administrativos e o avanço da transparência pública também são temas abordados pelo TCU em suas decisões. O Tribunal tem incentivado o uso de ferramentas tecnológicas para aprimorar a fiscalização das contratações, como sistemas eletrônicos de compras, bases de dados compartilhadas entre órgãos de controle e mecanismos de auditoria automatizada. Isso demonstra um movimento contínuo para modernizar os procedimentos administrativos e tornar a gestão pública mais eficiente e acessível à sociedade.
Contudo, a atuação do TCU não está isenta de críticas. Alguns gestores públicos argumentam que o rigor excessivo nas fiscalizações e a possibilidade de responsabilização individual geram um ambiente de insegurança jurídica, levando ao chamado “apagão das canetas”, em que agentes públicos evitam tomar decisões para não correrem o risco de serem penalizados futuramente.
Da mesma forma, há críticas sobre a demora no julgamento de processos administrativos, o que pode comprometer a execução de contratos e gerar entraves na prestação de serviços essenciais.
Por fim, ressalta-se que o excessivo rigor gera, em certa medida, amarras que impedem um avanço orgânico do Poder Público, no mesmo compasso da sociedade. Tais desafios ressaltam a necessidade de equilíbrio entre controle e eficiência na administração pública.

CONCLUSÃO
Em suma, as decisões do Tribunal de Contas da União exercem um impacto significativo sobre as licitações e os contratos administrativos no Brasil. Ao estabelecer diretrizes, corrigir irregularidades e responsabilizar agentes públicos e empresas, o TCU fortalece os princípios da administração pública e contribui para a transparência e a eficiência na gestão dos recursos públicos.
No entanto, é essencial que sua atuação seja pautada por um equilíbrio que permita a fiscalização rigorosa sem comprometer a eficiência e a celeridade dos processos administrativos. O papel do TCU continuará sendo central na construção de uma administração pública mais íntegra e eficaz, garantindo que as contratações sejam conduzidas com justiça e em benefício da sociedade.

REFERÊNCIAS
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