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O que é Constitucionalismo Digital e por que ele importa no Brasil?

No avanço do desenvolvimento de tecnologias digitais, surgiram transformações profundas às sociedades contemporâneas, reconfigurando as dinâmicas econômicas, sociais e políticas. Nesse cenário, surge o Constitucionalismo Digital, uma abordagem teórica e prática que busca aplicar os princípios do constitucionalismo clássico às novas realidades do mundo digital. 

No Brasil, um país que ocupa uma posição de destaque no uso de internet e redes sociais, compreender e implementar o constitucionalismo digital se torna uma pauta necessária para garantir que os direitos fundamentais sejam respeitados no ambiente digital e que as novas tecnologias sejam reguladas de maneira democrática e equilibrada.

O conceito de constitucionalismo digital deriva da necessidade de atualizar o arcabouço jurídico e os princípios constitucionais tradicionais para enfrentar os desafios do mundo digital. Compreende tanto a proteção de direitos como a privacidade, a liberdade de expressão e a igualdade, quanto a regulação do poder crescente de atores privados, como grandes plataformas tecnológicas. 

Este trabalho explora o significado do constitucionalismo digital, sua relevância para o Brasil e os desafios que ele enfrenta em um país marcado por desigualdades estruturais e uma intensa relação com a internet.

O que é Constitucionalismo Digital?

O constitucionalismo é conceituado por Gilmar Mendes e Victor Fernandes como “a uma corrente  teórica  do Direito Constitucional contemporâneo que  se  organiza a  partir  de  prescrições normativas  comuns de reconhecimento, afirmação e  proteção de direitos fundamentais  no  ciberespaço”

O constitucionalismo, em sua essência, é um movimento que busca limitar o poder, proteger os direitos fundamentais e estabelecer a supremacia da Constituição. No mundo digital, esse movimento precisa lidar com temas constitucionais, de forma que se viabilize um garantir uma sociedade virtual que observe as normas previstas na Carta Magna.

Inicialmente, o debate acerca da proteção de direitos fundamentais na internet tem sido uma das pautas mais comentadas. A transição para o ambiente digital não elimina os direitos já garantidos pela Constituição, como a liberdade de expressão, o direito à privacidade e a igualdade. 

No entanto, o contexto online apresenta desafios inéditos. A privacidade, por exemplo, torna-se mais difícil de proteger em um cenário onde dados pessoais são coletados e processados em larga escala, muitas vezes sem o consentimento explícito dos indivíduos.

Ademais, no ambiente digital, grandes empresas de tecnologia — como Google, Meta (antigo Facebook) e Amazon — desempenham papéis que anteriormente pertenciam ao Estado. 

Essas empresas controlam plataformas que funcionam tais quais os espaços públicos de interação e comunicação, mas operam com regras privadas. O constitucionalismo digital busca formas de limitar o poder dessas corporações e garantir que elas respeitem os direitos dos usuários.

Assim como qualquer novidade tecnológica, a regulamentação de temas também se mostra um dos desafios a serem enfrentados. A internet é uma rede global, e as soluções jurídicas para seus desafios precisam transcender as fronteiras nacionais. 

O constitucionalismo digital defende a criação de princípios internacionais que possam orientar a regulação da tecnologia em todo o mundo, respeitando as particularidades locais.

A importância do Constitucionalismo Digital no Brasil

O Brasil é um dos países mais conectados do mundo, com cerca de 90% da população utilizando a internet, segundo dados recentes do IBGE. Redes sociais como WhatsApp, Instagram e Facebook desempenham um papel central na vida social, econômica e política dos brasileiros. 

Contudo, essa digitalização acelerada também trouxe desafios significativos, como a disseminação de desinformação, a violação de privacidade e o impacto das tecnologias digitais na democracia.

Inicialmente, a proteção da privacidade e dos dados pessoais passou a ser uma das pautas mais debatidas quando se trata do processo de digitalização. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), sancionada em 2018, foi um marco no Brasil ao regulamentar o uso de dados pessoais. 

No entanto, a aplicação prática da lei ainda enfrenta desafios. Empresas frequentemente utilizam os dados dos usuários para fins comerciais, enquanto o Estado também emprega tecnologias de vigilância, como reconhecimento facial, sem a devida transparência. 

O constitucionalismo digital importa porque busca fortalecer a proteção da privacidade como um direito fundamental e assegurar que a coleta e o processamento de dados ocorram de forma ética e transparente.

Outro desafio vivido nesta fase de regulamentação dos meios digitais consiste no combate à desinformação e à propagação de notícias falsas.

O Brasil tem enfrentado um aumento na disseminação de desinformação, especialmente em contextos políticos. As eleições de 2018 e 2022 foram marcadas por campanhas de fake news amplamente distribuídas por redes sociais e aplicativos de mensagens. 

O constitucionalismo digital propõe medidas para equilibrar a liberdade de expressão com o combate à desinformação, regulando plataformas digitais sem comprometer os direitos dos cidadãos.

Nesse cenário de redes sociais, debate-se também a neutralidade da rede, princípio garantido pelo Marco Civil da Internet, o qual é fundamental para preservar o caráter aberto e democrático da internet. 

No entanto, pressões econômicas e políticas podem comprometer esse princípio, favorecendo determinados conteúdos ou serviços. O constitucionalismo digital importa porque reforça a necessidade de manter a internet como um espaço acessível e igualitário para todos.

Por fim, as grandes empresas de tecnologia têm um impacto significativo na vida dos brasileiros, controlando plataformas que moldam o debate público e as dinâmicas econômicas. 

O constitucionalismo digital busca limitar o poder dessas empresas e garantir que seus modelos de negócio respeitem os direitos fundamentais, como a privacidade e a liberdade de expressão. No Brasil, isso inclui debates sobre transparência algorítmica, moderação de conteúdo e tributação de empresas digitais.

Desafios e Perspectivas para o Constitucionalismo Digital no Brasil

Embora o constitucionalismo digital ofereça um caminho promissor para enfrentar os desafios do mundo digital, sua implementação no Brasil enfrenta obstáculos significativos.

Um dos cenários que mais sofre com esse desenvolvimento das novas tecnologias consiste no direito eleitoral. A aplicação de princípios do constitucionalismo digital depende de instituições fortes e independentes, como o Judiciário e as agências reguladoras. 

Como a internet é uma rede global, muitas questões digitais envolvem empresas e jurisdições estrangeiras. A regulação local pode ser limitada em face do poder econômico e tecnológico dessas corporações. O Brasil precisa encontrar formas de atuar em cooperação internacional, participando de debates globais sobre governança digital.

No Brasil, a polarização política e a instabilidade institucional dificultam a construção de consensos sobre questões digitais, especialmente com a adoção dos meios tecnológicos no cenário eleitoral. Além disso, decisões judiciais conflitantes sobre temas como remoção de conteúdo e proteção de dados mostram a necessidade de maior clareza normativa.

Quando passamos a adentrar em qualquer cenário novo, seja fisicamente, seja virtualmente, é necessário que regras mínimas que balizem o convívio social sejam estabelecidas, na qual os cidadãos entendam seus direitos e deveres no ambiente online. 

A baixa alfabetização digital em nosso país dificulta que grande parte da população compreenda os riscos associados ao uso de tecnologias, como o uso inadequado de dados pessoais ou a exposição à desinformação. 

Por fim, tccnologias como inteligência artificial, blockchain e internet das coisas levantam questões éticas e legais complexas. O Brasil ainda carece de uma regulação abrangente para essas inovações, e o constitucionalismo digital pode orientar a criação de marcos normativos que protejam os direitos fundamentais sem sufocar a inovação.

Conclusão

O constitucionalismo digital é uma resposta necessária aos desafios impostos pelo ambiente digital. Ele busca adaptar os princípios constitucionais às novas realidades tecnológicas, protegendo direitos fundamentais e limitando o poder de atores públicos e privados no espaço digital. No Brasil, sua importância é ainda maior, dada a relevância das tecnologias digitais para a economia, a política e a vida cotidiana da população.

Para que o constitucionalismo digital seja efetivo, o Brasil precisa enfrentar desafios como a desigualdade digital, a falta de clareza normativa e a concentração de poder nas mãos de grandes empresas de tecnologia. 

Isso requer um esforço conjunto de governos, sociedade civil, empresas e academia para construir uma internet que seja aberta, inclusiva e democrática, refletindo os valores constitucionais do país. Somente assim será possível garantir que o progresso tecnológico contribua para o fortalecimento dos direitos fundamentais e o bem-estar de toda a sociedade.

REFERÊNCIAS

MENDES, Gilmar Ferreira; FERNANDES, Victor Oliveira. Constitucionalismo digital e jurisdição constitucional: uma agenda de pesquisa para o caso brasileiro. Revista Justiça do Direito, v. 34, n. 2, p. 6-51, 2020.

PEREIRA, Jane Reis Gonçalves; KELLER, Clara Iglesias. Constitucionalismo Digital: contradições de um conceito impreciso. Revista Direito e Práxis, v. 13, n. 4, p. 2648-2689, 2022.

SAAVEDRA, Giovani Agostini; DE AGUIAR BORGES, Gabriel Oliveira. Constitucionalismo digital brasileiro. Revista da AJURIS-QUALIS A2, v. 49, n. 152, p. 157-180, 2022.

TAKANO, Camila Cardoso; DA SILVA, Lucas Gonçalves. O constitucionalismo digital e as novas tecnologias da informação e comunicação (TIC). Revista de Direito, Governança e novas tecnologias, v. 6, n. 1, p. 1-15, 2020.

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