O que é o recurso especial?
A Emenda Constitucional n. 125 de 2022 adicionou no art. 105 da Constituição Federal – CF – os parágrafos 2° e 3°, os quais introduziram um novo requisito à admissibilidade do Recurso Especial: a relevância.
Todavia, antes de adentrarmos especificamente quanto à novidade, precisamos esclarecer, ou relembrar, o que é o Recurso Especial, qual é a sua função, cabimento e os requisitos de admissibilidade.
O próprio nome já revela qual é a natureza jurídica do Recurso Especial é de recurso, todavia, não é um recurso ordinário, mas sim um recurso extraordinário.
Isto implica em dizer que, por meio do Recurso Especial não haverá a reanálise de fatos e provas, mas tão somente se debruçará na uniformização e correta aplicação do direito infraconstitucional em prol da segurança jurídica. Inclusive neste sentido é o Enunciado 7 da Súmula do STJ.
Como decorrência da natureza jurídica do recurso especial, a sua função é a manutenção da aplicação uniforme da lei infraconstitucional, bem como, sob o prisma do sistema de precedentes, conservar aplicação da lei infraconstitucional consoante aos entendimentos do STJ.
No mesmo sentido são as hipóteses de cabimento do Recurso Especial, as quais estão expostas no art. 105, III da CF, segundo tal dispositivo, cabe Recurso Especial contra decisão de Tribunal em única ou última que ofende tratado ou lei federal, ou que dá interpretação à lei federal diversa da de outro Tribunal.
Por fim, quanto aos requisitos de admissibilidade, estes estão espalhados tanto pela lei, quanto na jurisprudência consolidada pelo STJ. São eles: esgotamento de todas as vias recursais (art. 105, III do CPC), prequestionamento das matérias (interpretação do art. 105, III do CPC), debate resumido a questões jurídicas (enunciados 5 e 7 da Súmula do STJ) e agora com a EC n. 125 de 2022, a relevância.
A origem da questão da relevância PEC 209/2012
A relevância não é algo novo na sistemática dos recursos extraordinários, o próprio Recurso Extraordinário já havia como requisito a demonstração da repercussão geral, conforme art. 102, §2° da CF, a qual se assemelha à questão da relevância do art. 105, §2° da CF.
Além disso, tais dispositivos estão na esteira na jurisprudência defensiva tanto do Superior Tribunal de Justiça, quanto do Supremo Tribunal Federal, a qual tem por objetivo desafogar tais Tribunais, por meio de uma filtragem mais rígida da remessa de novos recursos para análise pelos Tribunais Superiores.
Inclusive, é nesse contexto de filtragem de processos que nasceu a Ementa Constitucionais 125 de 2022, em sua origem, quando era apenas uma Proposta de Ementa à Constituição (PEC) 209/2012. Na sua justificação da PEC, a então Deputada Rose de Freitas, faz menção direta ao assoberbamento do Judiciário, em suas palavras:
No entanto, ao exercício dessa competência, soerguem-se problemas de congestionamento similares aos que suscitaram estabelecer, no âmbito dos recursos extraordinários (competência do Supremo Tribunal Federal), a introdução do requisito da repercussão geral à sua admissibilidade.
Ademais, tal trecho é interessante por revelar a similitude entre a repercussão geral do Recurso Extraordinário e a relevância adicionada pela EC 125/2022, a qual já foi suscitada acima.
Deste modo, a relevância tem por objetivo filtrar os Recursos Especiais e, por conseguinte, diminuir o volume de recursos que são remetidos ao STJ, o que, naturalmente, melhorará a prestação jurisdicional pelos Tribunais Superiores.
Para além de jurisprudência defensiva e desafogamento do STJ, é importante destacar a consequente melhora da prestação jurisdicional com a filtragem aplicada pelo critério de relevância, pois isso está em consonância com o sistema de precedentes.
Se o sistema de precedentes se apoia na jurisprudência, logo, a produção de decisões singulares melhores pelo STJ naturalmente irá criar paradigmas mais requintados e, naturalmente, agregará na segurança jurídica.
Como se dá a análise da relevância no Recurso Especial
Ao adicionar o requisito da relevância, a EC 125/2022 também determinou como se daria a análise de tal requisito, bem como já descreveu as hipóteses em que se presume a existência de relevância, sem necessidade de análise prévia.
Acerca da forma de análise da existência de relevância, o art. 105, §2° da CF é semelhante ao que já é estabelecido para a questão da repercussão geral no Recurso Extraordinário. Este será avaliado pela turma julgadora, a qual apenas poderá rejeitar o recurso por ausência de relevância, caso 2/3 dos Ministros assim o entenda.
Tal qual no caso da repercussão geral, a relevância poderá ser demonstrada de diversas formas, seja pelo pioneirismo da questão, a abrangência da matéria e, consequentemente, do impacto em inúmeros processos futuros e em trâmite, a relevância social da matéria, ou a importância jurídica desta.
Já no §3° do art. 105, estão dispostas as hipóteses em que se presume a existência de relevância independente de análise pela turma julgadora, são os casos elencados no dispositivo: ações penais, de improbidade administrativa, ação cujo valor ultrapasse 500 salários-mínimos, ações que possam gerar inelegibilidade e ações nas quais a decisão é contrária ao entendimento dominante do STJ.
De tais hipóteses é importante destacar tanto a última, quanto as duas primeiras. Ao reconhecer a relevância da matéria quando a decisão ofender diretamente o entendimento dominante do STJ, existe clara valorização dos precedentes. O que indica cada vez mais o caminho para criação de paradigmas mais sólidos e que prezam pela segurança jurídica.
Já a questão de considerar pressuposta a existência de relevância das ações com cunho penal está na esteira da constitucionalização do processo civil, tal tendência já foi tema aqui no blog e recomendo a leitura do artigo “O Processo Civil Brasileiro no Contexto da Constituição de 1988” escrito por Daniel Albuquerque de Abreu.
Como está a ser aplicado o critério da relevância?
Com a publicação da EC 125/2022, naturalmente, houve diversos debates acerca da efetividade da citada ementa constitucional. Tais debates são de suma importância, pois determinam como e quando será aplicável o critério de relevância.
Alguns entenderam que se tratava de norma de eficácia plena e, portanto, já poderia ser aplicada de pronto. Outros alegavam que se tratava de norma de eficácia contida, ou seja, a norma já é aplicável, mas a abrangência da aplicação da norma poderia ser limitada por normas futuras. Por fim, havia aqueles que alegavam que se tratava de norma de eficácia limitada e, assim, não seria aplicável de plano até regulamentação futura.
Frente a tais discussões, houve a necessidade de manifestação do STJ quanto a tal debate. Desse modo, por meio do enunciado administrativo n. 8, o STJ entendeu que a EC 125/2022 é, em seu entendimento, norma de eficácia limitada e, portanto, não é aplicável até que seja regulamentada por lei futura.
Na prática, isso significa que, atualmente, enquanto não houver regulamentação, não é necessário demonstrar relevância para que seja conhecido o recurso especial, mas cabe destacar que o STJ já encaminhou sugestão ao Senado de regulamentação da EC 125/2022. Portanto, tal regulamentação está mais próxima do que se espera.
Uma vez que tal regulamentação está próxima, devemos ficar atentos às mudanças legislativas. E a forma mais simples e fácil de ficar atento, é se inscrever nas pós-graduações do IDP, onde você terá acesso a inúmeros profissionais espetaculares que trazem informações atualizadas da matéria. Um exemplo é a pós-graduação em Direito Processual Civil. Dê uma olhada!
Portanto, para além de ficarem atentos à regulamentação do requisito da relevância do Recurso Especial, estude com os melhores e não seja pego desprevenido ao fazer o seu futuro recurso.
Referências
Manual de Direito Processual Civil – Volume Único, NEVES, Daniel, – 15. Ed – São Paulo: Juspodvm 2020.
Curso de direito constitucional, MENDES, Gilmar – 15. Ed – São Paulo: Saraiva Educação 2020.