O Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002), em vigor desde 2003, tem sido objeto de constante reflexão e debate por parte de juristas e legisladores. Após mais de duas décadas, apesar de se tratar de uma legislação relativamente recente, o Congresso Nacional se debruça sobre um anteprojeto de reforma, atualmente em análise por uma comissão de juristas.
A proposta de reforma tem entre os seus principais objetivos a modernização e a adequação do Código às transformações sociais, tecnológicas e econômicas que impactam diretamente o direito brasileiro e as relações sociais privadas, inclusive as relações familiares e o direito sucessório.
Entre as áreas de alteração que mais chamam atenção na proposta estão as modificações relacionadas ao direito de herança e ao direito de família, temas que permeiam o cotidiano de milhares de brasileiros e que têm impacto na vida de todos.
Neste artigo, vamos abordar as principais mudanças sugeridas pelo anteprojeto de reforma do Código Civil, com foco nas novas diretrizes para heranças e no impacto sobre o direito de família, assim como discutir as perspectivas futuras dessa reforma.
1. O Anteprojeto de Reforma do Código Civil
A reforma do Código Civil, cuja proposta está em fase de análise no Congresso Nacional, é fruto do trabalho de uma comissão de juristas formada por especialistas em direito civil. O anteprojeto foi oficialmente entregue ao Senado Federal em abril de 2024, após quase um ano de trabalho.
Em relação ao direito de família, o objetivo principal dessa reforma é modernizar a legislação para adaptá-la à evolução dos costumes, às novas dinâmicas familiares e à necessidade de maior celeridade e justiça nas questões relacionadas à sucessão. Sobre a necessidade de reforma do texto, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco afirmou que: “Os arranjos familiares oficialmente aceitos eram bastante restritos. Posso dizer sem exageros que ganhamos uma bússola”.
O Senado Federal tem acompanhado de perto o debate, e uma comissão foi encarregada de apresentar propostas que reflitam as mudanças sociais e tecnológicas, como o aumento da longevidade da população, a diversificação dos modelos familiares e os avanços na proteção dos direitos humanos. A expectativa é que as alterações promovam maior equidade e segurança jurídica nas relações familiares e no campo do direito das sucessões.
2. Principais Modificações no Direito de Herança
O direito sucessório brasileiro está entre os pontos mais sensíveis da reforma do Código Civil, uma vez que as regras de herança tocam diretamente em questões patrimoniais e no planejamento sucessório das famílias. Entre as modificações propostas, destacam-se alterações a exclusão do cônjuge do rol de herdeiros necessários, o que tem gerado ampla discussão no meio jurídico.
2.1. Exclusão do cônjuge do rol de herdeiros necessários
Atualmente, o cônjuge é considerado herdeiro necessário, conforme o artigo 1.845 do Código Civil, e tem direito a uma parte legítima do patrimônio deixado pelo falecido, ao lado de descendentes e ascendentes. Os herdeiros necessários são aqueles cujo metade do patrimônio do falecido deve ser obrigatoriamente destinado, restando ao testador apenas 50% do patrimônio para dispor livremente por testamento.
A reforma propõe excluir o cônjuge desse rol, o que significa que ele deixaria de ter direito automático à legítima. Com essa mudança, o cônjuge ou companheiro somente receberia parte da herança se o falecido o incluísse em um testamento ou se não houvesse outros herdeiros necessários, como descendentes ou ascendentes.
Essa exclusão traz possíveis consequências para o direito sucessório e pode impactar diretamente a proteção do cônjuge sobrevivente, especialmente em casamentos ou uniões estáveis de longa duração. A retirada do cônjuge do rol de herdeiros necessários flexibiliza o direito sucessório, conferindo ao testador maior liberdade para dispor de seu patrimônio. No entanto, essa liberdade pode gerar desigualdades e insegurança patrimonial para o cônjuge sobrevivente.
Um dos argumentos favoráveis à exclusão é que, em muitos casos, o cônjuge já está protegido por outros mecanismos legais, como o regime de bens adotado no casamento ou na união estável, o que justificaria a retirada dessa proteção automática. Por exemplo, quando o casamento se dá pelo regime de comunhão parcial de bens, o cônjuge já participa automaticamente do patrimônio adquirido durante a união por meio da chamada meação.
Por outro lado, críticos da proposta apontam que, em algumas situações, essa mudança pode enfraquecer a posição do cônjuge sobrevivente, principalmente em famílias onde ele depende economicamente do falecido, o que em muitos casos é a situação vivida pelas mulheres. Sem a proteção como herdeiro necessário, o cônjuge poderia ficar em uma posição vulnerável, especialmente se o falecido não o incluísse no testamento ou se a herança fosse completamente destinada a outros herdeiros.
A exclusão do cônjuge como herdeiro necessário também tem implicações no planejamento sucessório. Atualmente, muitos casais contam com a regra da herança legítima como uma forma de proteger o cônjuge sobrevivente. Com a mudança proposta, será necessário que o testador planeje melhor a distribuição de seus bens, utilizando instrumentos como o testamento para garantir que o cônjuge ou companheiro receba uma parte adequada do patrimônio, caso assim deseje.
Isso ocorre pelo aumento na liberdade do testador para dispor livremente de seus bens, o que pode facilitar o direcionamento de recursos para outros fins, como instituições de caridade, amigos ou outros familiares que, de outra forma, não teriam direito à herança. Isso reflete uma tendência de maior autonomia e flexibilização das regras sucessórias.
2.3. Inclusão de Novas Formas de Herança Digital
Com o avanço da tecnologia, a existência de bens digitais (como contas em redes sociais, moedas e outros ativos digitais e acervos online) tem gerado novos desafios ao direito sucessório.
A proposta de reforma do Código Civil inclui a regulamentação do conceito de patrimônio digital e da herança digital, permitindo que os titulares desses bens possam determinar, ainda em vida, o destino de seus ativos digitais. Além disso, o anteprojeto também propõe que os sucessores legais poderão solicitar a exclusão ou conversão em memoriais dos perfis em redes sociais de pessoas falecidas.
Atualmente, essa questão não está claramente disciplinada no ordenamento jurídico brasileiro, e a reforma se propõe a preencher essa lacuna, garantindo segurança jurídica para a destinação dos bens digitais, que podem ter não só valor sentimental, mas também econômico.
3. Modificações no Direito de Família
Outros temas que são objeto da proposta de reforma e que apresentam consequências diretas em relação à herança são relacionados ao direito de família. As alterações buscam refletir as novas configurações familiares e garantir maior proteção aos direitos individuais, preservando a igualdade e a dignidade nas relações familiares.
Entre as inovações no direito de família, destaca-se o reconhecimento jurídico de novos modelos familiares, como as famílias pluriparentais e as uniões estáveis homoafetivas, que já possuem jurisprudência consolidada nos tribunais superiores, mas carecem de previsão expressa na legislação. A proposta de reforma busca incluir formalmente essas novas estruturas familiares no Código Civil, oferecendo-lhes a mesma proteção legal que é conferida às famílias nucleares tradicionais, assegurando direitos sucessórios, previdenciários e patrimoniais.
Outra modificação proposta no âmbito do direito de família é a flexibilização das regras sobre os regimes de bens no casamento e na união estável. A reforma visa permitir maior autonomia para os cônjuges e companheiros na definição de seus regimes de bens, inclusive facilitando a alteração do regime durante o casamento, mediante acordo entre as partes. Essas mudanças pretendem modernizar as relações patrimoniais dentro do casamento, adequando a legislação às novas realidades econômicas e sociais.
4. Perspectivas Futuras e desafios
O anteprojeto de reforma do Código Civil ainda está em fase de análise no Congresso Nacional, mas já desperta amplas discussões entre juristas, advogados e sociedade civil. As mudanças propostas têm o potencial de transformar profundamente o direito das famílias e sucessões no Brasil, tornando-o mais adequado às novas dinâmicas sociais e tecnológicas.
Apesar de a reforma ter sido amplamente debatida na comissão de juristas, existem pontos de divergência, especialmente no que se refere à exclusão do cônjuge do rol de herdeiros necessários e à regulamentação da herança digital. Parte da doutrina crítica à flexibilização da legítima argumenta que isso pode prejudicar o cônjuge sobrevivente, especialmente em famílias em que há dependência econômica entre gerações.
Sobre a implantação prática das novas regras sobre a herança digital (como contas em redes sociais e criptoativos), argumenta-se que muitas vezes esses “bens” são controlados por empresas estrangeiras, o que pode dificultar a efetivação de decisões judiciais sobre a transmissão de tais ativos.
A expectativa é que o anteprojeto seja amplamente discutido nas duas casas legislativas ao longo de 2024 e 2025, com eventuais alterações no texto inicial. Ainda assim, a pressão pela modernização do Código Civil é grande, e muitos especialistas acreditam que a reforma deve ser aprovada nos próximos anos, trazendo mudanças substanciais ao ordenamento jurídico brasileiro, em uma tentativa de tentar acompanhar as mudanças nas relações sociais.
Embora ainda haja desafios e debates sobre a implementação dessas mudanças, a reforma tem o potencial de criar um ambiente jurídico mais dinâmico e inclusivo, refletindo as necessidades e expectativas da sociedade contemporânea.
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Referências
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BAPTISTA, Rodrigo. Novo Código Civil: Senado recebe anteprojeto de juristas e analisará o texto. Senado Notícias, 17 abr. 2024. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/04/17/novo-codigo-civil-senado-recebe-anteprojeto-de-juristas-e-analisara-o-texto. Acesso em 18 out. 2024.
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