Origem histórica da extinção das obrigações pelo adimplemento
A relação obrigacional tem como uma de suas características a transitoriedade, toda e qualquer obrigação tem como destino inexorável a sua extinção, de preferência pelo adimplemento. Todavia, embora o fim de toda obrigação seja sua extinção, esta pode vir de diversas formas.
No direito romano, o qual serviu de base para a estruturação do direito obrigacional contemporâneo, havia, basicamente, dois gêneros de extinção da obrigação, quais sejam: ipso iure e exceptionis ope, que traduzidas significam “pleno direito” e com “ajuda de uma exceção”.
Enquanto a extinção ipso iure eram as formas de extinção da obrigação que efetivamente encerrava o laço obrigacional, ou seja, extinguia o direito material em si. As exceptionis ope eram aquelas que apenas suspendiam a eficácia do direito material, a obrigação continuava a existir, mas estava sobrestada, suspensa.
Tal diferenciação tem impacto no direito contemporâneo, pois a partir de tal discrepância se estruturou as formas de extinção da obrigação por adimplemento, bem como as formas de obstar a eficácia de obrigação.
A exceptionis ope assume o lugar das hipóteses que obstam a eficácia de uma obrigação e forma as principais teses de defesa do devedor, tais teses estão espalhadas pelo Código Civil (CC), por exemplo exceção de contrato não cumprido, art. 476 do CC.
Já a extinção ipso iure assumiu o lugar da extinção da obrigação propriamente dita pelo adimplemento, as quais estão positivadas no Título III do Adimplemento das obrigações, arts. 304 e seguintes do CC. No presente artigo discutiremos apenas acerca de uma das formas de extinção da obrigação, o pagamento.
A forma padrão de extinção da obrigação: pagamento
O pagamento é a forma ideal de extinção da obrigação, esta se perfaz pelo adimplemento da obrigação em sua forma acordada pelas partes, é a primeira a ser regulada pelo Código no Capítulo I. Por ser a forma paradigmal de extinção das obrigações, todas as demais maneiras de extinção da obrigação derivam de alguma alteração do pagamento simples, principalmente na forma como é adimplida a obrigação.
Por se tratar da forma padrão de adimplemento, o Código o regula de forma mais detalhada que todas as demais, inclusive subdivide cada aspecto do adimplemento da obrigação em secções, quais sejam: a pessoa que paga (solvens), a pessoa que recebe (accipiens), objeto do pagamento, lugar e, por fim, tempo.
A figura do pagador
Para facilitar a compreensão, seguiremos as subseções do Código, portanto, começaremos pela figura da pessoa que paga, doravante, pagador. Em uma primeira análise, pode-se entender que a figura do pagador e do devedor são sinônimos, todavia tal concepção é equivocada, devedor é a pessoa legalmente obrigada a determinada prestação, ao passo que pagador é apenas a pessoa que adimple a obrigação.
Tal diferenciação é importante, pois nem sempre o devedor será o pagador, quando isso ocorre há diferentes consequências jurídicas a depender de quem seja o pagador e sua relação com a obrigação adimplida.
O CC diferencia os terceiros pagadores em duas categorias, terceiro interessado e terceiro não interessado. O terceiro interessado é aquele que guarda relação com a obrigação adimplida, por exemplo o fiador e o avalista, já o terceiro não interessado é aquela pessoa completamente alheia à obrigação que adimpliu.
Quando a dívida é paga por terceiro interessado, este se sub-roga nos direitos do credor na relação negocial com o devedor, já o terceiro não interessado, ao quitar a obrigação do devedor tem direito apenas a reembolso simples. O pagamento em sub-rogação será abortado adiante, desse modo, deixaremos para o momento apropriado sua explicação.
Por fim, para encerrar a secção do pagador, é importante destacar que no art. 306 do CC está disposto que caso o pagamento seja feito por terceiro sem conhecimento, ou ainda com oposição do devedor, este não está obrigado à reembolsar aquele nos casos que podia ilidir tal ação, ou seja, podia impedir o terceiro.
A figura do recebedor
Com relação à pessoa quem recebe, doravante recebedor, igual a observação anterior referente ao devedor, o recebedor não se confunde com a figura do credor, são situações jurídicas distintas, credor é a pessoa a quem é devida determinada obrigação, já recebedor é aquela pessoa que recebe determinada prestação.
Para que o pagamento seja válido e a obrigação extinta, o receptor sempre terá alguma relação com o credor, pois o pagamento deverá ser feito ou ao credor, ou ao seu representante, ou ainda pessoa que possui a quitação emitida pelo credor.
Todavia, caso o receptor não tenha qualquer relação com o credor, em regra não haverá extinção da obrigação, salvo se o credor ratificar o pagamento, ou se o devedor demonstrar que o pagamento se reverteu em favor do credor e, por fim, no caso do credor putativo.
O caso do credor putativo é interessante, putativo vem do latim putare, que em tradução livre significa “pensar”, portanto, credor putativo é aquele quem o pagador pensava ser o credor, credor imaginário.
Portanto, se o pagador adimple a obrigação ao credor putativo, está extinta a obrigação, todavia para se configurar a obrigação é essencial que haja elementos objetivos para a confusão, caso contrário é apenas pagamento inválido.
Objeto do pagamento e sua prova
Após a análise dos sujeitos da obrigação, vamos analisar o objeto do pagamento, este se refere a prestação em si da relação obrigacional, regula como deverá ser feito tal pagamento e em quais hipóteses poderá ter alteração da obrigação. Ademais, na mesma Seção está regulada como se dará a quitação, que é o principal meio de prova do pagamento.
O Código Civil tem por objetivo dar estabilidade à vontade das partes, portanto, o art. 313 do CC de plano estabelece que o credor não está obrigado a receber prestação diversa da devida, ainda que seja mais valiosa, muito receber de forma diversa a acordada, conforme art. 314 do CC. Tal proteção pela estabilidade das negociações privadas também favorecem ao devedor, pois além de não estar obrigado a pagar algo diverso do acordado, igualmente não é obrigado a pagar de forma diversa e muito menos de forma antecipada, consoante art. 315 do CC.
Embora o legislador tenha evitado se intrometer na relação entre os particulares, há situações que exigem a atuação do Poder Público, por exemplo o art. 317 do CC dispõe da hipótese em que exista desproporção imprevisível entre o valor nominal e o valor real da obrigação.
Apenas para ilustrar, imagine que X tenha que pagar à Y R$ 100,00 em dezembro de 2024, mas em outubro de 2024 houve uma mudança brusca no mercado e o valor do dólar subiu 100%, naturalmente, o valor nominal não equivale o valor real da prestação devido a alteração imprevisível.
Após o pagamento da obrigação, é direito do devedor receber a quitação, pois este é o principal meio de prova de que houve o adimplemento da obrigação e, consequentemente, sua extinção. Tal instrumento deve conter as seguintes informações listadas no art. 320 do CC: valor, espécie da obrigação, o nome do devedor (ou do pagador), o tempo, o lugar do pagamento e, por fim, a assinatura do credor.
A importância de tal documento é tal que o devedor pode reter o pagamento na hipótese de recusar dar a quitação, conforme art. 319 do CC. Inclusive, tal impasse pode ser solucionado pelo pagamento em consignação (este assunto será objeto de um artigo futuro, por isso acompanhe o blog, mas caso não consigam esperar até lá, se inscreva-se no curso de pós-graduação em Direito Processual Civil do IDP para ter conhecimento profundo a respeito do tema).
Inclusive, no final desta seção há algumas hipóteses de presunção do adimplemento das obrigações, por exemplo: a devolução do título que constitui a obrigação ao devedor e, em obrigações parceladas, a quitação da última parcela pressupõe a quitação das demais.
Lugar e tempo do pagamento
Embora estejam regulados em secções distintas, resolvemos condensar a análise do lugar e do tempo do pagamento neste tópico, tais fatores guaram relação com a forma de realizar o pagamento.
Quanto ao lugar, o art. 327 do CC estabelece que no silêncio quanto ao local de pagamento se presumirá o domicílio do devedor, salvo se as partes houverem designado local diverso, ou a lei estabeleça outro lugar. Inclusive, logo me sequência, o art. 328 do CC determina que obrigações que envolva imóveis serão adimplidas no lugar em que se encontra o bem.
Caso não seja mais possível efetuar o pagamento no local determinado, o devedor poderá fazê-lo em outro sem prejuízo do credor, conforme art. 328 do CC.
Por fim, o art. 330 do CC estabelece algo interessante, nos casos em que o pagamento se der em parcelas, caso essas sejam constantemente feitas em local diverso do combinado e o credor não se oponha, o devedor poderá continuar a pagar naquele local, uma rara hipótese de supressio e surrectio positivada no código.
Tal artigo demonstra a perda do direito de o credor reclamar após reiteradas transgressões ao acordo, mas sabia que o credor também pode perder seu direito creditório pela passagem do tempo? Não? Então confira o artigo de minha autoria publicado aqui no blog para saber mais.
Por fim, o tempo, caso não tenha sido acordado pelas partes termo final para adimplemento, o credor pode exigir de imediato a prestação no momento da criação da obrigação, todavia, uma vez estabelecido prazo, este deve ser respeitado.
A regra do prazo apenas é flexibilizada nas hipóteses listadas no art. 333 do CC, quais sejam: nos casos de falência ou insolvência civil, se a garantia real for executada por outro credor, ou se as garantias se tornarem insuficientes.
Há certo debate na doutrina acerca da recuperação judicial, se esta também flexibiliza ou não o prazo da obrigação. Se ficou curioso então acompanhe o blog e se inscreva para o curso de pós-graduação em Direito Processual Civil do IDP.
Referências:
Direito Civil: Carlos E. Elias, João Costa – Neto; Rio de Janeiro: Forense 2022.
Direito Romano: José Carlos Moreira Alves; Rio de Janeiro: Forense 2021.