Quando se trata de direito sucessório, estamos diante de um tema que está, muitas vezes, atrelado a um sentimento ruim, o qual acumula no mesmo pacote o luto pela pessoa falecida e eventuais litígios acerca da divisão de bens deixados.
O direito sucessório versa sobre uma garantia constitucional, assegurando aos herdeiros, a sucessão dos bens daquele que faleceu.
Contudo, uma série de obrigações e prerrogativas permeiam essa esfera jurídica, garantindo a legitimidade ao procedimento e permitindo a efetividade da tutela constitucional.
Direitos dos Herdeiros
A legislação brasileira assegura uma série de garantias aos herdeiros, permitindo que tenham acesso ao seu amparo constitucional à herança, que representa sua principal prerrogativa. Esse dispositivo legal possibilita a sucessão dos bens deixados pelo falecido.
Essa prerrogativa surge com o falecimento do de cujus, nos termos do artigo 1.784 do Código Civil, que estabelece a transmissão automática da herança aos herdeiros legítimos e testamentários no momento da abertura da sucessão. Ou seja, o direito sucessório é adquirido com o falecimento, independentemente da formalização do inventário.
O processo de inventário depende da atuação dos herdeiros nesse sentido, sendo que qualquer herdeiro pode requerer a abertura do inventário, independentemente da concordância dos demais. Isso é especialmente importante em casos de desentendimentos familiares, garantindo que o processo sucessório não seja postergado indefinidamente.
Herdeiros Legítimos e Testamentários
Os herdeiros legítimos incluem descendentes (filhos, netos), ascendentes (pais, avós), cônjuge ou companheiro sobrevivente e, na ausência desses, colaterais até o quarto grau. Já os herdeiros testamentários são aqueles indicados em testamento válido, podendo ou não ser pessoas com vínculo familiar.
Ao mesmo passo, nos casos em que há falecidos que eram casados ou que viviam em união estável no momento do falecimento, sob regimes de bens que preveem a comunhão de patrimônio, é assegurado o direito à meação ao companheiro sobrevivente.
Isso significa que o cônjuge ou companheiro tem direito à metade dos bens adquiridos durante a relação, independentemente do direito sucessório. No entanto, a meação não se confunde com a herança, sendo um direito próprio do cônjuge.
Importante destacar que, por mais que em processos de inventário ocorra algum cenário litigioso, durante o inventário, os herdeiros têm o direito de serem informados sobre todo o patrimônio do falecido, incluindo bens, obrigações e dívidas do falecido.
Isso inclui a apresentação de documentos, extratos bancários, contratos e qualquer outra informação necessária para o levantamento do patrimônio. A ocultação de informações por um herdeiro ou pelo inventariante pode acarretar nulidade de atos e responsabilização judicial.
Quanto aos direitos no ato da partilha, os herdeiros de mesma classe (por exemplo, todos os filhos do falecido) têm direito a uma divisão igualitária dos bens, salvo disposição diversa em testamento ou quando houver acordos específicos entre os herdeiros. Essa igualdade visa preservar a equidade na divisão do patrimônio e evitar litígios desnecessários.
Por fim, caso algum herdeiro entenda que um testamento foi elaborado sob coação, fraude ou de forma que desrespeite a lei (como a violação da legítima, que é a parte reservada aos herdeiros necessários), este tem o direito de impugná-lo judicialmente. Essa possibilidade garante que todos os herdeiros possam questionar eventuais irregularidades formais.
Deveres dos Herdeiros
Ainda que os herdeiros tenham uma série de direitos, existem encargos a serem observados. O primeiro deles consiste no dever de iniciar o inventário. Os herdeiros têm o dever legal de dar início ao processo de inventário em até dois meses após o falecimento, conforme disposto no artigo 611 do Código de Processo Civil. O não cumprimento desse prazo pode acarretar a aplicação de multas sobre o imposto de transmissão causa mortis (ITCMD) e pode dificultar a regularização dos bens.
No ato de abertura do inventário, os herdeiros devem indicar, de forma consensual, um inventariante para conduzir o processo. O inventariante pode ser um dos herdeiros, o cônjuge sobrevivente, um testamenteiro ou, na ausência de acordo, alguém designado pelo juiz. O inventariante tem responsabilidades importantes, como a administração dos bens e a prestação de contas, e sua escolha deve ser feita com atenção.
Apresentação de Bens e Dívidas
Após a abertura de inventário, os herdeiros têm o dever de apresentar ao juízo ou ao cartório todos os bens e dívidas deixados pelo falecido. Isso inclui imóveis, veículos, contas bancárias, investimentos, bens móveis e passivos financeiros. A ocultação deliberada de bens pode levar à exclusão do herdeiro faltoso da sucessão, além de ensejar outras sanções civis e penais.
Antes de dividir o patrimônio, é necessário quitar as dívidas deixadas pelo falecido. Nesse contexto, os herdeiros têm o dever de utilizar os bens da herança para satisfazer as obrigações pendentes, respeitando o limite do valor do patrimônio herdado. Caso as dívidas excedam o valor dos bens, os herdeiros não respondem com seus patrimônios pessoais, limitando-se ao valor deixado pelo de cujus.
Avaliação de Bens para Partilha Justa
Para que a partilha seja justa, os bens precisam ser avaliados de forma precisa e justa. Os herdeiros têm o dever de colaborar com a avaliação dos bens, fornecendo informações e permitindo a vistoria de imóveis e outros bens sujeitos à partilha.
Conforme já descrito, salvo os casos de acordo expresso, os herdeiros devem respeitar a divisão igualitária dos bens, conforme previsto em lei, de forma que cada um tenha acesso efetivo à sua cota parte. A tentativa de obter vantagens indevidas ou de prejudicar outros herdeiros pode ser contestada judicialmente.
O inventário gera despesas, como custas judiciais, honorários advocatícios e pagamento do ITCMD. Os herdeiros têm o dever de ratear as despesas de forma proporcional à sua participação na herança. A inadimplência de um herdeiro pode dificultar o andamento do processo, ou gerar uma distribuição desigual posteriormente.
Conflitos e Soluções no Inventário
Apesar de os direitos e deveres dos herdeiros estarem claramente definidos, é comum que surjam conflitos durante o inventário. Divergências quanto à divisão de bens, à escolha do inventariante ou à validade de testamentos podem atrasar o processo e gerar litígios.
Nessas situações, os herdeiros têm à disposição, mecanismos como a mediação e a conciliação, que visam resolver os impasses de forma amigável e célere.
Em casos extremos, o descumprimento de deveres ou a violação de direitos pode ser levado ao Judiciário, que decidirá de acordo com os princípios da legalidade, equidade e proporcionalidade. A atuação de advogados especializados em Direito de Família e Sucessões é essencial para garantir que os interesses dos herdeiros sejam respeitados e que o processo transcorra de maneira justa.
Conclusão
O processo de inventário é mais do que uma formalidade jurídica; é uma etapa essencial para garantir a transmissão do patrimônio de forma justa e equilibrada, respeitando os direitos e deveres de cada herdeiro. Embora sejam beneficiários da herança, os herdeiros também possuem responsabilidades que asseguram a transparência, a eficiência e a equidade no procedimento.
Ao compreender e cumprir seus direitos e deveres, os herdeiros contribuem para a resolução harmoniosa do inventário, evitando litígios desnecessários e promovendo o respeito mútuo entre os envolvidos. Por fim, é importante lembrar que o inventário não se limita à divisão de bens materiais, mas também pode envolver aspectos emocionais e relacionais, sendo fundamental que o processo seja conduzido com ética, diálogo e responsabilidade.
Redator: João Marcos de Carvalho Pedra
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DE CARVALHO, Dimas Messias; DE CARVALHO, Dimas Daniel. Direito das sucessões: inventário e partilha. Del Rey, 2012.
DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. Editora Revista dos Tribunais, 2008.
VIEIRA, Suelly Maria Moreira; TERTO, Luana Machado; DE MORAES SANTOS, Vívia Pereira. Direito sucessório e filho socioaefetivo. 2024.