Ao longo dos últimos anos, muito tem se discutido acerca da ressocialização dos presidiários e a atualização do modelo carcerário brasileiro.
De um lado, há um polo mais conservador, que entende que há um baixo rigor nas leis penais, de forma que seria cabível penas perpétuas e de morte, em determinados casos. De outro lado, há um polo progressista, que não acredita no modelo atual de encarceramento, dado que o detento não volta à vida em sociedade com a devida alteração de conduta necessária.
A progressão de regime é um dos institutos fundamentais do Direito Penal e da Execução Penal no Brasil, permitindo que o condenado avance gradualmente para regimes menos severos à medida que cumpre parte de sua pena e apresenta bom comportamento.
Esse mecanismo reflete princípios como a individualização da pena, a ressocialização do apenado e a dignidade da pessoa humana. No entanto, apesar de seu amparo legal, a progressão de regime enfrenta desafios na aplicação prática, decorrentes tanto de barreiras legais quanto estruturais do sistema carcerário brasileiro.
Neste artigo, exploramos as regras legais que regem a progressão de regime, os critérios para sua concessão, as dificuldades enfrentadas na sua implementação e os impactos desse instituto no sistema penitenciário e na sociedade.

A Progressão de Regime e seus Fundamentos
Cleber Masson elenca em sua doutrina que existem três sistemas clássicos que disciplinam a progressão de regime de cumprimento da pena privativa de liberdade: Da Filadélfia, de Auburn e o Inglês.
Pelo sistema da Filadélfia, o preso fica isolado em sua cela, sem a possibilidade de sair dela, salvo esporadicamente para passeios em pátios fechados.
Para o sistema de Auburn, o condenado, em silêncio, trabalha durante o dia com outros presos, e submete-se a isolamento no período noturno.
Já o sistema inglês ou progressivo se baseia no isolamento do condenado no início do cumprimento da pena privativa de liberdade. Todavia, em um segundo momento, é autorizado a trabalhar na companhia de outros presos. E, por fim, na última etapa, é colocado em liberdade condicional.
A progressão de regime está prevista na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) e no Código Penal brasileiro. O artigo 112 da LEP estabelece os requisitos gerais para a concessão do benefício, enquanto o Código Penal determina os regimes de cumprimento de pena: fechado, semiaberto e aberto.
O objetivo da progressão é permitir uma transição gradual do condenado para a liberdade, evitando a reincidência e promovendo a reinserção social. A ideia central é que, conforme o apenado demonstre esforço e comprometimento com sua recuperação, ele possa ser transferido para regimes menos severos, culminando na sua reintegração ao convívio social.
Para obter o direito à progressão de regime, devem preencher dois critérios essenciais e obrigatórios: (i) o objetivo, referente ao tempo de pena; e (ii) o subjetivo, referente à avaliação social.
Requisitos para a Progressão de Regime
Conforme mencionado, a progressão de regime depende do preenchimento de dois requisitos fundamentais, os quais trabalharemos a seguir.
Requisito Temporal (Critério Objetivo)
O tempo de cumprimento da pena varia de acordo com a natureza do crime e a reincidência do apenado. A progressão de regime exige o cumprimento de um percentual mínimo da pena, conforme estabelecido pelo artigo 112 da LEP e pelo artigo 33 do Código Penal. As regras foram modificadas pela Lei nº 13.964/2019, conhecida como “Pacote Anticrime”.
Nos termos do artigo 112 da LEP, os percentuais exigidos para a progressão são os seguintes:
- 16% da pena – Se o condenado for primário e o crime cometido não for hediondo ou equiparado;
- 20% da pena – Para condenado reincidente, desde que o novo crime não seja hediondo ou equiparado;
- 25% da pena – Para primário condenado por crime hediondo ou equiparado sem resultado morte;
- 30% da pena – Para reincidente em crime hediondo ou equiparado sem resultado morte;
- 40% da pena – Para primário condenado por crime hediondo ou equiparado com resultado morte;
- 50% da pena – Para reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte;
- 60% da pena – Para condenado que integrar organização criminosa e tiver exercido função de liderança;
- 70% da pena – Para condenado por crime hediondo ou equiparado se for reincidente específico.
Requisito Subjetivo (Bom Comportamento Carcerário)
Além do critério objetivo, a legislação exige que o preso comprove o bom comportamento carcerário, nos termos do § 1º do mesmo artigo, cujo requisito é verificado por meio de relatório elaborado pela administração penitenciária.
O bom comportamento envolve:
- A ausência de faltas disciplinares graves;
- A participação em atividades laborais ou educacionais na prisão;
- O respeito às normas e ordens do estabelecimento prisional.
- Nos casos de condenação por crimes hediondos ou equiparados, o exame criminológico pode ser exigido pelo juiz para avaliar a possibilidade de reinserção social do condenado. Embora a exigência desse exame não seja obrigatória por lei, os tribunais frequentemente o utilizam para embasar suas decisões.
O Procedimento para a Progressão de Regime
A progressão de regime não ocorre automaticamente. O condenado ou seu advogado deve apresentar o pedido ao juiz da Vara de Execuções Penais, demonstrando o cumprimento dos requisitos objetivos e subjetivos.
Importante destacar que, nos termos da jurisprudência do STF, a ausência de um estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS, o qual ensejou a fixação do Tema 423 de repercussão geral, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes:
RE 641.320/RS:
“Cumprimento de pena em regime fechado, na hipótese de inexistir vaga em estabelecimento adequado a seu regime. Violação aos princípios da individualização da pena (art. 5º, XLVI) e da legalidade (art. 5º, XXXIX). A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso. 3. Os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento adequado” (regime aberto) (art. 33, § 1º, b e c). No entanto, não deverá haver alojamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com presos do regime fechado. 4. Havendo déficit de vagas, deverão ser determinados: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado. (RE 641.320, rel. min. Gilmar Mendes, P, j. 11-5-2016, DJE 159 de 1º-8-2016, Tema 423.) ”
Dessa forma, caso um réu preso tenha os elementos necessários para obter o regime mais benéfico, mas a Administração Pública não disponha de estrutura para oferecê-lo nesse sentido, é cabível à parte obter regime mais benéfico, de forma a privilegiar a ressocialização do réu.
Importância da Progressão para o Sistema Penal e a Sociedade
A progressão de regime desempenha um papel crucial no equilíbrio do sistema penal. Ela evita o encarceramento excessivo, reduz os custos do Estado com a manutenção de presos e contribui para a ressocialização. Estudos indicam que a aplicação adequada da progressão reduz as taxas de reincidência, pois permite que o condenado tenha uma transição controlada de volta à sociedade.
Além disso, a progressão reforça o princípio da individualização da pena, garantindo que a punição seja ajustada à realidade do condenado e evitando o cumprimento de penas de maneira uniforme e desproporcional.

Conclusão
A progressão de regime é um mecanismo essencial para garantir a justiça no cumprimento das penas e promover a ressocialização dos condenados. No entanto, sua efetividade depende da existência de estruturas adequadas, de um Judiciário ágil e de uma mudança na percepção social sobre o sistema penal.
Para advogados que atuam na execução penal, compreender os critérios e os desafios da progressão é fundamental para garantir que seus clientes tenham seus direitos respeitados. A busca por uma aplicação mais eficiente desse instituto é um passo necessário para um sistema de justiça criminal mais justo e humanizado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPEZ, Fernando. Parte geral. Coleção Curso de direito penal. 24. ed. São Paulo:Saraiva Educação, 2020.
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). 14. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de janeiro: Forense, 2017.
RE 641.320, rel. min. Gilmar Mendes, P, j. 11-5-2016, DJE 159 de 1º-8-2016, Tema 423