Cada vez mais crescem os estudos relacionados ao debate em torno da perspectiva de gênero em todo o mundo, principalmente quando a busca é para compreender o papel de fato do Estado na proteção e garantias dos Direitos Humanos das Mulheres.
A igualdade de gênero é um princípio fundamental das sociedades democráticas, mas infelizmente ainda é uma realidade distante em muitos aspectos da vida cotidiana. No âmbito do sistema de justiça criminal, as desigualdades de gênero podem ser particularmente pronunciadas, afetando a forma como os casos são tratados e julgados
Neste artigo abordaremos sobre a perspectiva de gênero no processo penal. Conforme será demonstrado, este artigo tem como objetivo trazer a ideia de que a incorporação da perspectiva de gênero no processo penal é fundamental para garantir a igualdade de tratamento e justiça para todas as partes envolvidas.
Adiante, exploraremos os impactos da perspectiva de gênero no processo penal e a importância de sua adoção. Além disso, trataremos sobre os desafios com exemplos concretos e importantes para o entendimento proposto.
A perspectiva de gênero apresenta diversas nuances interessantes que seriam capazes de traduzir a história da luta por direito igual – ou talvez mais igualitários – mas por questões de espaço, aqui versaremos apenas sobre a perspectiva de gênero no processo penal.
O Que é Perspectiva de Gênero no Processo Penal?
A palavra gênero não exclui a palavra sexo dos instrumentos internacionais, mas a partir de 1990 a implementação do termo introduziu a ideia de que as violações de direitos contra as mulheres devem ser percebidas como produto de uma assimetria de poder entre mulheres e homens, onde o Estado tem o dever de atuar na promoção de igualdade diante dessa disparidade.
A perspectiva de gênero é um conceito que se refere à análise dos papéis e expectativas sociais atribuídos aos homens e mulheres em uma determinada cultura. Já no contexto do processo penal, a perspectiva de gênero implica considerar como as desigualdades e estereótipos de gênero podem afetar a administração da justiça e o tratamento dado às partes envolvidas no processo.
Diante disso, há diversos documentos elaborados com o intuito de auxiliar e incorporar, bem como direcionar, na análise e na tomada de decisões. São parâmetros para que o sistema de justiça passe a ter uma linguagem sensível e acolhedora, com perspectiva de gênero, evitando que se reproduzam estereótipos de gênero e incorrendo na revitimização das mulheres, especialmente no sistema de justiça criminal.
A título de visualização, a elaboração das Diretrizes Nacionais para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as vítimas de feminicídio são capazes de oferecer linhas de atuação, elementos, técnicas e instrumentos práticos com uma abordagem intersetorial e multidisciplinar, a fim de aprimorar a prática de profissionais da segurança pública, da justiça e qualquer pessoal especializado que venha intervir durante a investigação, o processo e o julgamento dos feminicídios.
Desde a subnotificação de crimes sexuais até a culpabilização da vítima em casos de violência doméstica, as distorções de gênero no processo penal podem ter consequências graves e duradouras para as pessoas envolvidas. A perspectiva de gênero implica considerar como as desigualdades e estereótipos de gênero podem afetar a administração da justiça e o tratamento dado às partes envolvidas no processo.
A Importância da Adoção da Perspectiva de Gênero e seus Desafios
A necessidade de incorporação de perspectiva de gênero na legislação e nas políticas públicas, planos e programas sociais é uma iniciativa que vem crescendo diante das demandas sociais. Não se trata aqui apenas de contemplar as demandas das mulheres, mas principalmente pela casca estruturalmente desigual entre homens e mulheres, com o intuito de construir as soluções para alcançar uma equidade entre ambos.
Nesse sentido, no âmbito do processo penal não poderia ser diferente. A importância da perspectiva de gênero no processo penal está em garantir que todas as partes envolvidas sejam tratadas de forma igualitária e sem discriminação. Isso significa que juízes, promotores, advogados e defensores públicos devem estar conscientes de como estereótipos de gênero podem influenciar suas decisões e como isso pode afetar a justiça.
Além disso, é importante sempre levar em consideração em como as desigualdades de gênero podem afetar a capacidade de uma pessoa de obter justiça e proteção, principalmente em casos como o de violência de gênero ou crimes sexuais.
O Impacto da Falta de Perspectiva de Gênero no Processo Penal
O impacto da perspectiva de gênero no processo penal pode ser sentido em diversas áreas. Por exemplo, ao considerar a liberdade provisória, juízes podem levar em conta as responsabilidades de cuidado atribuídas às mulheres, que muitas vezes impedem que elas compareçam às audiências ou cumpram medidas restritivas.
Ao julgar casos de violência doméstica, é importante considerar a assimetria de poder que muitas vezes existe entre homens e mulheres em relacionamentos abusivos, e como isso pode afetar a capacidade de uma mulher de deixar o agressor ou buscar proteção legal.
No que se refere aos crimes sexuais, a perspectiva de gênero pode ajudar a garantir que a vítima não seja revitimizada ou culpabilizada pelo que aconteceu. Muitas vezes, as vítimas de crimes sexuais são tratadas de forma inadequada, com base em estereótipos de gênero, que levam a uma menor credibilidade de suas denúncias.
A consequência pela não adoção da perspectiva de gênero são diversos, como a manutenção e afirmação dos estereótipos de gênero, a elaboração de leis esparsas e que não atendem a realidade, a relativização dos crimes cometidos contra mulher em detrimento de situações circunstanciais, e a não valorização da palavra da vítima.
De forma geral, incorrer em desrespeito a direitos humanos fundamentais, além de enfraquecer o cumprimento das leis. Com uma perspectiva de gênero adequada, esses estereótipos podem ser rechaçados e os julgamentos realizados, serão mais justos.
Como Advogados e Profissionais do Direito podem melhorar sua atuação?
Os advogados e profissionais do direito envolvidos têm a responsabilidade de garantir que todos os indivíduos sejam tratados de forma justa e igualitária no sistema de justiça penal, independentemente do gênero. Para atuar diante da perspectiva de gênero no processo penal, é importante que os advogados e profissionais do direito estejam cientes das demandas específicas de cada indivíduo.
Inclusive, almejando esse objetivo, o Código de Processo penal prevê que na audiência de instrução e julgamento, e, em especial, nas que apurem crimes contra a dignidade sexual, todas as partes e demais sujeitos processuais presentes no ato deverão zelar pela integridade física e psicológica da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa (Art. 400-A do CPP). Sendo vedada a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos; e a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.
Nesse sentido, advogados e profissionais do direito devem receber treinamento e conscientização sobre as questões de gênero e os preconceitos que podem ocorrer no processo penal. Isso pode ajudá-los a identificar e lidar com situações em que a igualdade de gênero não é respeitada
São exemplos de demandas que necessitam de profissionais capacitados com perspectiva de gênero:
- Muitas vítimas e testemunhas são mulheres, e elas podem ser particularmente vulneráveis no processo penal. Os advogados devem garantir que essas pessoas sejam protegidas e tratadas com dignidade durante todo o processo.
- A perspectiva de gênero deve ser considerada na investigação pré-processual e no julgamento dos casos criminais. Isso deve ser cobrado pela defesa, podendo ser importante para identificação de eventual estereótipos de gênero, a fim de postular por um julgamento mais justo.
- As mulheres representam uma proporção significativa da população carcerária, mas muitas vezes não recebem o tratamento adequado no sistema prisional. Os advogados devem garantir que as mulheres recebam cuidados médicos adequados, que suas necessidades de higiene sejam atendidas e que sejam protegidas de violência e eventuais assédios.
Por fim, os advogados e profissionais do direito devem atuar com perspectiva de gênero no processo penal garantindo que as demandas específicas de cada indivíduo, a fim de que sejam reconhecidas e tratadas adequadamente.
Referências:
Art. 400-A CPP
FERREIRA, Maria Mary. Representação feminina e construção da democracia no Brasil. Coimbra: CES, 2004.
GONÇALVES, T. A. Direitos humanos das mulheres e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos: uma análise de casos admitidos entre 1970 e 2008. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo) – USP. São Paulo, p. 267. 2011.
ONU Mulheres. Nações Unidas e governo brasileiro recomendam diretrizes nacionais para procedimentos de investigação, processo e julgamento de crimes feminicidas. Abril, 2016.