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Tempo de leitura: 8 min

O Juiz das Garantias no Processo Penal Brasileiro

Redator: Manassés Lopes

O processo penal contemporâneo enfrenta uma transformação que reflete não apenas a necessidade de modernização das estruturas jurídicas, mas também o desafio de superar práticas arraigadas que, muitas vezes, comprometem a imparcialidade e a eficiência da justiça. 

Nesse contexto, a figura do juiz das garantias, introduzida pela Lei 13.964/2019, também conhecido como “Pacote Anticrime”, surge como um instituto inovador em nosso sistema jurídico. 

Em linhas gerais, a figura do juiz das garantias tem como finalidade promover um sistema mais equilibrado e justo, alinhado com os princípios do Estado Democrático de Direito.

Esse novo instituto, contudo, não está sendo de fácil implementação.

Nesse texto, vamos explorar os contornos desse instituto, suas implicações práticas e os debates que cercam sua implementação.

Como é a estrutura do juiz das garantias?

Com previsão expressa no artigo 3º-B do Código de Processo Penal, o juiz das garantias é responsável por supervisionar a fase investigativa de processos criminais. 

Segundo o Código de Processo Penal, o juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário.

Como se observa pela legislação, a atuação do juiz das garantias diz respeito ao controle da legalidade da investigação e à salvaguarda dos direitos individuais do investigado. 

Dentre as competências previstas pela legislação, o juiz das garantias está autorizado a realizar a aplicação de medidas cautelares como prisões preventivas, interceptações telefônicas e buscas e apreensões, além de supervisionar os atos investigatórios realizados pela autoridade policial. 

O destaque do instituto é que o juiz das garantias não terá qualquer participação no julgamento da causa. 

Ou seja, o mérito será analisado por outro magistrado, também chamado de juiz da instrução e julgamento, que não terá contato com os elementos colhidos na investigação de forma direta. 

Essa separação busca evitar a chamada “dissonância cognitiva”, conceito trazido ao Direito Penal pela psicologia social. 

Segundo a teoria da “dissonância cognitiva”, o magistrado que atua na fase investigativa tende a confirmar hipóteses já formuladas, o que compromete sua imparcialidade no momento de decidir o mérito.

No final do dia, a proposta não é apenas estrutural, mas filosófica, e reflete uma mudança de paradigma que visa afastar o processo penal brasileiro de práticas inquisitórias, aproximando-o do modelo acusatório, onde as partes – acusação e defesa – assumem protagonismo na produção probatória, enquanto o juiz atua como um terceiro imparcial.

Quer entender mais sobre? Continue sua leitura com o artigo: Juiz de Garantias: análise de sua atuação na lei 13.964

Quais são os desafios da implementação do juiz das garantias?

A introdução do juiz das garantias no Brasil trouxe consigo uma série de desafios, especialmente relacionados à sua operacionalização. 

Primeiramente, a questão estrutural: muitas comarcas no Brasil enfrentam déficit de recursos, tanto humanos quanto financeiros, de modo que, implementar varas especializadas ou juízos exclusivos para atuar como juízes das garantias exige um esforço considerável de reorganização e investimento por parte dos tribunais estaduais e federais.

Além disso, há a complexidade de casos que envolvem múltiplas comarcas. Como garantir a atuação de um juiz das garantias quando as investigações se desdobram em diferentes comarcas? 

A ausência de regulamentação clara sobre esses cenários gera incertezas que podem levar à judicialização de questões procedimentais, prolongando ainda mais os processos.

Outro ponto de tensão é a exclusão do juiz das garantias em alguns tipos de processos, como aqueles de competência originária dos tribunais superiores, casos de violência doméstica e familiar, infrações de menor potencial ofensivo e processos do Tribunal do Júri. 

Essa limitação, que foi fixada pelo Supremo Tribunal Federal, gerou críticas, pois compromete a uniformidade do sistema processual penal. Para a doutrina, a exclusão pode enfraquecer o próprio instituto, criando um sistema híbrido que perpetua desigualdades no acesso à justiça.

Quais os benefícios da implantação do juiz das garantias?

Apesar dos desafios, os benefícios do juiz das garantias não podem ser ignorados. 

Na verdade, a figura do juiz das garantias no processo penal brasileiro representa um avanço significativo para a imparcialidade na solução da lide. 

Isso porque, ao separar as funções de investigação e julgamento, o instituto fortalece o princípio do juiz natural e evita que o magistrado que preside a fase investigativa seja influenciado por pré-compreensões no momento de decidir o mérito.

Ademais, essa separação não apenas reforça a confiança pública no Judiciário, mas também protege os direitos fundamentais dos investigados. 

Se pararmos para pensar, em um sistema que historicamente favorece uma atuação punitivista, a figura do juiz das garantias atua como um contrapeso necessário para equilibrar a balança entre acusação e defesa.

Além disso, a presença do juiz das garantias pode incentivar melhores práticas investigativas. Isso porque, as autoridades policiais e membros do Ministério Público terão que justificar de maneira mais sólida suas solicitações, sabendo que serão submetidas a um escrutínio mais rigoroso, de modo que, poderemos ter uma investigação mais técnica e menos baseada em conjecturas ou vieses.

Haverá impactos no sistema carcerário também?

Não há dúvidas que a implementação do juiz das garantias refletirá uma profunda repercussão no sistema carcerário brasileiro, que, como sabemos, enfrenta um quadro de superlotação alarmante. 

A figura do juiz das garantias tem o potencial de atuar de forma direta na revisão das prisões cautelares, que, no final do dia, é a maior responsável pela superlotação das prisões. 

O instituto visa garantir que a prisão, como medida cautelar, seja utilizada apenas quando estritamente necessária e com fundamentação adequada.

Tal premissa já é uma construção teórica, que se torna inviabilizada na prática. Isso porque, mesmo diante da possibilidade de aplicação de alternativas à prisão, como o monitoramento eletrônico ou a fiança, muitos juízes ainda optam por manter a prisão preventiva. 

Esse fenômeno, muitas vezes, se dá por uma cultura enraizada no sistema judiciário, que vê a prisão como a medida mais eficaz para assegurar a ordem pública e o andamento do processo penal. 

Dessa maneira, o juiz das garantias pode desempenhar um papel crucial na mudança dessa mentalidade, ao reforçar o uso de medidas alternativas quando estas se mostrem suficientes para garantir a continuidade da investigação ou do processo.

Entretanto, para que essa mudança seja eficaz, é necessário que haja uma capacitação contínua dos magistrados e um esforço conjunto para implementar essas alternativas de forma eficiente. 

O juiz das garantias não é um “salvador da pátria” no sistema carcerário, mas sua atuação pode ser um passo importante para transformar a forma como o sistema penal brasileiro lida com a prisão cautelar e, consequentemente, com a superlotação das prisões.

Aprofunde mais o seu aprendizado com o artigo: Pacote anticrime: o que muda com a nova lei?

Como se destacar profissionalmente com tantas mudanças?

Nesse contexto de mudanças, a especialização torna-se indispensável. 

Compreender as nuances do juiz das garantias e sua interação com o sistema acusatório exige estudo e atualização constantes. 

Não basta conhecer a letra da lei; é preciso entender os fundamentos que sustentam o instituto e como eles se aplicam na prática.

É exatamente aqui que programas como a pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal do IDP se destacam. 

Com disciplinas que abordam temas como investigação criminal, estratégias defensivas, práticas recursais e o próprio juiz das garantias, o curso oferece uma formação completa e prática. 

A pós-graduação não é apenas uma oportunidade de atualização, mas um investimento estratégico para quem deseja atuar na vanguarda do Direito Penal. 

Em um ambiente acadêmico que valoriza o debate crítico e a troca de experiências, os alunos têm a chance de aprofundar seu conhecimento e desenvolver habilidades que farão a diferença em sua carreira.

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O juiz das garantias não é apenas um novo instituto jurídico; ele é um convite à reflexão sobre o papel do Direito Penal em nossa sociedade. 

Ao promover a imparcialidade e o respeito aos direitos fundamentais, ele nos desafia a repensar práticas que há muito tempo eram aceitas como normais.

No entanto, sua implementação também nos lembra que mudanças estruturais exigem esforço coletivo e compromisso com a justiça. 

É um momento de transição, onde a busca por um sistema mais equilibrado e democrático deve prevalecer sobre interesses individuais ou corporativos.

Se você é um profissional do Direito que deseja não apenas entender, mas também fazer parte dessa transformação, o caminho está claro. 

Invista em sua formação, aprofunde seu conhecimento e esteja preparado para os desafios e oportunidades que surgem com essa nova era do processo penal brasileiro.

Referências bibliográficas

Peluso, Antonio C. Pareceres de Direito Penal. Disponível em: Minha Biblioteca, Grupo Almedina, 2021.

Mendes, Gilmar, F. e Matheus Pimenta de Freitas. Constituição, Direito Penal e Novas Tecnologias. Disponível em: Minha Biblioteca, Grupo Almedina, 2024.

Estefam, André. Direito Penal Contemporâneo – 1ª Edição 2022. Disponível em: Minha Biblioteca, Grupo GEN, 2022.

Mendes, Gilmar, F. et al. DIREITO PENAL CONTEMPORÂNEO, SÉRIE IDP, 1ª EDIÇÃO. Disponível em: Minha Biblioteca, Grupo GEN, 2011.

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