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Cadeia de Custódia em investigação de desastres e crimes ambientais

No contexto do direito processual penal, a cadeia de custódia emerge como um mecanismo crucial para a integridade das provas e surge estabelecida pela Lei nº 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, buscando regular todos os procedimentos necessários para assegurar que as provas coletadas sejam preservadas desde sua coleta até o seu descarte, prevenindo sua contaminação ou manipulação indevida.

Este conceito se tornou um pilar para garantir que a integridade das evidências seja mantida, fundamental para que o processo judicial seja transparente, justo e fundamentado em provas legítimas.

A cadeia de custódia é um dos elementos mais críticos nas investigações criminais e ambientais, garantindo a integridade das provas coletadas e assegurando que possam ser usadas de maneira eficaz nos processos judiciais. 

Nos casos de desastres e crimes ambientais, essa cadeia assume uma importância ainda maior, uma vez que envolve a preservação de vestígios e amostras que podem determinar as causas do evento e os responsáveis por sua ocorrência. O cumprimento rigoroso desse processo é essencial para garantir que a responsabilização ocorra de maneira justa e que os impactos ambientais sejam corretamente avaliados e mitigados.

O Conceito de Cadeia de Custódia

A cadeia de custódia refere-se ao a o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. Trata-se de um protocolo essencial para evitar a contaminação ou manipulação das provas, o que poderia comprometer a credibilidade da investigação. 

Aury Lopes Jr. elenca que a cadeia de custódia figura como espécie, da qual se deriva diferentes gêneros:

É preciso considerar que haverá diferentes morfologias da cadeia de custódia conforme o tipo de prova que estamos tratando. Uma prova pericial de exame de DNA, por exemplo, possui especificidades que obrigam ao estabelecimento de determinada rotina de coleta, transporte, armazenagem, análise, etc. que será completamente diferente da perícia sobre o material obtido em uma interceptação telefônica, por exemplo.

Em crimes ambientais, a comprovação de contaminações químicas, destruição de áreas de preservação ou despejo ilegal de resíduos exige um controle rigoroso desde a coleta até a análise laboratorial. Qualquer interferência externa pode não só comprometer a prova adulterada, mas toda a dinâmica instrutória do processo criminal.

No Brasil, a legislação penal e ambiental impõe diretrizes específicas para a manutenção da cadeia de custódia. O Código de Processo Penal (CPP), alterado pela Lei n.º 13.964/2019, introduziu regras detalhadas sobre a cadeia de custódia, exigindo registros minuciosos sobre cada etapa do processo, bem como a identificação de todos os agentes envolvidos no manuseio das provas.

Importância da Cadeia de Custódia em Crimes Ambientais

Diferente de investigações criminais tradicionais, os crimes ambientais apresentam desafios específicos relacionados à dispersão de provas e à volatilidade de certos vestígios. Por exemplo, em casos de derramamento de petróleo, a contaminação da água e do solo pode se espalhar rapidamente, tornando essencial a coleta imediata de amostras para análises laboratoriais.

Além disso, investigações ambientais frequentemente envolvem uma diversidade de atores, incluindo órgãos públicos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a Polícia Federal, peritos ambientais e pesquisadores acadêmicos. O envolvimento de múltiplas entidades torna ainda mais importante a manutenção de um registro preciso de cada evidência coletada, evitando contestação sobre sua procedência.

Cumulado a isto, em casos de desastres ambientais com vítimas imediatas, como foi o caso de Brumadinho, enquanto se realiza o socorro de vítimas, há o exercício da perícia, visando evitar a perda da oportunidade de produção de provas.

Etapas da Cadeia de Custódia

A cadeia de custódia segue um fluxo padronizado de protocolos, visando o cuidado com a prova produzida, de forma que ela não seja adulterada ou perdida. Na doutrina, as etapas da cadeia de custódia podem se dividir em maior quantidade, criando ramificações do mesmo processo. A título de exemplo, o professor Aury estabelece 10 (dez) etapas. Para o presente trabalho, de forma a simplificar o entendimento desse processo, acreditamos que a cadeia de custódia pode ser dividida em seis principais etapas: coleta, preservação, armazenamento, transporte, apresentação da prova e descarte. Cada uma dessas fases é fundamental para garantir a validade do material periciado.

Coleta de Evidências

A coleta deve ser feita de forma meticulosa, seguindo protocolos específicos para cada tipo de vestígio. Em crimes ambientais, os principais materiais coletados incluem amostras de água, solo, ar, vegetação e fauna impactada. A coleta deve ser realizada com equipamentos adequados, e a documentação deve ser detalhada, registrando o local, data e condições ambientais no momento da apreensão.

Preservação da Prova

Após a coleta, as amostras precisam ser preservadas adequadamente para evitar degradação. A integridade do material pode ser comprometida por fatores como exposição ao calor, umidade ou agentes químicos. O armazenamento em recipientes selados, etiquetados e com controle de temperatura adequado é essencial para garantir que a evidência mantenha suas características originais.

Armazenamento e Controle

A etapa de armazenamento exige um controle rigoroso para evitar acessos não autorizados e adulteração das provas. Laboratórios e órgãos responsáveis devem manter registros de entrada e saída das amostras, garantindo que qualquer movimentação seja documentada e justificada.

Transporte Seguro

A movimentação das evidências entre locais de coleta, armazenamento e análise laboratorial deve ocorrer de maneira segura, utilizando embalagens específicas e transporte controlado. Qualquer alteração na posse da evidência deve ser registrada para assegurar sua rastreabilidade.

Apresentação no Processo Judicial

As provas devem ser apresentadas no processo judicial de forma transparente, com documentação completa e laudos periciais que atestem a autenticidade dos vestígios analisados. A cadeia de custódia deve ser claramente demonstrada para evitar impugnações por parte da defesa dos investigados.

Descarte

Por fim, após o regular uso e apresentação da prova, deve ocorrer a liberação do vestígio, respeitando a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial.

Desafios na Manutenção da Cadeia de Custódia em Desastres Ambientais

Em casos de desastres ambientais de grande escala, como rompimentos de barragens, incêndios florestais ou vazamentos químicos, a cadeia de custódia enfrenta desafios adicionais. A extensão do dano, a dificuldade de acesso a algumas áreas, o alto custo e a necessidade de resposta rápida podem comprometer a coleta e a preservação das provas.

Além disso, a interferência humana pode afetar a credibilidade das investigações. Empresas responsáveis por atividades impactantes podem tentar dificultar a obtenção de provas, seja através da remoção de documentos, adulteração de registros ou contaminação secundária da área afetada. Dessa forma, é fundamental que os órgãos fiscalizadores tenham autonomia e recursos suficientes para atuar com independência e rigor técnico.

Outro obstáculo relevante é a necessidade de cooperação entre diferentes entidades envolvidas no processo investigativo. Muitas vezes, perícias são conduzidas por diferentes instituições, e a falta de comunicação pode resultar na perda ou contaminação de provas.

Tecnologias e Métodos para Aprimorar a Cadeia de Custódia

O avanço tecnológico tem permitido o aprimoramento dos métodos de preservação e rastreamento das evidências ambientais. O uso de blockchain, por exemplo, tem sido estudado como uma ferramenta eficaz para garantir a autenticidade dos registros, permitindo o acompanhamento de cada etapa da cadeia de custódia de maneira inviolável.

Além disso, drones e imagens de satélite têm sido utilizados para mapear áreas afetadas, registrar a situação antes da remoção de provas e documentar o impacto ambiental com precisão. Softwares de gerenciamento de evidências também auxiliam na organização e no rastreamento de amostras, reduzindo erros humanos e garantindo maior confiabilidade no processo investigativo.

Conclusão

A cadeia de custódia desempenha um papel crucial na investigação de desastres e crimes ambientais, garantindo que as provas coletadas sejam mantidas de forma íntegra e possam ser utilizadas de maneira eficaz nos processos judiciais. A correta aplicação desse procedimento não apenas fortalece a responsabilização de agentes causadores de danos ambientais, mas também contribui para a implementação de políticas mais rigorosas de proteção ao meio ambiente.

Diante dos desafios enfrentados, é essencial que órgãos reguladores e investigadores adotem práticas modernas e rigorosas, garantindo que a cadeia de custódia seja respeitada em todas as etapas da investigação. O uso de tecnologias inovadoras e a capacitação contínua dos profissionais envolvidos podem ser diferenciais para assegurar que a justiça ambiental seja eficaz e que o meio ambiente seja protegido para as futuras gerações.

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