Tivemos a oportunidade de conversar aqui no Blog do IDP sobre alguns aspectos do processo legislativo federal brasileiro.
Apresentamos o conceito de processo legislativo e as características básicas dos cinco tipos de normas que são previstas pelo artigo 59 da Constituição Federal de 1988:
- Emendas à Constituição;
- Leis Complementares;
- Leis Ordinárias;
- Leis Delegadas;
- Medidas Provisórias;
- Decretos Legislativos; e
- Resoluções.
Na sequência, apontamos quais as Comissões Permanentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Por fim, comentamos de forma breve como se dá a tramitação das propostas legislativas dentro do Congresso Nacional, até chegarem à sanção ou veto pela Presidência da República.
Nesse momento, vamos tratar em específico dos Projetos de Lei Ordinária, que são os mais comumente propostos pelas Casas Legislativas. Abordaremos os requisitos essenciais para a estrutura de um Projeto de Lei, como eles são apresentados, e qual o trâmite usual dessas propostas.
Também conversaremos sobre como a sua prática advocatícia pode impulsionar a criação de um Projeto de Lei, e tornar a sua tramitação mais eficaz, seja por dominar a técnica da Legística, seja pela via do advocacy e da oratória.
Vamos em frente!
O Projeto de Lei Ordinária e a sua estrutura: o que preciso saber?
Existem alguns tipos diferentes de propostas legislativas, mas o Projeto de Lei Ordinária pelo procedimento comum é o mais habitual. Ele é composto por três fases:
- Pré-parlamentar, Preliminar ou Iniciativa;
- Constitutiva ou Deliberativa; e
- Complementar.
É na primeira fase que o Projeto de Lei Ordinária é elaborado e protocolado de forma digital na Mesa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, deflagrando o processo legislativo.
Mas qual Casa geralmente os Projetos de Lei Ordinárias são protocolados? O professor do IDP João Trindade Cavalcante Filho ensina que a iniciativa geralmente se desenvolve na Câmara dos Deputados. Nesses casos, a Câmara será chamada de Casa Iniciadora, e o Senado Federal, de Casa Revisora.
Outra dúvida frequente é sobre o conteúdo de um Projeto de Lei Ordinária. O que se faz necessário para que a proposta tramite da forma mais exitosa possível?
Essa preocupação de aprimorar a qualidade da legislação se concentra na área da Legística – também conhecida como Legisprudência –, que pode ser formal ou material. Na Legística material, se busca compreender o processo analítico relacionado ao conteúdo das leis. Na formal, o estudo se detém na técnica legislativa.
Os Projetos de Lei, incluindo as Ordinárias, devem ser propostos com atenção à qualidade e priorizando a eficácia e efetividade das futuras normas.
O ato de legislar, por certo, é motivado por aspectos políticos, jurídicos e sociais. No entanto, não pode ser desatrelado de técnica, diálogo com as Instituições e processos de avaliação legislativa.
Dito isso, vamos analisar algumas diretrizes trazidas pelo Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD).
O artigo 100 e parágrafos, por exemplo, impõem que toda proposição deve ser redigida com clareza, em termos explícitos e concisos. Também é vedado que contenha matéria estranha ao enunciado objetivamente declarado na ementa, ou dele decorrente.
A respeito do conteúdo das propostas legislativas, o artigo 111 e parágrafos preveem que os projetos devem ser divididos em artigos numerados, redigidos de forma concisa e clara, precedidos, sempre, da respectiva ementa.
Cada Projeto deverá conter ainda a enunciação da vontade legislativa, sendo proibido que contenha duas ou mais matérias diversas.
Na prática, observamos três partes, delineadas pela Lei Complementar n. 95/1998. Para melhor entendê-las, vamos tomar como exemplo o Projeto de Lei Ordinária n. 1568/2019, que pretende aumentar a pena do crime de feminicídio, proposta pela Deputada Federal Rose Modesto (PSDB/MS).
A primeira parte, ou preliminar, é composta por quatro elementos:
- Epígrafe;
- Autoria;
- Ementa; e
- Enunciado do objeto.
Na epígrafe, a Deputada indicou o nome que identifica o tipo de lei apresentada, junto com o espaço para o número que o Projeto receberá junto à Câmara, e o ano de apresentação.
No campo de autoria, consta o nome pelo qual é conhecida como Parlamentar.
Ementa é um resumo claro, fiel e conciso do conteúdo do Projeto.
O Enunciado, por sua vez, estará no primeiro artigo do texto e deve indicar o que se propõe.
A segunda parte é chamada de normativa. Ali consta efetivamente a norma que se está propondo, conforme os delineamentos do Regimento Interno que apresentamos logo acima.
Os artigos podem ser subdivididos em parágrafos, incisos, alíneas e itens, caso necessário. O ideal, no entanto, é que cada artigo trate de um único assunto, considerando as soluções para a problemática levantada. No caso que trouxemos, a Deputada dividiu apenas em quatro artigos, modificando a legislação já existente.
De acordo com a Legística, um Projeto de Lei bem elaborado não é necessariamente volumoso, com várias previsões. Deve, no entanto, ser pensado e escrito sob perspectiva crítica para a solução possível dos conflitos existentes, fixando objetivos específicos.
A terceira parte, que é a final, deve contar com alguns elementos.
Um deles é o prazo de vigência, informando quando a nova lei começará a valer e ser cumprida em território nacional. Pode conter ostensivamente cláusula revogatória, caso altere lei já existente, de forma total ou parcial.
Na sequência, o Projeto de Lei Ordinária deve conter a justificativa, ou justificação, que é uma espécie de exposição de motivos. É lá que se explica a relevância do tema, assim como as razões e os argumentos que justificam a mudança da legislação.
Essa é uma das partes mais importantes do Projeto de Lei, na medida que deve convencer os pares de que existe um problema sociojurídico que merece ser tratado ou solucionado por meio de legislação federal.
É essencial que o Deputado ou Deputada exerça poder de convencimento e apresente dados concretos que validem e ilustrem seus argumentos. O que se deseja é que a matéria seja acolhida pelos demais, tramite nas Comissões e vá a Plenário.
Após apresentado o Projeto de Lei Ordinária, ele seguirá para Comissões específicas, a depender da matéria tratada. O Projeto de Lei Ordinária n. 1568/2019, por exemplo, tramitou pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher (CMULHER), onde recebeu pareceres.
No Plenário, discutida a matéria, recebeu pareceres e substitutivo, até ser remetido ao Senado Federal, onde passará por tramitação própria. Caso aprovado naquela casa Revisora, seguirá para a Presidência da República, que sancionará a nova lei, ou vetará (total ou parcialmente).
É possível utilizar minha prática advocatícia para impactar a proposição de leis?
Muito embora a apresentação de Projeto de Lei seja feita por Parlamentar, é possível que os Projetos sejam redigidos por terceiros. Já ouvimos falar de Projetos produzidos por comissões de juristas: um exemplo é a elaboração do Anteprojeto de Reforma da Lei de Improbidade Administrativa.
Aliando sua prática advocatícia com conhecimentos e domínio sobre processo legislativo e Legística, é possível que você redija um Projeto de Lei e passe às mãos de um parlamentar para que seja assinado e apresentado na Casa Legislativa.
Outra forma de unir sua aprendizagem é se juntar a uma comissão de juristas sobre um tema que domine ou oferecer assessoria a empresas privadas e organizações.
Nessas duas hipóteses, é importante aliar sua bagagem profissional e acadêmica com a desenvoltura da oratória, imprescindíveis para a contratação e desenvolvimento de um trabalho que impacte na sociedade.
Você pode usufruir da sua experiência também por meio do advocacy na tramitação de Projetos de Lei.
O seu papel será influenciar Parlamentares e outros tomadores ou tomadoras de decisão para acelerar o andamento de determinado Projeto, favorável à causa que você milita, ou estagnar o andamento de outra proposta, desfavorável a essa causa.
Não importa a opção de carreira que seguir, tenha sempre em mente a importância do conhecimento específico para que você se desenvolva.
Nesse sentido, não deixe de procurar mais informações sobre a Pós-Graduação em Direito Legislativo do IDP e alavancar a sua carreira.
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Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Acesso em: 13 outubro 2022.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Resolução nº 17, de 1989. Regimento Interno. Acesso em: 13 outubro 2022.
BRASIL. Lei Complementar n. 95, de 26 de fevereiro de 1998. Acesso em: 13 outubro 2022.
CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Processo Legislativo Constitucional. 4. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.
COSTA, Rafael de Oliveira. O papel da legística na (re)legitimação das decisões judiciais e no equilíbrio do exercício da função juspolítica pelos Tribunais. Revista da Faculdade de Direito –UFPR, Curitiba, vol. 61, n. 1, jan./abr, 2016, p. 69-86.