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Processo Eleitoral e Fake News: O Desafio da Regulação nas Redes Sociais

O processo eleitoral, enquanto pilar de um Estado Democrático de Direito, enseja a fixação de regras e princípios que norteiam o seu pleno funcionamento e a forma como o pleito deve ocorrer. 

Dentre as principais nuances que envolvem o processo eleitoral, temos um constante avanço da tecnologia, cujo impacto é praticamente imensurável no sucesso de uma campanha. Todavia, não obstante ao efetivo crescimento do uso dos novos veículos de comunicação, novos ilícitos eleitorais precisaram ser criados, visando coibir práticas irregulares no decorrer das campanhas eleitorais.

Dito isso, em que pese a legislação pré-existente, muito se debate acerca da positivação de novas normas, seja na alteração das leis eleitorais, seja na criação de novos códigos.

Nesse sentido, é importante entender os desafios que o legislador e o Tribunal Superior Eleitoral dispõe, visando estruturar novas formas de alcançar as exigências constitucionais, de forma que observem os princípios do direito eleitoral. 

II – AS REDES SOCIAIS NO CONTEXTO ELEITORAL

A temática do uso de redes sociais como ferramenta de campanha é extremamente recente, a qual tem ganhado novas faces a cada dia. De tal modo, o Tribunal Superior Eleitoral editou Resoluções para as eleições de 2020, 2022 e 2024, assim como o Congresso Nacional realizou as últimas alterações na Lei das Eleições.

O novo panorama legislativo foi paradigmático e fortaleceu o debate acerca da necessidade de regulamentar a utilização das plataformas digitais como meio de comunicação entre o candidato e o eleitor. 

Fazendo uma analogia ao momento prévio à digitalização da sociedade, o horário eleitoral pela rádio e televisão era a principal forma de contato entre o candidato e o eleitor. Essa ferramenta permitia que o candidato entrasse no lar daquele eleitor, com uma escalabilidade e repetibilidade humanamente impossível.

 Com o advento da internet e das redes sociais, o contato se tornou mais recorrente, em mais horas do dia e de forma direcionada, em razão dos algoritmos. 

Para melhor visualização deste cenário, conforme levantamento TIC Domicílios 2023, 84% da população brasileira com 10 anos ou mais se conectou à internet, o que representa aproximadamente 156 milhões de pessoas. Na mesma pesquisa, 92,6% dos entrevistados informaram que haviam utilizado celular nos últimos 3 (três) meses. 

Ou seja, para um sucesso no pleito eleitoral é indispensável a participação do candidato nos meios digitais, sejam eles TikTok, Instagram, Youtube ou Whatsapp, especialmente pela ausência de limitação de tempo de transmissão e horário imputado ao horário eleitoral gratuito.

Todavia, ainda que seja uma inovação positiva, a necessidade de equilíbrio do processo eleitoral deve pautar a relação entre candidato e eleitores, ainda que pela via digital.

II.1 – A dificuldade na regulamentação das redes sociais

A regulamentação das redes sociais em um contexto eleitoral enfrenta várias dificuldades, principalmente devido à rápida evolução das plataformas e às complexidades de equilibrar a liberdade de expressão com a integridade democrática. Dentre as dificuldades encontradas, destacam-se: (i) o aspecto subjetivo da desinformação e da fake news; (ii) o responsável pela moderação de conteúdo; (iii) anonimato, contas faltas e senso de impunidade; (iv) o risco de dano irreparável; e (v) a manipulação algorítmica. 

Temos em tela cinco relevantes pontos de debate e reflexão, os quais não são de fácil solução e contorno. 

II.2 – Desafios da Propagação de Notícias Falsas e Desinformação

A propagação de notícias falsas e desinformação é uma grande preocupação. As redes sociais permitem que informações falsas se espalhem rapidamente, o que pode influenciar indevidamente a opinião pública e os resultados eleitorais. Regular isso sem prejudicar a liberdade de expressão é desafiador.

Ademais, a narrativa eleitoral é essencial dentro de um contexto eleitoral. Todavia, para que reste caracterizado que um conteúdo verse acerca de desinformação ou notícia sabidamente inverídica, há elementos subjetivos que influenciam na interpretação das representações por propaganda irregular.

No que tange à moderação de conteúdo, temos uma intercessão das normas eleitorais e o marco civil da internet. A regulamentação desta matéria em um contexto eleitoral exigiria um acréscimo de responsabilidade dos usuários e/ou das plataformas.

Muitas vezes, as plataformas são acusadas de parcialidade, seja por moderar excessivamente ou por não fazer o suficiente. O desafio é encontrar um equilíbrio entre a remoção de conteúdos prejudiciais e a garantia de um debate político saudável.

Quanto aos usuários, o uso de contas anônimas ou falsas para manipular discussões políticas é recorrente, especialmente por meio da criação de robôs. Muitas vezes, essas contas são usadas para disseminar desinformação ou realizar campanhas de difamação. Regulamentar o uso de perfis anônimos, sem infringir a privacidade dos usuários legítimos, é uma barreira significativa que tem sido considerada pelo Congresso.

Além disso, a recorrência de uso de contas fake, robôs e outras ferramentas ilícitas que visam a construção de determinada narrativa nas redes sociais, gera o senso de impunidade quanto aos crimes ocorridos na internet. 

Assim, a partir da análise da repetibilidade e escalabilidade da divulgação de conteúdo sabidamente falso, temos em evidência a possibilidade de ser causado dano de natureza irreparável, o qual tem evidente condão de influenciar no resultado das eleições.

Os algoritmos das redes sociais são projetados para maximizar o engajamento, o que pode acabar priorizando conteúdo polarizador ou enganoso. Entender e regulamentar esses algoritmos, que são frequentemente secretos e complexos, é uma tarefa difícil.

II.3 – A Polarização Política Como Pivô na Propagação de Fake News

Aliada às redes sociais como nova ferramenta de contato entre candidatos e eleitores, o conteúdo que se veicula passou a ser analisado sob uma nova perspectiva: (i) a divulgação de notícias falsas aliada ao impacto nas eleições, com a possibilidade de direito de resposta na página do adversário político; e (ii) a criação e divulgação de deep fakes que ensejam efetivo desequilíbrio e propagam verdades criadas por inteligência artificial.

Pautado nisso, a polarização política/ideológica intensifica ainda mais a ocorrência de propagação de notícias inverídicas, assim como de verdades criadas por ferramentas tecnológicas.

Segundo relatam Levitsky e Ziblatt, em sua obra “Como as democracias morrem”, a polarização é uma grave ameaça à civilidade, com potencial efetivo de destruir democracias:

A polarização pode destruir as normas democráticas. Quando diferenças socioeconômicas, raciais e religiosas dão lugar a sectarismo extremo, situação em que as sociedades se dividem em campos políticos cujas visões de mundo são não apenas diferentes, mas mutuamente excludentes, torna-se difícil sustentar a tolerância.

Aliado ao risco democrático, na teoria de Giuseppe Empoli, estampada no seu livro “Engenheiros do Caos”, a indignação, o medo, o preconceito, o insulto e a polêmica racista propagam-se e proporcionam muito mais atenção e engajamento nas redes sociais.

Lidar com o fenômeno da polarização exige uma profunda reflexão acerca das emoções causadas pelo uso das redes sociais por seus usuários, ora também eleitores. Com isso em mente, conseguimos afirmar que teorias da conspiração podem decorrer de um medo, receio ou de uma necessidade de um senso de pertencimento social.

A divulgação de notícias sabidamente falsas se intensifica com a criação de softwares de deep fake, os quais criam imagens, vídeos e áudios adulterados, os quais veiculam a fatos que jamais ocorreram.

Nesse aspecto, o poder de polícia a ser exercido pelo Poder Público se aperfeiçoa ainda mais, exigindo a atuação técnica de eventual perícia, assim como a necessária agilidade para coibir a prática ilícita, sustando eventuais efeitos de modo que não se tornem irreparáveis.

III – CONCLUSÃO

Conforme observamos, a eventual regulamentação das redes sociais enseja um profundo debate acerca dos seguintes pontos principais: (i) o aspecto subjetivo do conteúdo a ser moderado; (ii) a responsabilidade das plataformas; (iii) meios que viabilizem a efetiva punição dos responsáveis pela divulgação das fake news, até mesmo daqueles que se valem de contas falsas e robôs; e (iv) formas de evitar danos irreparáveis e adulteração do algoritmo das redes sociais.

Pensando por esta perspectiva, devemos já ter um olhar prospectivo, iniciando a reflexão também acerca das deep fakes e da utilização de inteligência artificial como forma de fomentar a propagação de fake news e desvirtuar o cenário eleitoral.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

EMPOLI, Giuliano. da. Os engenheiros do caos. Tradução: Arnaldo Bloch. Vestígio, 2019

LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2018, p. 115.
TIC Domicílios 2023 Indivíduos. Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), 2023. Disponível em: https://cetic.br/pt/arquivos/domicilios/2023/individuos/

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