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AIRC, AIJE e AIME: As siglas que fazem parte do Direito Processual Eleitoral

O tema “eleições” tem sido uma das principais pautas de debate na sociedade, seja por leigos, seja por especialistas, o qual tem sido ainda mais amplificado em razão do foco dado pela imprensa ao assunto. Isso porque o Direito Eleitoral impacta diretamente a sociedade, especialmente durante o período eleitoral, quando esta pauta vem mais à tona.

Dentre os principais temas em discussão, destacam-se a atuação da Justiça Eleitoral e os processos judiciais eleitorais. Importante diferenciar dois termos que, em muitos casos, são utilizados como se idênticos fossem, mas merecem uma devida distinção: processo eleitoral e processo judicial eleitoral.

O primeiro consiste no período entre o início das convenções partidárias, momento destinado à escolha dos candidatos de cada partido, até a diplomação daqueles que foram democraticamente eleitos. Já a segunda expressão se caracteriza pelo controle jurídico-eleitoral, constituído por um “conjunto de atos e procedimentos ordenados desenvolvidos perante um órgão jurisdicional com o fim de solucionar um determinado litígio de natureza eleitoral”.

O motivo dessa diferenciação se dá pelo fato da Justiça Eleitoral ser competente à condução de ambos os procedimentos. Enquanto o primeiro conceito visa estabelecer quem foi o representante escolhido pela população para ocupar determinado cargo; o segundo se caracteriza pela jurisdição em sua essência, realizada pelo Poder Judiciário, por meio do estabelecimento de obrigações positivas ou negativas aos jurisdicionados.

Baseando-se no segundo conceito, dentre os atos e procedimentos indicados por Rodolfo Viana Barros, destacam-se as ações eleitorais, as quais estruturam todo o contencioso eleitoral, além de serem ferramentas de suma importância no período de campanha, assim como de pós campanha.

Para o referido estudo é necessário compreendermos quais são as principais ações judiciais eleitorais, e o momento em que cada uma se enquadra no contexto jurídico brasileiro, pautado pela Constituição Federal e respectivas Leis Complementares que versam sobre o tema.

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Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC)

Por mais óbvio que possa parecer, determinado pré-candidato(a) somente se torna um efetivo candidato(a) após a formalização do pedido de registro de candidatura junto à Justiça Eleitoral. 

Qualquer movimento realizado antes do período eleitoral é considerado ato de pré-campanha, a qual tem regras específicas. Somente após o início do período eleitoral, e do pedido registro de candidatura, que o(a) candidato(a) pode assim se declarar publicamente, e iniciar sua jornada em busca de votos.

Todavia, nem todos que pretendem se eleger têm plena capacidade para se tornarem candidatos. Tal cenário se mostrou ainda mais evidente com o advento da Lei Complementar n. 64/1990, popularmente conhecida como Lei de Inelegibilidades. 

Mais adiante, em 2010, momento de grande clamor público pelo aumento do rigor em face dos casos de corrupção que estavam surgindo à época, a Lei de Inelegibilidades foi alterada pela Lei Complementar n. 135/2010, a qual foi denominada Lei da Ficha Limpa.

Ressalta-se que a Lei de 1990 estabeleceu uma nova ação judicial eleitoral, a qual visava coibir aqueles pretensos candidatos que não atendiam aos requisitos mínimos para se tornarem candidatos ou se tornarem agentes políticos representantes da sociedade. Criava-se ali a ação de impugnação de registro de candidatura.

Marina Morais e Wandir de Oliveira indicam que esse novo regramento foi “concebido para assegurar a conformidade e a legitimidade do processo eleitoral“. Além disso, para os autores, essa ação eleitoral “visa impedir que indivíduos que não atendam aos requisitos legais estabelecidos possam concorrer a cargos eletivos, garantindo, assim, a integridade e a moralidade do pleito“.

Com base nos referidos diplomas legislativos, após a apresentação do registro de candidatura de um pretenso candidato(a), cabe a “qualquer candidato, a partido político, coligação ou ao Ministério Público, no prazo de 5 (cinco) dias” a apresentação de impugnação do pedido de registro de candidatura. 

Ressalta-se ainda a possibilidade de federações buscarem a impugnação ao registro, dado que se trata de figura nova no ordenamento jurídico, cuja legitimidade se estende em razão da possibilidade de coligações também exercerem este papel.

Já o art. 97 do Código Eleitoral autoriza a impugnação de registro por eleitores, candidatos ou partidos. Por fim, o inciso III, do § 1º, do artigo 34 da Resolução n. 23.609/2019, traz o prazo de 5 (cinco) dias para que “qualquer cidadã ou cidadão apresente notícia de inelegibilidade“.

Todavia, ainda que conste no Código Eleitoral a legitimidade do eleitoral impugnar candidaturas com fundamento em inelegibilidade ou incompatibilidade do candidato ou na incidência deste no art. 96 do mesmo Código, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral caminha em sentido contrário:

Conforme firme jurisprudência desta Corte Superior, o eleitor não possui legitimidade para recorrer de decisão que defere pedido de registro de candidatura, podendo, apenas, apresentar noticia de inelegibilidade ao juiz competente.

Em suma, o legislador estabeleceu que deveria ser um dever de todos a verificação do cumprimento dos requisitos legais para participação no pleito vindouro.

Assim surge uma das siglas das ações judiciais eleitorais, a AIRC. Destaca-se que já tratei acerca desse instrumento processual aqui no IDP, no e-book intitulado “A Ação de Impugnação ao Registro de Candidatura e a legitimidade do Ministério Público para recorrer de decisão de mérito“. 

Desde sua concepção, a AIRC passou por diversos debates de cunho eleitoral e processual. Dentre eles, destaca-se a Súmula nº 45/TSE, que autoriza o reconhecimento de ofício de causa de inelegibilidade e de ausência de condição de elegibilidade pelo juiz, desde que garantidos a ampla defesa e o contraditório ao candidato.

Não obstante, essa posição firmada pelo Tribunal Superior Eleitoral foi reafirmada em outros processos, nos quais, em um primeiro momento, não houve qualquer impugnação ao registro de candidatura, mas que a condição de inelegibilidade foi indicada pelo parecer ministerial:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO DE VEREADOR. INELEGIBILIDADE. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. DECISÃO SURPRESA. NÃO INTIMAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA. CERCEAMENTO DE DEFESA. PREJUÍZO CONFIGURADO. AGRAVO DESPROVIDO.1. As garantias ao contraditório e à ampla defesa têm assento constitucional, consoante o art. 5º, LV, da CF/1988, que dispõe que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.2. A Súmula nº 45/TSE autoriza o reconhecimento de ofício de causa de inelegibilidade e de ausência de condição de elegibilidade pelo juiz, desde que garantidos a ampla defesa e o contraditório ao candidato. 3. A mitigação dessas garantias somente é admitida por esta Corte quando a decisão aproveita à parte, o que, claramente, não ocorre na espécie, visto que o candidato teve seu registro indeferido nas duas instâncias inferiores. 4. No caso, ausente impugnação ao registro de candidatura ou notícia de inelegibilidade, a causa de inelegibilidade foi indicada apenas no parecer ministerial, e deste seguiu conclusa para sentença, que indeferiu o registro do candidato. 5. Resta, assim, configurada a decisão-surpresa, cuja vedação está expressa no art. 10 do CPC, tendo em vista que a parte não tomou conhecimento da causa de inelegibilidade e não pôde exercer seu direito de defesa.6. O prejuízo à parte não é suprido pela possibilidade de apresentar documentos em embargos de declaração ou em sede recursal, uma vez que lhe foi suprimida toda a instrução processual na 1º instância e, consectariamente, a possibilidade de influenciar o conteúdo da decisão judicial.7. Agravo regimental a que se nega provimento. 

A partir do que estabelece a Súmula n. 45/TSE, e do acórdão acima citado, extrai-se que o reconhecido da inelegibilidade de um candidato não depende unicamente da AIRC, mas pode ser evidenciado a partir do parecer do Ministério Público – também legitimado para propor a AIRC —, como também de ofício pelo próprio magistrado.

Após o pedido de registro de candidatura, nasce-se ali uma efetiva campanha eleitoral, a qual engloba, inclusive, uma pessoa jurídica específica daquela candidatura.

Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE)

A Ação de Investigação Judicial Eleitoral, popularmente conhecida como AIJE, surge do texto constitucional, com base nas determinações previstas no artigo 14 da Constituição Federal. Além disso, essa ferramenta processual foi disciplinada pelo art. 22, caput, da Lei Complementar 64/1990.

O objeto principal deste procedimento versa acerca da investigação da ocorrência de abuso de poder econômico, abuso de poder político e/ou abuso de autoridade. A partir da configuração de tais condutas será possível a aplicação de eventual sanção de inelegibilidade para um determinado candidato ou chapa.

Trata-se de uma ação de natureza cível, tipicamente eleitoral, a qual deve observar os princípios norteadores das ações em geral, principalmente aos do contraditório e da ampla defesa. 

Por mais que seja uma ação de natureza cível, seu rito gera, em alguns momentos, uma intercessão com o processo penal, dado que traz consigo a função investigativa, visando apurar as irregularidades cometidas por candidatos e eleitores, além de eventual investigação de ilícitos de natureza penal. 

Importante destacar que a referida ação dispõe de momento específico para ser ajuizada, cujo prazo decadencial corresponde à data da diplomação. Ultrapassado este prazo, somente será cabível ação de impugnação de mandato eletivo (AIME), a qual será trabalhada no capítulo seguinte.

Após o devido rito processual, a AIJE deverá ser julgada pelo órgão competente, a depender de quem está sendo investigado. Por se tratar de uma ação que visa apurar a ocorrência de irregularidades previstas na Constituição e na Lei de Inelegibilidades, somente há dois caminhos no julgamento desta ação.

Julgada procedente, ainda que após a proclamação dos eleitos, o órgão competente declarará a inelegibilidade do(s) representado(s) e daqueles que tenham contribuído para a prática do ato, com o prazo de duração de oito anos seguintes ao pleito no qual ocorreu o fato. 

Além disso, o artigo 22, inciso XIV, da LC n. 64/1990 — alterado pela Lei de Ficha Limpa —, estabelece a cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado.

Ademais, caso haja indícios de prática de ilícitos eleitorais de natureza penal, o processo deve ser remetido ao Ministério Público Eleitoral para apuração e possível instauração de inquérito e/ou propositura de ação penal cabível.

Alguns casos de grande relevância foram julgados pelo Tribunal Superior Eleitoral ao longo dos últimos anos. Dentre eles destacam-se as AIJEs movidas contra os ex-Presidentes da República: Michel Temer, Dilma Rousseff e Jair Messias Bolsonaro. 

No julgamento da AIJE n. 194358, que pedia a cassação da chapa formada por Dilma Rousseff e Michel Temer, reeleita para a Presidência da República em 2014, a maioria dos ministros entendeu que não houve abuso de poder político e econômico na campanha de ambos no pleito presidencial daquele ano.

Naquela oportunidade, a AIJE n. 194358 tramitou em conjunto com a AIJE n. 154781, com a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) n. 761 e com a Representação (RP) n. 846. 

Importante destacar que constava no polo investigado da referida ação a chapa composta pela ex-Presidente Dilma e seu vice Michel Temer. Tal fato se dá diante da unidade e da indivisibilidade da chapa majoritária, a qual gera uma responsabilização solidária para aqueles candidatos.

Já em 2023, o ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro respondeu a uma série de processos junto à Justiça Eleitoral, dos quais se destacam: (i) AIJE 0600828-69; (ii) AIJE 0601212-32, (iii) AIJE 0601665-27 e (iv) AIJE 0600814-85.

Todos estes processos visavam configurar o abuso de poder político e econômico na campanha eleitoral para a Presidência de 2022. Uma parte tratava acerca da utilização da estrutura da Presidência da República e do cargo para promover ataques ao sistema eletrônico de votação, além do uso indevido dos meios de comunicação.

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Neste caso, o ex-Presidente sucumbiu, motivo pelo qual foi declarado inelegível pelo Tribunal, dada a ocorrência de ilícitos eleitorais.

Outro núcleo de debate acerca da campanha de 2022 versava acerca da utilização de bens públicos, como a residência oficial da Presidência e o local de trabalho do presidente, para realização de lives pela internet com temas eleitorais. Neste caso, os ministros entenderam que, apesar da irregularidade na ação, não havia gravidade suficiente para que fosse declarada a inelegibilidade de Bolsonaro.

Por fim, importante destacar que neste caso, houve a aplicação do inciso XVI do artigo 22 da LC n. 64/1990, incluído pela Lei de Ficha Limpa, o qual determina que “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam“. 

Ou seja, reconhecendo que a inelegibilidade de um cidadão é medida de alto grau de punibilidade, esta somente deve ser aplicada em casos que se constate a gravidade da conduta que caracteriza o ilícito cometido. 

Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME)

Ultrapassado o período eleitoral e a diplomação daqueles que foram eleitos, com base no artigo 14, §10, da Constituição Federal, no prazo de 15 (quinze) dias o mandato eletivo pode ser impugnado perante a Justiça Eleitoral instruído com provas do abuso de poder econômico, fraude ou corrupção. 

Conforme se observa, as razões de cabimento da AIME muito se assemelha aos requisitos necessários para ajuizamento de uma AIJE, especialmente quando falamos de abusos de poder de qualquer natureza, corrupção e fraude. 

O que diferencia ambas, conforme já relatado no capítulo anterior, diz respeito ao prazo decadencial de ambas, assim como a necessidade do candidato alvo ter sido eleito, dado que o objeto da AIME visa impugnar seu mandato. 

Conforme já abordado no capítulo referente à AIJE, alguns casos emblemáticos já foram julgados pelo TSE e tiveram como resultado um impacto direto no mandato de chapas majoritárias, destacando novamente a chapa dos ex-Presidentes Dilma e Bolsonaro. 

Cumpre destacar que, conforme artigo 14, § 11, da Constituição da República, qualquer AIME deverá tramitar em segredo de justiça. Todavia, ainda que o trâmite processual seja sigiloso, seu julgamento deve ser público, uma vez que se trata de matéria de interesse público.

Contra a decisão de mérito da referida ação, temos o recurso eleitoral, o mandado de segurança, o recurso contra expedição de diploma e a ação rescisória. Cada um dispõe de uma natureza recursal específica, com cabimento próprio, cuja finalidade principal consiste em manter o mandato eletivo.

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Referências

BARROS, Francisco Dirceu. Curso de processo eleitoral. 3. ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p. 40.

BRASIL. Ac. de 27.11.2020 no AgR-REs-pEl n° 060025565, rel. Min. Sérgio Banhos.

BRASIL. Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº060028362, Acórdão, Min. Edson Fachin, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, 17/03/2021.

MORAIS, Marina Almeida; DE OLIVEIRA, Wandir Allan. Introdução ao Direito Eleitoral. 1ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2024, p. 177.

PEREIRA, Rodolfo Viana. Contencioso eleitoral: polissemia conceitual, sistemas comparados e posição brasileira. Revista brasileira de direito eleitoral – RBDE, Belo Horizonte, ano 7, n 12, p. 145-170, jan./jun. 2015, p. 150.

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