Qual o seu status no ordenamento jurídico brasileiro?
A Constituição Federal de 1988 é um marco para a redemocratização do país. Logo no seu início, foi inserido um rol de direitos e garantias fundamentais – também por isso é conhecida como Constituição Cidadã.
Ela inclui direitos individuais e coletivos (artigo 5º), direitos sociais (artigo 6º ao 11), direitos de nacionalidade (artigos 12 e 13) e direitos políticos (artigos 14 ao 17).
Mas os direitos garantidos constitucionalmente não são apenas os que constam no texto da Carta Magna. O artigo 5º, § 2º, diz que os direitos e garantias expressos ali não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte.
Como esses tratados e convenções internacionais são ratificados no Brasil? Eles são superiores às leis ordinárias? Eles têm status de norma constitucional?
Vamos explorar um pouco esses questionamentos.
A importância dos tratados e convenções internacionais de Direitos Humanos no Brasil
O sistema jurídico brasileiro, a partir da Constituição de 1988, passou a ser aberto à institucionalização dos Direitos Humanos. Direito Constitucional e Direito Internacional passaram a interagir para resguardar um mesmo valor: a pessoa humana.
A proteção da dignidade humana, fundamento central do Estado Democrático de Direito brasileiro (artigo 1º, III, CF/88), é elemento central no conceito de Direitos Humanos.
Pela dignidade da pessoa humana, o que se busca é garantir que todos e todas tenham uma vida livre de arbitrariedade e violência. O propósito é que se desenvolvam de modo pleno e participem da vida política, social e cultural da comunidade que se inserem.
Vejamos que a prevalência dos Direitos Humanos é um princípio segundo o qual a República Federativa do Brasil rege as suas relações internacionais, conforme artigo 4º, II, do texto constitucional.
Mas, afinal, o que são Direitos Humanos?
Flávia Piovesan, professora do IDP, ensina que são um conjunto de direitos cujo objetivo é proteger a possibilidade de toda pessoa viver com dignidade.
Para ela, a proteção dos Direitos Humanos é uma construção, sujeita a desenvolvimento contínuo conforme os limites da viabilidade política e da razoabilidade intelectual de cada tempo.
Para atingirmos o grau de proteção de Direitos Humanos conquistados hoje, foram necessários processos emancipatórios, muitas vezes revolucionários, para que diferentes sociedades compreendessem determinado dado social como direito de todos e todas, a ser conquistado e garantido de modo permanente.
Ao longo dos anos, principalmente após a II Guerra Mundial, foram criadas entidades internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA), que consolidaram o processo de internacionalização e proteção dos Direitos Humanos.
Ao lado dos direitos e garantias constitucionais, os direitos provenientes de tratados e convenções de Direitos Humanos devem ser invocados sempre que houver violação por parte do Estado, ou mesmo por particulares.
Qual o status jurídico dos tratados e convenções internacionais de Direitos Humanos no Brasil?
Nós vimos aqui no Blog do IDP os tipos de normas que decorrem do processo legislativo, constantes no artigo 59 da Constituição:
- Emendas à Constituição;
- Leis Complementares;
- Leis Ordinárias;
- Leis Delegadas;
- Medidas Provisórias;
- Decretos Legislativos; e
- Resoluções.
Onde, hierarquicamente, se encontram esses instrumentos internacionais?
Bem, parte da literatura jurídica adota uma posição, e o STF adota outra. Vamos começar com a primeira, capitaneada por Valerio Mazzuoli.
Mazzuoli entende que, pelo fato de o § 2º do artigo 5º da Constituição expressamente prever que os direitos e garantias constantes no texto constitucional não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, os direitos advindos dos tratados internacionais de Direitos Humanos têm status de norma constitucional material.
Isso quer dizer que os direitos não estão formalmente na Constituição, mas têm matéria de Constituição. Por isso, podem ser paradigma de controle de constitucionalidade pela modalidade difusa.
Acontece que em 2004 foi aprovada a Emenda Constitucional nº 45, que acrescentou o § 3º ao artigo 5. Ele abre a possibilidade de tratados e convenções internacionais sobre Direitos Humanos serem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, caso em que serão equivalentes às Emendas Constitucionais.
Para Mazuolli, esse parágrafo abre a possibilidade de que Direitos Humanos advindos dos tratados internacionais aprovados como equivalentes a Emendas Constitucionais tenham status de norma constitucional material e formal.
Esses dispositivos, por estarem formalmente na Constituição, podem ser paradigma de controle de constitucionalidade pela modalidade concentrada.
O STF, por outro lado, julgou o HC 87.585 em dezembro de 2008. Até então, os tratados e convenções internacionais de Direitos Humanos eram considerados pelo Supremo como status de lei ordinária.
O efeito prático é que outra lei ordinária superveniente poderia revogar o dispositivo advindo do instrumento internacional.
A partir do julgamento daquele HC, o STF firmou maioria no sentido de que tratados e convenções internacionais de Direitos Humanos adentram o ordenamento jurídico brasileiro como normas supralegais. Essa foi a corrente vencedora, sustentada pelo Ministro Gilmar Mendes.
Normas supralegais, nesse sentido, estão hierarquicamente acima das leis ordinárias, mas abaixo da Constituição. Isso significa que lei ordinária não pode revogar dispositivo de instrumento internacional de Direitos Humanos.
Há uma exceção: os tratados e convenções internacionais de Direitos Humanos que forem incorporados segundo o rito do § 3º do artigo 5º, ou seja, por maioria qualificada e votação em dois turnos em cada Casa Legislativa.
Nesses casos, os tratados e convenções de Direitos Humanos não são normas supralegais, mas sim Emendas Constitucionais.
Quanto aos tratados e convenções internacionais que não versam sobre Direitos Humanos, o STF entendeu que têm força de lei ordinária.
Um exemplo prático!
O HC 87.585 tinha como objeto a prisão do depositário infiel. No direito brasileiro, até então, havia duas modalidades de prisão civil: a quem devia alimentos a ao depositário infiel.
Acontece que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, assinada pelo Brasil em 1992, proíbe a prisão por dívidas (artigo 7.7).
Em razão de a Convenção Americana ter status de norma supralegal, o STF entendeu pelo efeito paralisante relativo a toda a legislação infraconstitucional sobre prisão de depositário infiel, que perdeu a sua eficácia e validade.
O STF também editou a Súmula Vinculante nº 25: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”.
Por que conhecer sobre a hierarquia de tratados e convenções internacionais de Direitos Humanos?
São comuns questionamentos sobre a aplicação dessa normativa internacional. Devemos, no caso concreto, manejar a legislação pátria ou os instrumentos internacionais de Direitos Humanos?
Bem, os tratados e convenções de Direitos Humanos carregam consigo proteção de direitos que complementam o direito nacional. Não se trata de aplicar a internacional em detrimento da nacional, mas sim de forma complementar, ou suplementar a proteção da dignidade humana.
Há um princípio que rege essa interpretação, e se chama pro homine. Segundo esse princípio, deve ser aplicada a norma mais favorável, que mais proteja a pessoa humana, desde que válidas internamente.
Em outras palavras: em caso de aparente antinomia, deve ser aplicada a norma que amplie o exercício do direito em questão, ou que produza maiores e mais eficazes garantias ao direito humano que tutela.
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Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
MAZZUOLI, Valerio. C controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 4. ed. São Paulo: RT, 2016.
PIOVESAN, Flávia. Curso de Direitos Humanos: Sistema Interamericano. São Paulo: Grupo GEN, 2021.