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O que é Foro Privilegiado?

O foro privilegiado, conhecido formalmente como foro por prerrogativa de função no ordenamento jurídico brasileiro, é um mecanismo que estabelece uma diferenciação na competência judicial para o julgamento de certas autoridades públicas. 

Este instituto, inserido no contexto do Direito Administrativo e Constitucional, tem suas raízes na própria estrutura do Estado e na necessidade de equilibrar a administração da justiça com a proteção funcional de altos cargos públicos.

A prerrogativa do foro especial busca garantir que as autoridades de alto escalão, devido à relevância e natureza sensível de suas funções, sejam julgadas por tribunais superiores. Este arranjo é justificado pela premissa de que tais autoridades, em razão de suas posições estratégicas e decisões que podem afetar amplamente a sociedade e o Estado, requerem um tratamento jurisdicional diferenciado para assegurar a imparcialidade e a independência necessárias ao desempenho de suas funções.

O objetivo deste artigo é proporcionar uma compreensão abrangente sobre como esse mecanismo opera dentro do sistema jurídico brasileiro, suas implicações para a administração da justiça e o equilíbrio de poderes, bem como os desafios enfrentados na sua aplicação e reformulação.

Fundamento Constitucional

O foro por prerrogativa de função, no contexto do direito brasileiro, assenta-se sobre uma base constitucional sólida e intrincada, refletindo a complexidade do sistema de justiça e a estrutura política do país. Nesse sentido, iremos desdobrar seus fundamentos constitucionais, destacando as disposições específicas da Constituição Federal de 1988 que o embasam.

Artigos-Chave da Constituição:

Artigo 102: Este artigo é crucial, pois estabelece a competência do Supremo Tribunal Federal (STF). 

O inciso I, alínea “b”, do artigo 102 especifica que compete ao STF processar e julgar, originariamente, nas infrações penais comuns, o Presidente e o Vice-Presidente da República, membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República. Esta disposição assegura que as autoridades de mais alto escalão sejam julgadas por uma corte de notória capacidade técnica e imparcialidade.

Além disso, o inciso I, alínea “c”, do mesmo artigo, delineia a competência do STF para processar e julgar as infrações penais comuns e em crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente.

Ressalta-se a exceção prevista no artigo 52, inciso I e II da Carta Magna, quanto ao julgamento de crimes de responsabilidade que envolverem participação do Presidente e do Vice-Presidente da República, bem como os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União, a competência recairá ao Senado Federal.

Artigo 105: Delineia as competências do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Conforme o inciso I, alínea “a”, este tribunal é responsável pelo julgamento de governadores dos estados e do Distrito Federal, desembargadores dos Tribunais de Justiça estaduais e do Distrito Federal, TRFs, entre outros, em casos de infrações penais comuns. Este dispositivo visa garantir que julgamentos de figuras de elevada estatura regional sejam conduzidos a nível nacional, buscando maior neutralidade e especialização.

Artigo 29: Delineia a forma de organização do Município

Disposto no inciso X, do referido artigo, será estabelecida na Lei orgânica do Município, a forma de julgamento dos Prefeitos perante o Tribunal de Justiça. 

Cabe pontuar o posicionamento que foi firmado no julgamento do CC 120.848/PE, relatado pela Min. Laurita Vaz, 3ª Seção do STJ. Que mais tarde deu origem à Súmula 702 do STF, a saber:

SÚMULA Nº 702 A competência do tribunal de justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau.

Artigo 96: Descreve algumas competências privativas

No seu inciso III, determina que compete privativamente “aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.”

Artigo 108: Determina as competências dos Tribunais Regionais Federais

Nesse sentido, o inciso I pontua que compete os TRFs processar e julgar “os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;”

Críticas e Discussões

Podemos observar, que o instituto em estudo é objeto de intensas críticas e debates. Os críticos argumentam que ele cria uma espécie de “casta” de indivíduos acima da lei, contribuindo para a impunidade. Além disso, apontam que os tribunais superiores, como o STF e o STJ, não têm a estrutura necessária para julgar a grande quantidade de casos criminais, levando a atrasos significativos na justiça.

Por outro lado, os defensores do foro privilegiado argumentam que ele é necessário para proteger as funções públicas de acusações frívolas ou politicamente motivadas, assegurando a independência e a imparcialidade na tomada de decisões.

Mudanças e Tendências Atuais

O foro privilegiado no Brasil tem sofrido transformações significativas nos últimos anos, refletindo uma evolução no entendimento jurídico e uma resposta às demandas sociais por maior igualdade e eficiência no sistema de justiça.

Uma das mudanças mais significativas ocorreu em maio de 2018, quando o Supremo Tribunal Federal em sede de questão de ordem da Ação Penal nº 937 decidiu, por maioria, restringir o alcance do foro privilegiado. 

Essa decisão limitou a aplicação do foro por prerrogativa de função às infrações penais cometidas durante o exercício do cargo e que tenham relação direta com as funções desempenhadas pela autoridade. Tal mudança representou um marco, pois reduziu consideravelmente o número de autoridades sujeitas ao julgamento pelo STF.

A decisão do STF teve como consequência imediata a transferência de centenas de processos para instâncias inferiores. Esta medida visava garantir que o foro especial não fosse utilizado como mecanismo de impunidade, assegurando que apenas delitos estritamente ligados às funções públicas fossem julgados nos tribunais superiores.

Outra questão, em resposta às críticas e ao debate público, são as diversas Propostas de Emenda à Constituição que têm sido apresentadas no Congresso Nacional. Estas PECs visam reformular ou mesmo extinguir o foro privilegiado. O objetivo é assegurar maior igualdade no sistema de justiça, evitando que altas autoridades tenham um tratamento diferenciado em relação ao cidadão comum. 

Como é o caso da PEC 333/2017 de autoria do Senador Alvaro Dias, que aguarda ser pautada em plenário desde dezembro de 2018. Esta PEC “altera os arts. 5º, 37, 96, 102, 105, 108 e 125 da Constituição Federal para extinguir o foro especial por prerrogativa de função no caso dos crimes comuns, e revoga o inciso X do art. 29 e o § 1º do art. 53 da Constituição Federal.”

Quer ler mais sobre o assunto? Confira o artigo: o papel do TSE na investigação de crimes eleitorais.

Conclusão

O foro por prerrogativa de função no Brasil é uma questão que engloba a busca pelo equilíbrio entre a proteção ao exercício de funções públicas e a necessidade de garantir a igualdade de todos perante a lei. As recentes mudanças na jurisprudência do STF representam um passo na direção de uma maior restrição desse instituto, mas o debate sobre sua existência e forma continua a ser um tópico relevante na agenda jurídica e política do país.

As mudanças e tendências atuais no que diz respeito ao foro privilegiado no Brasil refletem um esforço contínuo de adaptação do sistema jurídico às exigências de justiça e igualdade.

Para que profissionais do direito estejam aptos e preparados para lidar com essas mudanças e a discutir no espaço público os fundamentos do foro especial e diversas outras questões que permeiam o constitucionalismo brasileiro, é essencial que se busque estar atualizado e em constante aprendizado.

Dessa forma, por que não aprender com quem já participa do debate público e está na ponta dessas mudanças? Pensando assim, o IDP oferece o curso de pós-graduação online em Direito Constitucional. Conta com professores renomados, como o atual Ministro do STF Dr. Gilmar Mendes, e grandes autores do constitucionalismo como o professor João Trindade.

Referências

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. O foro por prerrogativa de função e as restrições à sua aplicação no STJ. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/O-foro-por-prerrogativa-de-funcao-e-as-restricoes-a-sua-aplicacao-no-STJ.aspx#:~:text=Em%20maio%20de%202018%2C%20o,fun%C3%A7%C3%A3o%20ou%20em%20raz%C3%A3o%20dela.> Acesso em: 30/12/2023.

BRASIL. Câmara dos Deputados. ENTENDA O FORO PRIVILEGIADO E VEJA O QUE PODE MUDAR. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/internet/agencia/infograficos-html5/entenda-foro-privilegiado-e-veja-o-que-pode-mudar/index.html>. Acesso em: 30/12/2023.

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