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Hermenêutica constitucional: o que é e quais são os seus princípios?

Na mitologia grega, Hermes era o deus das sandálias aladas, mensageiro de Zeus, que levava a mensagem dos deuses ao mundo dos mortais. Cabia a Hermes a capacidade de compreender, intermediar e revelar a mensagem: daí resulta o termo “hermenêutica” e, mais adiante, “hermenêutica constitucional”.

No Direito, hermenêutica consiste no “domínio teórico, especulativo, voltado para a identificação, desenvolvimento e sistematização dos princípios de interpretação do Direito”.

Em outras palavras, a hermenêutica jurídica usa de métodos e técnicas específicas para atribuir sentido a elementos jurídicos (texto, princípios, costume, jurisprudência) com a finalidade de solucionar problemas. O objetivo é dar legitimidade e racionalidade a esses elementos jurídicos.

Ao final do processo interpretativo, nós juristas devemos aplicar o enunciado normativo (texto jurídico), momento em que se converte a disposição abstrata em regra concreta, conformando o ser (a realidade) ao dever ser (o Direito).

O que é Hermenêutica Constitucional?

No Direito Constitucional, quaisquer conflitos ou colisões entre direitos e bens constitucionalmente protegidos devem ser avaliados pelo/a intérprete por meio da hermenêutica constitucional.

Não é correto dizer que as normas constitucionais mantêm hierarquia entre si. O que devemos fazer é “a conjugação da letra do texto com as características históricas, políticas, ideológicas do momento” para se obter o melhor sentido ao preceito jurídico, ou ao problema prático.

Ainda é importante frisar que a interpretação constitucional ou hermenêutica constitucional, impacta todo o direito positivo do Estado, toda a ordem jurídica, seja ela pública ou privada.

Um dos motivos para seguirmos com a hermenêutica constitucional é a presença de termos “vagos” ou “plurívocos” da Carta Magna. Ou seja, pode-se adotar, da leitura do texto, perspectivas divergentes, ou leituras variadas de acordo com determinados valores e pré-compreensões políticas e morais.

Nesse sentido, nós como operadores/as do Direito, para atuarmos na solução concreta dos problemas que nos forem apresentados, devemos averiguar o conteúdo semântico da norma constitucional.

Quais são os princípios da Hermenêutica Constitucional?

Agora que sabemos o que é hermenêutica constitucional, é necessário que sejam seguidas balizas para que haja mais racionalidade na tarefa, reduzindo o nosso nível de protagonismo, e maior consistência dos resultados.

Seguem alguns desses princípios:

Princípio da Unidade da Constituição

A Constituição é uma só, e a interpretação deve ser tomada evitando a contrariar seu próprio sistema. Não devemos interpretar a Constituição “aos pedaços”, mas harmonizar todas as tensões, contradições ou antinomias aparentes.

Não são normas isoladas, dispersas, mas um sistema integrado. Como dissemos, não há hierarquia entre as normas constitucionais, nem subordinação do texto entre si, ainda que uma seja cláusula pétrea e a outra, não.

Princípio do Efeito Integrador

Na resolução dos problemas jurídico-constitucionais, devemos dar prioridade aos critérios que favoreçam a integração política e social, e que reforcem a unidade política, mas mantendo o respeito às diversidades básicas que coexistem.

Princípio da Máxima Efetividade ou da Eficiência

Devemos dar à norma constitucional o sentido que lhe conceda maior eficácia, ou seja, mais ampla efetividade social. Hoje esse princípio se aplica a toda e qualquer norma constitucional, mas em especial quanto aos direitos fundamentais.

Princípio da Justeza ou da Conformidade Funcional

O órgão máximo incumbido de interpretar a norma constitucional (Supremo Tribunal Federal) é responsável por estabelecer força normativa à Constituição.

Não pode, portanto, se colocar na posição de subverter, alterar ou perturbar o esquema de organização e funcionamento estabelecido pelo Constituinte Originário, mas buscar a preservação do Estado de Direito. “Nos momentos de crise, acima de tudo, as relações entre o Parlamento, o Executivo e a Corte Constitucional deverão ser pautadas pela irrestrita fidelidade e adequação à Constituição”.

Princípio da Concordância Prática ou Harmonização

Demos procurar a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito com fins a evitar o sacrifício total de uns em relação a outros. Dito de outra forma: os bens jurídicos devem coexistir harmoniosos, sem predomínio.

Os bens constitucionais são de igual valor, e essa ausência de hierarquia impede que um aniquile o outro, caso entrem em aparente conflito. Devemos procurar o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos entre as normas constitucionais ou princípios de forma a conseguirmos uma harmonização ou concordância prática entre si.

Princípio da Força Normativa da Constituição

Entre as interpretações possíveis, devemos adotar o ponto de vista que contribua com a maior eficácia, aplicabilidade, permanência e atualização normativa do texto da Carta da República;

Princípio da Proporcionalidade ou Razoabilidade

Trata-se de dois ideais de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso e valores afins na interpretação da norma constitucional e de toda e qualquer norma jurídica.

Princípio da Interpretação Conforme a Constituição

No caso de normas que admitem mais de uma interpretação, devemos dar preferência à interpretação que mais seja compatibilizada com o conteúdo constitucional – e, em decorrência, a que não seja contrária ao conteúdo constitucional. Ademais, uma lei não deve ser declarada inconstitucional quando for possível que lhe seja conferida interpretação conforme a Constituição.

Por que entender sobre a Hermenêutica Constitucional?

Nós, como profissionais da área jurídica, em maior ou menor medida, somos aplicadores do Direito. O sistema normativo brasileiro encontra-se em um estágio em que é impossível interpretar a norma infraconstitucional desatrelada da constitucional.

A partir do século XX, percebemos uma mudança paradigmática em que a Constituição passa a ser vértice interpretativo de todo o sistema jurídico – em especial o princípio da dignidade da pessoa humana, que se encontra no art. 1º, III, da Carta da República.

Dotadas de supremacia, as normas constitucionais devem ter aplicação preferencial, e condicionam as infraconstitucionais e supralegais (tratados e convenções internacionais de Direitos Humanos não aprovados pelo quórum qualificado no Congresso Nacional).

Também é na Constituição onde se encerram os valores, os princípios que guiam o mundo jurídico. Nesse sentido, os princípios deixaram de ser fonte secundária do Direito e foram alçados ao centro do sistema jurídico.

É necessário que todos/as nós, como operadores do Direito, sejamos recém egressos dos bancos das Universidades, ou Ministros/as das Cortes Superiores, tenhamos conhecimento sobre a hermenêutica Constitucional, seus princípios e como realizar a sua aplicação.

Afinal, não basta o antigo conhecimento da subsunção dos fatos às normas, como se ensinava antigamente, ou o entendimento da Constituição como documento essencialmente político.

Hoje é necessário que conheçamos a fundo a exegese constitucional e compreendamos a Constituição como parâmetro de validade de todas as demais normas do sistema jurídico, que não deverão ser aplicadas se não forem com ela compatíveis.

Conclusão

Para a correta operação do Direito, é necessário que saibamos compreender e investigar o conteúdo semântico da Constituição Federal de 1988. É tarefa não apenas do Poder Judiciário, mas também do Executivo, do Legislativo, do Ministério Público, de advogados e advogadas.

Dado que a Constituição protege, simultaneamente, diferentes bens e direitos, e caso entrem em confronto, é nosso dever como juristas saber aplicar as técnicas e princípios de hermenêutica constitucional para solucionar o caso concreto e conferir eficácia e aplicabilidade às normas constitucionais.

Referências

BAROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

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