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Tempo de leitura: 6 min

Entenda o que é Ativismo Judicial

*Redator: João Marcos de Carvalho Pedra

A atuação do Poder Judiciário, especialmente de seus Tribunais Superiores, tem recebido os holofotes da mídia e a atenção pública, até mesmo por leigos, praticamente de forma diária. 

Tal fato se dá em razão dos temas que os Tribunais têm enfrentado nas últimas décadas, os quais geram efeitos práticos a toda população, diante do caráter erga omnes das decisões em controle abstrato de constitucionalidade, ou em controle concreto respaldado pela repercussão geral.

Nos últimos anos, as cortes constitucionais pelo mundo vêm assumindo uma postura considerada ativista em vários aspectos. Essa atuação ativista ocorre quando os tribunais adotam decisões que, muitas vezes, preenchem lacunas legislativas ou até mesmo avançam sobre temas complexos e sensíveis, que poderiam ser de responsabilidade do Legislativo ou do Executivo.

Esse fenômeno ocorre, também, pelo fato de que os magistrados dessas cortes não têm que ser testados nas urnas periodicamente, como ocorre com os membros do Poder Executivo e Legislativo.

Essa postura reflete, em grande medida, as transformações sociais e políticas e a necessidade de garantir direitos em um contexto onde os outros poderes nem sempre conseguem ou desejam agir rapidamente.

O conceito de ativismo judicial geralmente é associado a decisões em que os juízes interpretam a Constituição ou outras leis de maneira inovadora, muitas vezes moldando ou alterando políticas públicas que motivariam uma atuação efetiva por membros de outros poderes.

Origem do Termo

O conceito de ativismo judicial surgiu durante o século XX nos Estados Unidos. Durante alguns anos, o Judiciário americano, em vez de apenas aplicar a lei de forma neutra, tomou decisões que afetaram diretamente as políticas públicas daquele país, assumindo um papel mais ativo no governo.

Esse fenômeno ficou ainda mais evidente durante a Corte Warren, período compreendido em que o juiz Earl Warren foi o presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos, entre 1953 e 1969.

Essa fase da Suprema Corte dos Estados Unidos (SCOTUS) é marcada pela tomada de uma série de decisões marcantes que expandiram os direitos civis e as liberdades individuais, promovendo uma visão progressista da Constituição dos EUA.

Sob a liderança de Warren, a Corte assumiu uma postura considerada ativista, decidindo de forma ampla sobre temas sensíveis da sociedade americana, como segregação racial, liberdade de expressão e os direitos dos acusados.

Foi durante a Corte Warren que o Brown v. Board of Education (1954) foi julgado. Essa é, talvez, a decisão mais emblemática da Corte Warren. A SCOTUS declarou inconstitucional a segregação racial em escolas públicas, revertendo o princípio “separados, mas iguais” estabelecido no julgamento de Plessy v. Ferguson (1896).

A decisão foi um marco no movimento pelos direitos civis e um passo crucial para iniciar um movimento ainda mais ativo contra a segregação racial nos Estados Unidos.

Dentre outros casos julgados pela Suprema Corte dos Estados Unidos durante esse período, destacam-se: Mapp v. Ohio (1961), Gideon v. Wainwright (1963), Miranda v. Arizona (1966), Engel v. Vitale (1962) e Loving v. Virginia (1967).

Todos esses casos acima citados trazem consigo uma série de traços característicos de uma atuação ativa da Suprema Corte. Diante do contexto e das ferramentas processuais de julgamento, foi se moldando aquilo que denominamos hoje de ativismo judicial.

Para melhor conhecê-los, sugere-se uma análise apurada da decisão exarada pela SCOTUS, assim como os votos dados em cada um deles, por meio do site https://supreme.justia.com/

Características

Para melhor estabelecer as bases que caracterizam esse fenômeno ativista, é importante observarmos a ocorrência de 4 (quatro) principais características da atuação judicial: 

(i) Os juízes adotarem interpretações mais amplas ou criativas do texto constitucional ou da legislação vigente; 

(ii) Há uma expressa defesa de direitos que, em alguns casos, não estão explicitamente previstos na lei, mas que são interpretados como necessários para garantir justiça ou equidade;

(iii) Os tribunais passarem a invalidar leis ou atos de outros poderes com base na sua interpretação acerca do que violaria princípios constitucionais.

(iv) O Poder Judiciário se valer de prerrogativas e funções que são essencialmente do Poder Legislativo e/ou do Poder Executivo.

O Ativismo no Brasil

Para melhor compreender o fenômeno do ativismo judicial no Brasil, é de suma importância nos debruçarmos em alguns casos que ilustram bem o ativismo judicial no nosso país. 

Um exemplo notável é a decisão do STF, em 2011, de reconhecer a união estável para casais homoafetivos. Na ausência de uma legislação específica que abordasse a questão, a Corte interpretou a Constituição para garantir direitos fundamentais de igualdade e dignidade, uma decisão considerada ativista. 

Ao mesmo passo, em defesa dos direitos do grupo LGBTQIA+, o Supremo reconheceu que a homotransfobia se equivaleria ao crime de racismo, ainda que nenhuma lei contenha essa previsão de forma expressa. 

Outro caso significativo foi o reconhecimento do direito à saúde no fornecimento de medicamentos e tratamentos de alto custo pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em que o STF determinou ao Estado o dever de fornecer esses medicamentos, mesmo sem previsão legislativa explícita.

Durante a pandemia de Covid-19, o STF também tomou uma decisão importante ao permitir que os Estados e os Municípios tivessem autonomia para adotar medidas restritivas de circulação e funcionamento de atividades, independentemente da política do Governo Federal. 

Essa decisão foi vista como uma forma de garantir a proteção da saúde pública diante da omissão do Executivo em estabelecer diretrizes mais rígidas de combate à Pandemia.

Em outras áreas, como a proteção ambiental e os direitos de povos indígenas, o STF tem reforçado o papel do Judiciário na garantia de direitos difusos e coletivos, exigindo do Poder Executivo ações mais efetivas e rigorosas contra o desmatamento e que tenham efeitos práticos na proteção dos territórios indígenas. 

Essas decisões refletem a ideia de que o Poder Judiciário tem a responsabilidade de atuar como guardião da Constituição e dos direitos fundamentais, nos termos do artigo 102 da Constituição Federal, de forma que passa a atuar quando os demais poderes falham em assegurar os direitos constitucionalmente previstos.

O ativismo judicial no Brasil, ainda assim, é alvo de críticas e elogios. Defensores argumentam que o Poder Judiciário é necessário para garantir direitos e corrigir injustiças, especialmente em temas sensíveis e nos quais o Legislativo se omite. 

Já os críticos apontam que o ativismo judicial pode enfraquecer a separação dos poderes, uma vez que decisões importantes para a sociedade são tomadas por juízes e não por representantes eleitos. 

Esse debate sobre os limites da atuação judicial e o papel do STF na política e na sociedade brasileira segue em constante evolução, refletindo os desafios de um país que demanda proteção de direitos em contextos complexos e dinâmicos.

Continue estudando sobre o tema com o nosso artigo Ativismo Judicial no Brasil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial no Supremo Tribunal Federal. 2012. 378 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil Constitucional; Direito da Cidade; Direito Internacional e Integração Econômica; Direi) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

EARL Warren, 1953-1969. SUPREME COURT HISTORICAL SOCIETY. Disponível em https://supremecourthistory.org/chief-justices/earl-warren-1953-1969/. Acesso em: 25 out. 2024.

SUPREME Court of the United States. Brown v. Board of Education (1954). Disponível em https://www.archives.gov/milestone-documents/brown-v-board-of-education. Acesso em 25 out. 2024.

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