Por mais que se discuta a (in)existência de hierarquia normativa do direito, tal qual a pirâmide de Kelsen estabelece, para fins didáticos do presente artigo partiremos da premissa que o ordenamento jurídico brasileiro é estruturado de forma hierárquica, de modo que diferentes normas possuem níveis distintos de autoridade e requisitos específicos para sua aprovação e modificação legislativa.
Entre os principais tipos normativos estão a Emenda Constitucional, a Lei Complementar e a Lei Ordinária, sendo que cada uma exerce sua respectiva função e dispõem de características próprias dentro do sistema jurídico. Compreender as diferenças entre esses instrumentos normativos é essencial para operadores do direito, legisladores e cidadãos interessados no funcionamento das instituições democráticas do Brasil.
A Constituição Federal de 1988 é a norma fundamental do país, servindo como norte para todo o ordenamento jurídico. No entanto, ela não é imutável. Quando necessário, pode ser modificada por meio de Emendas Constitucionais, desde que respeitados os princípios e cláusulas pétreas. Já as Leis Complementares e Ordinárias regulamentam temas infraconstitucionais, mas diferem quanto ao seu conteúdo, processo legislativo e hierarquia normativa.

EMENDA CONSTITUCIONAL: MODIFICANDO A CONSTITUIÇÃO
A Constituição brasileira pode receber as seguintes classificações: promulgada, analítica, dogmática, eclética, rígida, escrita, codificada e dirigente. Dentre essas características, nos ateremos tão somente à sua rigidez.
Nos termos da doutrina de Gilmar Mendes e Paulo Gonet, “a rigidez ou flexibilidade da Constituição é apurada segundo o critério do grau de formalidade do procedimento requerido para a mudança da Lei Maior. A estabilidade das normas constitucionais, em uma Constituição rígida, é garantida pela exigência de procedimento especial, solene, dificultoso, exigente de maiorias parlamentares elevadas, para que se vejam alteradas pelo poder constituinte de reforma”.
Frente a este cenário, é possível observar a importância conferida ao texto constitucional brasileiro, o qual depende de trâmite específico para promulgação, nos moldes que serão amplamente delineados mais a frente.
A Emenda Constitucional é um mecanismo que permite a alteração do texto da Constituição Federal, garantindo que ela possa evoluir e se adaptar às mudanças sociais, políticas e econômicas do país. Contudo, por se tratar da norma de maior hierarquia dentro do ordenamento jurídico, dado que altera o texto constitucional, esta não pode ser alterada por qualquer tipo de norma, nem de forma simples. Para isso, há um processo legislativo rigoroso estabelecido pelo artigo 60 da própria Constituição.
Para que ocorra essa mudança do paradigma constitucional, a proposta de Emenda Constitucional (PEC) pode ser apresentada por: (i) o mínimo, um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; (ii) Presidente da República; ou (iii) mais da metade das Assembleias Legislativas dos Estados, cada uma com a aprovação da maioria relativa de seus membros.
Após apresentada, a PEC deve ser discutida e votada em dois turnos em cada casa do Congresso Nacional (Câmara e Senado), sendo necessária a aprovação de pelo menos três quintos dos parlamentares em cada turno (308 deputados e 49 senadores). Caso aprovada, a Emenda é promulgada pelas Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, sem necessidade de sanção presidencial.
Limites às Emendas Constitucionais
Embora a Constituição possa ser alterada, há restrições expressas conhecidas como cláusulas pétreas, que são temas que não podem ser abolidos ou reduzidos por meio de Emendas Constitucionais. O artigo 60, §4º, da Constituição estabelece como cláusulas pétreas (i) a forma federativa do Estado; (ii) o voto direto, secreto, universal e periódico; (iii) a separação dos Poderes; e (iv) os direitos e garantias individuais.
Isso significa que qualquer tentativa de abolir ou esvaziar esses princípios fundamentais será inconstitucional, mesmo que obtenha apoio político suficiente para sua aprovação.
LEI COMPLEMENTAR: REGULAMENTAÇÃO DE QUESTÕES ESPECÍFICAS
A Lei Complementar é um tipo de norma infraconstitucional que tem por objetivo detalhar e regulamentar disposições expressas da Constituição que exigem uma disciplina normativa especial. Seu nome se deve ao fato de que complementa a Constituição em matérias que esta expressamente determina que sejam regulamentadas por esse tipo de lei.
Diferentemente da Lei Ordinária, a Lei Complementar não pode tratar de qualquer assunto, de modo que para sua existência é necessário existir uma previsão expressa prévia na própria Constituição, determinando a sua existência com a finalidade de regulamentar temas específicos, como (i) organização da administração pública e das finanças do Estado; (ii) normas gerais para a elaboração de leis orçamentárias; (iii) definição de crimes de responsabilidade do Presidente da República; (iv) sistema tributário nacional; e (v) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública.
Se a Constituição exige que determinado tema seja disciplinado por Lei Complementar, então este não pode ser tratado por Lei Ordinária. Qualquer tentativa nesse sentido resultaria na inconstitucionalidade formal da norma.
Para sua aprovação, há um rito legislativo específico, o qual exige um quórum de maioria absoluta dos membros da casa legislativa (ou seja, mais da metade do total de parlamentares e não apenas dos presentes na sessão). Atualmente, a Câmara dos Deputados tem 513 membros, então seriam necessários ao menos 257 votos para aprovação de uma Lei Complementar.
Ao contrário da Emenda Constitucional, a Lei Complementar precisa ser sancionada ou vetada pelo Presidente da República após aprovação no Congresso Nacional. Caso haja veto presidencial, o Congresso pode derrubá-lo mediante votação qualificada.
LEI ORDINÁRIA: A NORMA MAIS COMUM DO SISTEMA JURÍDICO
A Lei Ordinária é o tipo mais comum de legislação e serve para regulamentar assuntos de competência do Poder Legislativo que não exijam Lei Complementar. Como regra geral, toda matéria pode ser tratada por Lei Ordinária, salvo as que a Constituição reserva explicitamente para outros tipos normativos.
Matérias Reguladas por Lei Ordinária
A Lei Ordinária trata de temas diversos, incluindo:
- Direito civil, penal, processual e administrativo;
- Regras para políticas públicas e programas governamentais;
- Criação e extinção de cargos públicos;
- Regulamentação de serviços públicos;
- Normas gerais de direito do consumidor e ambiental.
O processo legislativo da Lei Ordinária é menos rígido do que o das Emendas Constitucionais e Leis Complementares. Para ser aprovado o Projeto de Lei, basta que tenha maioria simples dos presentes na sessão legislativa, desde que haja quórum mínimo para deliberação. Isso significa que, se houver quórum para votar e apenas 100 deputados estiverem presentes, bastará que 51 aprovem a matéria para que a Lei seja validada.
Após ser aprovada pelo Congresso, a Lei Ordinária segue para sanção ou veto do Presidente da República. O veto pode ser derrubado pelo Congresso, desde que haja maioria absoluta em ambas as casas.
PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE OS TRÊS TIPOS DE NORMA
As principais diferenças entre Emenda Constitucional, Lei Complementar e Lei Ordinária podem ser resumidas em três aspectos principais:
Objeto: A Emenda Constitucional altera a Constituição; a Lei Complementar regulamenta matérias específicas exigidas pela Constituição; e a Lei Ordinária trata de temas gerais.
Quórum de Aprovação: A Emenda exige três quintos dos votos em dois turnos em cada casa do Congresso; a Lei Complementar requer maioria absoluta; e a Lei Ordinária precisa apenas de maioria simples dos presentes na votação.
Hierarquia: A Emenda Constitucional está no topo do ordenamento jurídico, dado que equivale à norma constitucional; a Lei Complementar e a Lei Ordinária estão no mesmo grau hierárquico, de modo que exercem funções distintas, mas uma não se sobressai à outra.

CONCLUSÃO
A distinção entre Emenda Constitucional, Lei Complementar e Lei Ordinária é fundamental para compreender a dinâmica do sistema jurídico brasileiro. Cada uma dessas normas desempenha um papel específico na estrutura legislativa do país e possui requisitos distintos de aprovação.
A Emenda Constitucional é um instrumento de modificação da Constituição e possui um processo rigoroso de tramitação. A Lei Complementar, por sua vez, regulamenta matérias específicas determinadas pela Constituição e exige quórum qualificado para aprovação. Já a Lei Ordinária trata de assuntos mais amplos e segue um rito legislativo mais simples.
O conhecimento dessas diferenças é essencial para o exercício da cidadania e para a atuação profissional no campo do direito, da política legislativa e do aprimoramento das relações governamentais.
