Aqui no Blog do IDP, nós estudamos que a Constituição Federal de 1988 traz em seu bojo um rol de direitos e garantias fundamentais.
Explicamos que os direitos constitucionalmente garantidos não se resumem àqueles ali inscritos, mas também os provenientes dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, conforme redação do artigo 5º, § 2º, da Carta da República.
Aqui se incluem também os tratados e convenções de Direitos Humanos. Quanto à sua hierarquia, trouxemos dois entendimentos: da literatura jurídica especializada e do voto vencedor do STF no HC 87.585, de dezembro de 2008.
Mas o que são Direitos Humanos? Qual o seu objeto? Para quem eles se destinam?
Nesse texto, vamos explorar essas indagações e conversar sobre dois mitos que envolvem Direitos Humanos e que precisamos desconstruir.
Vamos lá!
“Direitos Humanos para humanos direitos”? “Direitos dos manos”? É assim mesmo?
Não existe uma definição única de Direitos Humanos. Eles podem ser vistos sob o prisma de várias áreas do conhecimento, e adotar diferentes contornos – até mesmo porque a noção de Direitos Humanos resulta de um longo processo histórico.
Eles não nasceram de uma vez, nem estão estanques.
Como diz Flávia Piovesan, professora do IDP: a proteção dos Direitos Humanos é uma construção, uma invenção humana, que está sujeita a desenvolvimento contínuo conforme os limites da viabilidade política e da razoabilidade intelectual de cada tempo.
Diante dessas considerações, podemos entender Direitos Humanos como um conjunto de direitos que protege e garante que toda pessoa possa viver com dignidade. Eles são universais, inalienáveis, interdependentes e indivisíveis.
Três dos seus principais fundamentos são a dignidade da pessoa humana, a igualdade e a liberdade.
Todos e todas merecem igual respeito, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os e as distinguem entre si. É por isso que nenhum indivíduo, raça, etnia, sexo, classe social, orientação sexual, identidade de gênero, grupo religioso ou nação pode afirmar ser superior aos demais.
Também nesse sentido, os Direitos Humanos visam a garantir que todos e todas tenham uma vida livre de arbitrariedade e violência, para que se desenvolvam de modo pleno e participem de todos os aspectos da vida em comunidade.
Os Direitos Humanos incluem uma série de direitos civis e políticos, como o direito à liberdade de expressão, à liberdade de reunião e associação, ao devido processo legal e à proteção contra a discriminação e violência.
Também incluem direitos econômicos, sociais e culturais, como o direito à educação, à saúde, à alimentação, à moradia e ao trabalho.
É importante lembrar que mesmo aqueles que cometem crimes ou violam as leis ainda são seres humanos e têm direitos que precisam ser protegidos.
Vamos lembrar alguns direitos e garantias constitucionais constantes no artigo 5º da Carta da República referentes à seara criminal em especial:
- inexistência de juízo ou tribunal de exceção;
- plenitude de defesa na instituição do júri;
- inexistência de crime sem lei anterior que o defina, ou pena sem prévia cominação legal;
- impossibilidade de a lei penal retroagir, salvo para beneficiar o réu ou a ré;
- inexistência de penas de morte (salvo em caso de guerra declarada), caráter perpétuo, trabalhos forçados, banimento ou cruéis;
- é assegurado aos presos e às presas o respeito à integridade física e moral;
- são asseguradas às presidiárias condições para que possam permanecer com seus filhos e filhas durante o período de amamentação;
- ninguém pode ser processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
- são assegurados ampla defesa e contraditório a litigantes e acusados e acusadas em geral, com os meios e recursos a ela inerentes; e
- ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
No entanto, é importante ressaltar que a proteção dos Direitos Humanos não significa impunidade para quem comete crimes ou viola as leis.
O sistema jurídico deve garantir que as pessoas sejam responsabilizadas por suas ações e que sejam aplicadas medidas punitivas adequadas, sem violação ou desrespeito a direitos.
“Direitos Humanos vão acabar com a soberania do Brasil”? É possível?
Muitas pessoas se perguntam se o Direito Internacional dos Direitos Humanos pretende desconsiderar o direito interno e ferir a soberania nacional.
A esse respeito, Piovesan explica que o Direito Constitucional e o Direito Internacional passaram a interagir para resguardar um mesmo valor, a primazia da pessoa humana.
Isso quer dizer que, os tempos atuais, as soluções de conflito, a proteção de direitos e a determinação de deveres, regulados pela normativa interna, fazem parte de um sistema, que não exclui a ordem internacional.
Afinal, soberania nacional não significa poder ilimitado do Estado. Na atualidade, prevalece a premissa básica do Estado de Direito pela qual o Estado atua dentro de certos limites, estabelecidos internamente pelo ordenamento jurídico doméstico e, externamente, pelo Direito Internacional.
As Constituições nacionais, de um lado, abriram seus ordenamentos jurídicos aos tratados internacionais de proteção aos Direitos Humanos, disciplinando sua incorporação e incidência.
É justamente o que fez a Constituição brasileira no artigo 5º, § 2º: estabeleceu relações dialógicas de harmonização entre soberania nacional e o Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Os próprios Estados, quando ratificam um tratado de Direitos Humanos, entregam uma parcela de sua soberania, a fim de salvaguardar os direitos e liberdades de quem se encontra sob sua jurisdição.
De outro lado, os sistemas internacionais passaram a reforçar a proteção a valores constitucionais, fornecendo uma camada adicional, suplementar de proteção aos direitos que o direito nacional busca resguardar contra abusos e autoritarismos.
Assim, a norma a ser aplicada é, em princípio, a interna. Em caso de conflito entre norma interna e tratado internacional, e se o tratado internacional conferir maior proteção ao cidadão ou à cidadã, é ele que deve prevalecer sobre o direito interno.
De forma contrária, se confrontada a norma interna de um Estado-parte com a constante em tratado internacional de Direitos Humanos, e se achando a norma doméstica mais protetiva, essa deve ser aplicada em detrimento da norma internacional.
Isso graças ao princípio pro homine ou pro persona, que significa princípio em favor do homem ou princípio em prol da humanidade. É um princípio jurídico que implica que as leis e decisões devem ser interpretadas e aplicadas de forma a proteger os Direitos Humanos e a dignidade das pessoas.
Em resumo, ele busca garantir que os Direitos Humanos sejam sempre colocados em primeiro lugar, em qualquer situação.
O resultado dos movimentos entre direito interno e Direito Internacional dos Direitos Humanos foi a criação de um sistema multinível de proteção à pessoa humana, com mecanismos complementares, cada um dotado de normas e funcionamento próprios.
Permaneçam atentos e atentas ao Blog do IDP, porque também discutimos os Sistemas Regionais e Global de Proteção aos Direitos Humanos.
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Referências
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relação entre direito internacional e direito interno. In: MARINONI, Luiz Guilherme;
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PIOVESAN, Flávia; CRUZ, Julia Cunha. Curso de Direitos Humanos: Sistema Interamericano. São Paulo: Grupo GEN, 2021.
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