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Tempo de leitura: 7 min

Direito Processual em Transformação: O que muda com a Constituição Federal de 1988?

Redator: João Marcos de Carvalho Pedra

A Constituição Federal promulgada em 1988 marcou um momento de profunda transformação no Direito Processual brasileiro. Conhecida como “Constituição Cidadã”, trouxe uma série de inovações ao ordenamento jurídico. Ampliou e consolidou direitos e garantias fundamentais, redefinindo o papel do processo na efetivação da justiça e da defesa das garantias constitucionais.

Não é à toa que o artigo 1º do Código de Processo Civil de 2015 prescreve: “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal. Assim, deve-se observaras disposições deste Código”.

Também houve a constitucionalização de inúmeros princípios do Direito Processual Civil, conhecidos como princípios constitucionais do processo. Isso se evidencia a partir da leitura do artigo 5º, que se extrai previsões constitucionais acerca do direito processual, cuja natureza é de cláusula pétrea.

Dentre elas: o direito ao contraditório e à ampla defesa; a garantia ao devido processo legal, como prerrogativa para legalidade do cerceamento de liberdades, direitos e bens. Também, a previsão de ações constitucionais de diversas naturezas; e normatização do direito processual constitucional como espécie normativa.

Em consequência, o Direito Processual passou a incorporar novos princípios e a se ajustar às demandas de um Estado Democrático de Direito, orientado pelo acesso efetivo à Justiça e proteção das liberdades individuais.

As Garantias Processuais Como Cláusula Pétrea Constitucional 

A Constituição de 1988 fortaleceu garantias processuais, especialmente as ligadas ao devido processo legal, à ampla defesa, à inafastabilidade jurisdicional e ao contraditório, consagradas no artigo 5º, incisos XXXV, LIV e LV. 

Esses direitos foram assegurados a todos os cidadãos, estendendo-se tanto aos processos judiciais quanto aos processos administrativos. Com isso, estabeleceu-se que qualquer ato que envolva a restrição de direitos deve respeitar o devido processo, garantindo que a pessoa tenha a oportunidade de se defender e apresentar provas.

Acesso à Justiça e Democratização do Judiciário

Esses princípios buscam garantir que todos os cidadãos tenham acesso à tutela jurisdicional mais adequada para a resolução de seus conflitos. Isso promove a democratização do Judiciário e combate barreiras sociais, econômicas e burocráticas que impediam o pleno acesso ao sistema de Justiça.

Para dar efetividade a esse direito, diversas reformas processuais foram implementadas, como a criação de Juizados Especiais. Esses juizados proporcionam uma via mais ágil e informal para a resolução de demandas de menor complexidade e valor. 

Essa nova estrutura também incentivou a adoção de mecanismos de conciliação e mediação, facilitando o acesso à Justiça e promovendo uma cultura de resolução pacífica de conflitos.

Há, portanto, um relevante impacto no Direito Processual Civil e Penal, a fim de reforçar o compromisso com uma Justiça imparcial e equilibrada. 

Impacto no Direito Processual Civil e Penal

No processo penal, por exemplo, a Constituição estabeleceu a presunção de inocência como regra fundamental, determinando que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória. Assim. essa presunção visa proteger o acusado contra eventuais abusos do Estado e reforça o caráter protetivo do processo penal.

Além disso, a Constituição de 1988, inseriu no bojo dos direitos e garantias fundamentais a tutela dos interesses transindividuais, criando institutos de direito processual constitucional, como, por exemplo, o mandado de segurança coletivo (art. 5o , inciso LXX), e elevando à categoria constitucional a ação civil pública, destinada à proteção dos interesses transindividuais (art.129, inciso III). 

A partir desse cenário, temos em evidência uma nova fase da reforma do processo civil, agora focada na tutela dos interesses transindividuais.

A Efetividade e a Celeridade Processual

A fama da morosidade do Poder Judiciária, por mais que seja de conhecimento público, é desastrosa e tem se tornado motivo de debate público, para que novas ferramentas apareçam para garantir o pleno acesso à justiça.

A lentidão no julgamento dos processos ainda é um dos principais problemas do Judiciário brasileiro, o que incentivou o surgimento de reformas com foco na simplificação e na racionalização do sistema processual. 

A Emenda Constitucional nº 45, de 2004, conhecida como Reforma do Judiciário, é um dos marcos nesse sentido, pois trouxe mudanças significativas ao sistema processual. Naquela oportunidade, foi introduzido o princípio da “razoável duração do processo” no bojo do texto constitucional (art. 5º, inciso LXXVIII). 

A emenda buscou enfrentar um grande problema de acervo de processos que estavam há muito tempo parados aguardando julgamento, ao mesmo tempo que trouxe um novo cenário de atuação do Supremo Tribunal Federal como uma Corte de Precedentes. 

A morosidade judicial ao exigir que os processos sejam julgados em um tempo razoável, impondo ao Judiciário a responsabilidade de aprimorar seus procedimentos para garantir decisões mais rápidas e eficazes. Essa mudança também motivou o desenvolvimento de tecnologias, como o processo eletrônico, que acelerou significativamente os trâmites judiciais e reduziu a burocracia.

O Papel do Supremo Tribunal Federal e a Criação de Mecanismos de Uniformização

Ademais, a própria Constituição de 1988 reforçou o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) como guardião da Constituição, atribuindo-lhe a função de uniformizar a interpretação constitucional no país. 

Com a criação de mecanismos da súmula vinculante da repercussão geral, advinda da EC n. 45, buscou-se garantir maior segurança jurídica e estabilidade jurisprudencial, evitando decisões conflitantes e maior previsibilidade do resultado a ser alcançado pelos jurisdicionados.

Esses mecanismos tiveram impacto direto no Direito Processual, ao racionalizar o uso dos recursos e diminuir o número de demandas repetitivas. A repercussão geral permitiu que o STF passe a filtrar os recursos extraordinários, julgando apenas os casos que apresentam questões de relevância social, econômica, política ou jurídica.

Ao mesmo passo, súmula vinculante obriga os tribunais e órgãos administrativos a seguir o entendimento do STF em temas já pacificados, reduzindo litígios e promovendo uma Justiça mais célere.

Essas ferramentas permitiram que o Supremo passasse a ser uma Corte de Precedentes, afastando as principais características das cortes de apelação e cassação.

Inspirando-se nos resultados obtidos com a EC n. 45, o Superior Tribunal de Justiça também buscou o legislativo para que a Constituição de 1988 fosse alterada, visando a criação de uma ferramenta processual equiparada à repercussão geral a ser aplicada no recurso especial que estivesse contida no texto constitucional.

O Fortalecimento do Controle Judicial e dos Direitos Coletivos

Outro aspecto essencial da transformação do Direito Processual com a Constituição de 1988 foi o fortalecimento do controle judicial sobre atos do poder público e a criação de mecanismos para a defesa de direitos coletivos. 

Conforme extraímos do texto constitucional, pautas como saúde, educação, meio ambiente, segurança pública e mobilidade, popularmente conhecidos como direitos sociais, passaram a receber os holofotes, visando uma ampliação do acesso às condições básicas para atingir o que a Constituição chama de dignidade da pessoa humana.

A Constituição ampliou o controle do Judiciário sobre os atos administrativos, possibilitando maior fiscalização das ações do Estado e proteção dos direitos dos cidadãos.

O mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção, a ação popular e a ação civil pública foram consolidados pela nova Constituição, possibilitando a defesa de direitos coletivos e difusos. 

Ao mesmo passo, o Ministério Público, também fortalecido pela Constituição de 1988, passou a atuar como um dos agentes defensores dos direitos coletivos e fundamentais, expandindo o acesso da sociedade ao Judiciário em questões de grande relevância social.

Conclusão

A Constituição Federal de 1988 transformou profundamente o Direito Processual Brasileiro, ao consolidar princípios fundamentais, como o acesso à Justiça, o devido processo legal e a ampla defesa. Essas mudanças visaram democratizar o Judiciário, assegurar a efetiva proteção dos direitos e promover uma Justiça mais célere e acessível. 

A Constituição de 1988 ampliou as garantias processuais e trouxe nova perspectiva para o processo judicial, focada na efetividade e na responsabilidade social do Judiciário.

Ao longo dos anos, o Direito Processual se adaptou aos princípios constitucionais, por meio de reformas legislativas e jurisprudenciais. Assim, a Constituição de 1988 estabeleceu as bases para um sistema processual mais justo, democrático e eficaz.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSIS, Guilherme Bacelar Patrício de. A oscilação decisória no STF acerca da garantia da presunção de inocência: Entre a autovinculação e a revogação de precedentes. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/55/217/ril_v55_n217_p135

LAVA Jato tem cerca de 100 condenados em segunda instância. Estado de Minas, Belo Horizonte, 16 out. 2019. Política. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2019/10/16/interna_politica,1093419/lava-jato-tem-cerca-de-100-condenados-em-segunda-instancia.shtml.

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, 

MENDES, Gilmar e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012. 

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