Algum tempo atrás, nos bancos das faculdades, era muito comum se ouvir que o Direito Civil e o Processo Civil eram a parte mais importante do Direito. Esse paradigma mudou com a Constituição Federal de 1988.
Já vimos aqui no blog do IDP que a Constituição marca a redemocratização do país, e ela foi concebida como o vértice do ordenamento jurídico. É ela que trata das regras estruturais do Brasil, e dos seus alicerces fundamentais.
No nosso artigo sobre hermenêutica constitucional, também já aprendemos que é impossível a interpretação da norma infraconstitucional desatrelada da constitucional.
Por esse motivo, não podemos compreender mais o Direito Privado ou mesmo os ramos do Direito Público de forma desconexa da Constituição Federal.
Vamos entender como ocorrem as influências da Constituição Federal de 1988 no Direito Processual Civil e o que isso significa em termos práticos?
O Processo Civil sob a luz da Constituição Federal de 1988
Estudamos há umas semanas aqui no Blog do IDP que o Direito Público regula relações e atividades do Estado em si mesmo, suas relações com particulares, a tutela do bem coletivo, e os tratos com outros Estados.
Estudamos também que o Direito Processual é ramo do Direito Público. Nesse sentido, e considerando que o processo é uma função soberana do Estado, é a Constituição Federal que guarda os atributos, limites e direitos individuais próprios da função processual, inclusive do Processo Civil.
Não é à toa que o artigo 1º do Código de Processo Civil de 2015 prescreve assim: “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos pela Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.
Também houve a constitucionalização de inúmeros princípios do Direito Processual Civil, conhecidos como princípios constitucionais do processo.
Um deles é o devido processo legal (art. 5º, LIV). Esse princípio garante que qualquer pessoa tem o direito de exigir um julgamento que ocorra de acordo com as regras procedimentais previamente estabelecidas.
A privação de liberdade ou de bens apenas será legítima se o processo legal for justo e adequado, com participação equânime das partes. Assim, todos os envolvidos devem pautar suas ações pelos critérios de justiça, razoabilidade e racionalidade.
Do princípio do devido processo legal derivam os do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV). A Constituição assegura às partes, em processo judicial ou administrativo, a ciência dos atos do processo, para que cada parte possa contrariá-los.
O processo é dialético: uma parte apresenta a tese, a outra, a antítese, e o magistrado ou magistrada corporifica a síntese.
De acordo com a ampla defesa, que é a reação do contraditório, as partes podem utilizar todos os meios legais e moralmente admitidos para a sua defesa.
Outro princípio que emana da Constituição Federal de 1988 é o do juiz natural (art. 5º, XXXVII). Aqui, é vedada a criação de juízo ou tribunal de exceção, e estabelece que ninguém pode ser processado ou sentenciado senão pela autoridade competente para fazê-lo.
Também são princípios constitucionais do Processo Civil o da inafastabilidade da apreciação jurisdicional e o acesso à justiça (art. 5º, XXXV). Eles dizem que a lei (ou qualquer autoridade) não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Por esse motivo, não se pode exigir o prévio esgotamento das vias administrativas para acesso ao Judiciário.
Também o princípio da razoável duração do processo se encontra na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, LXXVIII). A partir dele, é assegurado a todos e todas, seja no âmbito judicial ou administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a sua celeridade.
É importante observar, contudo, que a agilidade na prestação jurisdicional não pode ser conduzida para tornar o processo injusto ou para sonegar direitos fundamentais.
Outros princípios constitucionais relevantes para o Direito Processual Civil são: a assistência judiciária aos necessitados (art. 5º, LXXIV); a garantia de mandado de segurança para proteção de direito líquido e certo (art. 5º, LXIX); o direito de petição contra abuso de autoridades (art. 5º, XXXIV, a); e o direito de ação popular (art. 5º, LXXII).
Podemos citar ainda que é a Constituição que traça as normas a serem observadas pelos órgãos judiciários, quais as suas competências e o seu funcionamento. Tudo isso para atingir as finalidades dentro do Direito Processual Civil, sob pena de inconstitucionalidade.
São as normas constitucionais de Direito Processual Civil, portanto, que criam, ordenam e disciplinam o modelo de organização e de atuação do Estado-juiz que deve ser necessariamente observado por quem interpreta e aplica o Direito.
O Novo Código de Processo Civil: discussões e diálogos teóricos e práticos
O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) trouxe várias atualizações teóricas e práticas em relação ao Código anterior (CPC/73), principalmente em decorrência dos princípios constitucionais que regem o tema.
Uma delas se refere aos honorários advocatícios, discussão que era muito comum na égide do CPC/73. O Código dizia no artigo 20 e parágrafos que os honorários seriam fixados basicamente sob cinco aspectos:
- a) o grau de zelo do profissional;
- b) o lugar de prestação do serviço;
- c) a natureza e importância da causa;
- d) o trabalho realizado pelo advogado;
- e) e o tempo exigido para o seu serviço.
Era difícil, então, para a magistratura fixar os honorários de forma a corresponder bem ao trabalho dos advogados e advogadas. Muitas vezes havia recursos para discutir a porcentagem atribuída aos representantes das partes.
Com o CPC/2015, foram instituídos padrões mais objetivos para a fixação dos honorários. O artigo 85 traz critérios bem mais específicos, e instituiu o § 14, que diz: “Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”.
Esse dispositivo dificulta a compensação dos honorários em caso de sucumbência recíproca. Isso quer dizer que quando o autor tem parte do pedido deferido e parte indeferido, deve pagar honorários ao advogado do réu, e o réu deve pagar honorários aos advogados do autor, sem a compensação de um pelo outro.
Por fim, uma discussão que se tinha no CPC/73 e que foi tratada pelo CPC/2015 sob a luz da Constituição Federal de 1988 foi sobre a importância da conciliação, da mediação e de outros métodos de solução consensual de conflitos.
Essa sistemática deve ser estimulada por magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, mesmo no curso do processo judicial, conforme preceitua o artigo 3º, § 3º, do CPC/2015.
Direito Processual Civil e o Mestrado e Doutorado no IDP
Boas indicações de leitura para você aprofundar o assunto são as obras tanto de Direito Constitucional como de Direito Processual Civil.
Boas referências em Direito Constitucional são as escritas por Gilmar Mendes e Paulo Gonet, que são professores do IDP no Mestrado em Direito Constitucional e Doutorado Acadêmico em Direito, na linha Estado, Direitos Fundamentais e Teoria do Direito.
Já no Direito Processual Civil, são leituras obrigatórias as obras de Georges Abboud e Luiz Rodrigues Wambier, também professores do IDP. No Mestrado em Direito Constitucional e Doutorado Acadêmico em Direito, estão inseridos na linha de pesquisa Direito Privado e Processual na Ordem Constitucional.
Luiz Felipe Fleury Calaça é aluno do Mestrado em Direito Constitucional do IDP e reconhece: “As disciplinas da pós stricto sensu transformam o aluno. A partir de uma estrutura baseada no diálogo entre discentes e docentes, o aluno é levado a se questionar o tempo todo, de forma a alargar sua percepção de mundo e seu conhecimento sobre o tópico investigado”.
E mais: “É síntese da excelência na construção do conhecimento teórico, empírico e profissional”.
Quer conhecer mais a fundo o assunto? Quer conhecer mais sobre as pós lato sensu e stricto sensu do IDP? Confira no nosso blog os textos sobre Direito Constitucional e Processual Civil, compartilhe e invista na sua carreira acadêmica e profissional nos nossos programas.
Referências:
ABBOUD, Georges. Processo Constitucional Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais / Thomson Reuters, 2021.
ABBOUD, Georges.; NERY JUNIOR, Nelson. (Org.). Direito Processual Civil 1: processo de conhecimento. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
BRASIL. Código de Processo Civil de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm >.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
WAMBIER, Luiz Rodrigues; BECKER, Rodrigo Frantz; NOBREGA, Guilherme Pupe da; TRIGUEIRO, Victor Guedes (Orgs.). Código de Processo Civil no STF e no STJ. 1. ed. Salvador: Juspodivm, 2018.