Aqui no Blog do IDP, tratamos sobre os temas mais relevantes do Direito.
No campo do Direito Constitucional, trabalhamos sobre como o Direito Comparado pode fornecer ferramentas para interpretar e compreender diferentes abordagens utilizadas na legislação.
Ainda no campo da interpretação de normas da Constituição Federal de 1988, conversamos sobre seus métodos e alguns princípios da hermenêutica constitucional.
Refletimos até mesmo sobre a constitucionalização do Direito Privado, e como o Processo Civil Brasileiro deve ser orientado pelas normas (e interpretação) constitucionais.
Por outro lado, já estudamos a função e importância do Supremo Tribunal Federal no Brasil, como guardião da Constituição e última instância do Poder Judiciário.
Abordamos ainda a interpretação que o Supremo faz do status hierárquico que as normas advindas de tratados e convenções internacionais de Direitos Humanos assumem no nosso ordenamento jurídico.
Por fim, exercitamos um caso prático da interpretação que o STF fez do conceito de família no Brasil, equiparando as uniões homoafetivas às heteroafetivas.
Um dos assuntos mais atuais quanto à interpretação constitucional revolve sobre o ativismo judicial.
Ouvimos nas mídias, imprensa e lemos nos artigos científicos referências sobre o ativismo judicial, defendendo ou atacando essa prática.
No entanto, para formarmos uma opinião sobre os seus eventuais prós e contras, é importante que saibamos bem do que se trata.
Vamos lá!
Ativismo judicial: explorando as suas características
O ativismo judicial no Brasil é um conceito amplo e pode variar em sua manifestação e intensidade ao longo do tempo. As opiniões sobre sua natureza e consequências também divergem entre estudiosos e juristas no Brasil.
Em caráter preliminar, Elival Ramos considera o ativismo judicial como “uma disfunção no exercício da função jurisdicional, em detrimento, notadamente, da função legislativa”.
Em matéria constitucional, o ativismo judicial está diretamente relacionado à atividade de interpretação e aplicação da Constituição da República.
O professor entende que, nos países de commom law – que possuem um sistema jurídico cujas decisões judiciais são prolatadas a partir da jurisprudência já fixada em Tribunais, como nos Estados Unidos -, o ativismo não carrega conotação negativa.
Na verdade, é uma prática elogiada, porque proporciona a adaptação do Direito frente a novas exigências sociais e pautas interpretativas.
Nessa realidade, o Poder Judiciário possui uma atuação ativa no processo de geração do Direito. Isso dificulta o alcance de parâmetros para identificação de eventuais abusos da jurisdição em desfavor do Poder Legislativo.
Em relação ao Brasil, Ramos entende que o ativismo judicial se dá notadamente pelas decisões “excessivamente criativas” do Poder Judiciário. Esse uso ultrapassa as linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da atividade típica do Legislativo (e até mesmo da administrativa e executiva).
A atividade incorre, inclusive, em desrespeito ao princípio da separação dos poderes, consagrado no artigo 2o da Constituição Federal.
O professor é enfático:
“Se, por meio de exercício ativista, se distorce, de algum modo, o sentido do dispositivo constitucional aplicado (por interpretação descolada dos limites textuais, por atribuição de efeitos com ele incompatíveis ou que devessem ser sopesados por outro poder etc.), está o órgão judiciário deformando a obra do próprio Poder Constituinte originário e perpetrando autêntica mutação inconstitucional, prática essa cuja gravidade fala por si só”.
A visão de Elival Ramos de que o ativismo judicial envolve o cerceamento da atividade de outro Poder, no entanto, não é unânime.
Luís Roberto Barroso, por exemplo, vê o ativismo judicial como “uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance”.
Para o Ministro do STF, o ativismo judicial normalmente se instala quando o Poder Judiciário se encontra retraído. Outra situação se dá por certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil. Essa realidade estaria impedindo que as demandas sociais sejam efetivamente atendidas.
Em relação à postura ativista, Barroso destaca algumas condutas que costumam ser observadas:
- A Constituição é diretamente aplicada a situações que não foram expressamente contempladas em seu texto, sendo desnecessária manifestação prévia do legislador ordinário;
- Atos normativos emanados pelo Legislativo são declarados inconstitucionais com base em critérios menos rígidos se comparados aos de evidente violação da Constituição;
- São impostas condutas comissivas (atos) ou omissivas (abstenções) ao Poder Público, principalmente em matéria de políticas públicas.
A premissa no ativismo judicial é a seguinte: procura-se extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional, cuidando para não invadir o campo da criação livre do Direito.
Um cuidado a ser tomado: decisões ativistas devem ser eventuais, em momentos históricos determinados, e não uma prática recorrente.
Tomando esse protagonismo, Barroso vê um lado positivo: “o Judiciário está atendendo a demandas da sociedade que não puderam ser satisfeitas pelo parlamento, em temas como greve no serviço público, eliminação do nepotismo ou regras eleitorais”.
Não deixa, entretanto, de considerar aspectos negativos: põe em evidência dificuldades enfrentadas pelo Legislativo, que passa por uma crise de credibilidade. Uma das consequências que temos presenciado é o deslocamento da agenda do país do Legislativo para o Judiciário.
Barroso reconhece três oposições recorrentes ao ativismo judicial e lança alguns argumentos sobre sua sustentação.
1. Riscos para a legitimidade democrática
Embora magistrados e magistradas não tenham tido investidura no cargo por voto popular, ainda assim desempenham poder político, inclusive podendo invalidar atos dos outros dois Poderes, por força constitucional.
Dessa forma, tornam-se coparticipantes do processo de criação do Direito, ainda mais considerando que têm a incumbência de atribuir sentido a expressões vagas, fluidas e indeterminadas, a exemplo da dignidade da pessoa humana.
E mais: no caso do STF, considerando que (a) se trata do guardião da Constituição, e que (b) a Constituição deve proteger valores e direitos fundamentais (mesmo que contra a “vontade da maioria”), ele deve velar pela democracia e pelos direitos fundamentais.
Nesse sentido, o Supremo funciona como um “fórum de princípios”: não de política, ideologias políticas ou concepções religiosas, mas de razão pública.
Para Barroso, o STF deve deferência para com as deliberações do Congresso, agindo apenas para preservar a democracia e os direitos fundamentais, conforme os limites constitucionais.
2. Risco de politização da Justiça
“Direito não é política”, sustenta Barroso, no sentido de que não se pode admitir escolhas livres, tendenciosas, partidarizadas ou plenamente discricionárias pelo Poder Judiciário.
Magistrados e magistradas também não podem ser populistas, de forma que, por vezes, devem tomar decisões contramajoritárias para a defesa e promoção dos direitos fundamentais.
“Logo, a intervenção do Judiciário, nesses casos, sanando uma omissão legislativa ou invalidando uma lei inconstitucional, dá-se a favor e não contra a democracia”, ele conclui.
3. A capacidade institucional do Judiciário e seus limites
Considerando o arranjo institucional brasileiro, o Judiciário tem a palavra final em caso de divergência na interpretação das normas constitucionais ou legais. No entanto, não é toda e qualquer matéria que deve ser decidida em um tribunal.
O Ministro resume: “o Judiciário quase sempre pode, mas nem sempre deve interferir”. Ele deve, assim, verificar se um outro Poder, órgão ou entidade teria melhor qualificação para decidir em relação à matéria em pauta.
Casos de “interferência” se dão justamente quando (a) determinada questão é judicializada em razão de inércia do processo político majoritário; (b) quando esse processo político majoritário não é capaz de produzir consenso; ou (c) quando há um direito fundamental sendo vulnerado ou norma constitucional claramente afrontada.
Ao final, um alerta:
“o ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da solução, e não do problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura. A expansão do Judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflige a democracia brasileira: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder Legislativo”.
Como posso aprofundar meus conhecimentos sobre o tema?
As discussões que envolvem o ativismo judicial se tornam cada vez mais profundas, com diferentes nuances, e envolvendo os mais diversos segmentos da sociedade.
É importante que você, enquanto operador e operadora do Direito, tenha sempre conhecimento atualizado como munição para se destacar na sua prática e nos seus estudos.
O Mestrado Profissional em Direito de São Paulo no IDP conta com uma linha específica de Instituições, Direito Público e Desenvolvimento.
Alguns dos temas de aprofundamento do Programa são:
- separação de poderes;
- efetividade de direitos fundamentais;
- ativismo judicial;
- judicialização da política;
- organização do Estado;
- instituições do estado e seus papéis;
- controle de constitucionalidade;
- orçamento público; e
- federalismo.
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Referências
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Thesis, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, 2012, p. 23-32.
RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.