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O que mudou na Improbidade Administrativa de acordo com a Lei nº 14.230/2021?

A improbidade administrativa diz respeito à violação consciente e grave dos deveres de honestidade, legalidade e lealdade às instituições públicas. Trata-se de um comportamento que contraria os princípios fundamentais da Administração Pública e gera prejuízos ao erário, enriquece indevidamente o agente ou fere a moralidade administrativa. 

Com a promulgação da Lei nº 14.230/2021, a legislação passou a exigir que, para considerar um ato como ímprobo, o agente o pratique com vontade livre e consciente de causar dano, e não apenas por conduta culposa ou erro técnico. Assim, apenas a voluntariedade ou o mero exercício da função não são suficientes, é imprescindível que haja dolo.

A improbidade administrativa é um dos principais mecanismos de responsabilização de agentes públicos no Brasil. A definição de seus elementos subjetivos passou por transformações significativas com a edição da Lei nº 14.230/2021, que alterou profundamente a antiga Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992). 

Um dos pontos mais importantes dessa reforma foi a exclusão da modalidade culposa de atos de improbidade.

O fim da culpa na improbidade administrativa

Antes da reforma de 2021, a lei previa a possibilidade de responsabilização por atos culposos, especialmente no artigo 10 da LIA. No entanto, a nova legislação eliminou expressamente essa possibilidade, exigindo, em todos os casos, a comprovação de dolo.

Essa mudança reflete a interpretação constitucional adotada pelo Supremo Tribunal Federal. Em outubro de 2024, ao julgar os Recursos Extraordinários 610.523/SP e 656.558/SP, o STF firmou tese de repercussão geral reconhecendo a inconstitucionalidade da modalidade culposa nos atos de improbidade.

STF: dolo como requisito constitucional

O entendimento do STF é claro: não é possível responsabilizar um agente por improbidade administrativa sem a comprovação de dolo. A conduta deve ser intencional, com violação deliberada ao dever de honestidade e lealdade à Administração Pública.

A tese fixada afirma que o art. 37, § 4º da Constituição exige dolo para a configuração do ato de improbidade. Assim, os dispositivos da redação original da Lei nº 8.429/92 que previam culpa (como os arts. 5º e 10) são inconstitucionais.

Ato ímprobo não se confunde com erro administrativo

Neste ponto, é essencial diferenciar o ato ímprobo do erro administrativo, pois não se pode confundir a responsabilização por improbidade com falhas administrativas. Outros meios, como ações civis públicas, podem responsabilizar o agente desatento, negligente ou tecnicamente inábil. No entanto, sem dolo, não há improbidade.

O relator do julgamento no STF, destacou que improbidade exige uma conduta desonesta, não bastando a mera imperícia ou imprudência. Essa distinção é fundamental para evitar punições desproporcionais.

A reforma de 2021: confirmação do entendimento constitucional

A Lei nº 14.230/2021 apenas consolidou o que já era exigido pela Constituição: a presença de dolo. A nova redação da LIA eliminou a possibilidade de responsabilização por culpa, ajustando a norma legal ao entendimento do STF.

O legislador reconheceu que, devido à gravidade da improbidade e às sanções severas que ela impõe – como a perda da função pública e a suspensão de direitos políticos –, deve-se aplicá-la apenas quando se comprovar a má-fé do agente.

Exemplo prático: a inexigibilidade de licitação

Um caso emblemático discutido pelo STF envolveu a contratação de um escritório de advocacia sem licitação, fundamentada nos artigos 13, V, e 25, II da antiga Lei nº 8.666/93. A contratação foi questionada pelo Ministério Público com base na ausência de licitação e na alegação de que a contratação causou lesão ao erário.

O STF, no entanto, considerou constitucionais esses dispositivos, desde que a contratação atenda a critérios objetivos: singularidade do serviço, notória especialização do contratado, ausência de capacidade técnica do corpo jurídico da Administração e compatibilidade de preços.

Quer ler mais sobre o assunto? Confira esse artigo: Improbidade Administrativa: Atuação do Ministério Público na Defesa do Interesse Público

Teses fixadas pelo STF

  1. O dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa.
  2. É inconstitucional a modalidade culposa prevista nos arts. 5º e 10 da Lei nº 8.429/92.
  3. É constitucional a inexigibilidade de licitação para contratação de serviços advocatícios, desde que observados critérios rigorosos de legalidade e razoabilidade.

Retroatividade da Lei nº 14.230/2021 e segurança jurídica

A promulgação da Lei nº 14.230/2021 trouxe à tona a discussão sobre sua aplicação retroativa. O STF, ao julgar o Tema 1.199 da repercussão geral, reconheceu a possibilidade de aplicação retroativa das normas mais benéficas ao réu em casos de improbidade administrativa. 

Isso significa que processos em andamento, nos quais não havia comprovação de dolo, podem ser revistos ou até mesmo extintos. Essa decisão reforça a segurança jurídica e evita a perpetuação de condenações baseadas em condutas culposas, agora consideradas inconstitucionais.

Impactos na Administração Pública e na atuação dos Agentes Públicos

A exigência de dolo para a configuração de atos de improbidade administrativa traz impactos significativos para a Administração Pública e para os agentes públicos. Por um lado, evita-se a penalização excessiva de servidores por erros administrativos ou falhas decorrentes de negligência, imprudência ou imperícia. 

Por outro, reforça-se a necessidade de uma atuação ética e transparente, já que a comprovação de intenção ilícita passa a ser imprescindível para a aplicação das sanções previstas na LIA. Isso também ajuda a mitigar o fenômeno do “apagão das canetas”, encorajando gestores a tomarem decisões legítimas e responsáveis sem o temor de punições desproporcionais.

Considerações finais

A exigência de dolo para a configuração da improbidade administrativa representa um avanço na segurança jurídica e na proteção contra abusos na responsabilização de agentes públicos. O STF, ao decidir e contar com o respaldo da nova legislação, reforça a ideia de que apenas atos dolosos, praticados com desonestidade, merecem as sanções da improbidade.

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Referências

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Mesmo antes da Lei 14.230/2021 era inconstitucional a previsão de ato de improbidade administrativa praticado na modalidade culposa; o dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/1ee3007cbbde3c57c6013b98fe9421a5

STF exige dolo para caracterizar improbidade administrativa. Cometer ato ilícito é imprescindível para caracterizar improbidade administrativa, declarando inconstitucional a modalidade culposa. Migalhas, 9 nov. 2024. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/419656/stf-exige-dolo-para-caracterizar-improbidade-administrativa

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. STF, inconstitucionalidade da improbidade culposa e segurança jurídica. Consultor Jurídico, 26 dez. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-dez-26/stf-inconstitucionalidade-da-improbidade-culposa-e-seguranca-juridica/.

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