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Direito Administrativo Sancionador: Entenda o Conceito e Sua Aplicação na Prática

Redatora: Beatriz Borges

O Direito Administrativo Sancionador é uma área do Direito que vem ganhando cada vez mais relevância no Brasil, especialmente diante da crescente preocupação com a integridade nas relações entre o poder público e os cidadãos. Trata-se de um ramo que regula a aplicação de sanções administrativas a pessoas físicas ou jurídicas que descumprem normas ou obrigações impostas pelo Estado. 

Embora o tema possa parecer técnico, suas implicações práticas são vastas e se estendem a diversos setores, como saúde, meio ambiente, licitações e mercado financeiro. Portanto, entender o seu funcionamento é de extrema importância para os operadores do direito.

1. O que é o Direito Administrativo Sancionador?

O Direito Administrativo Sancionador é o ramo do Direito Administrativo que trata da responsabilização de indivíduos ou empresas que violam normas administrativas impostas pelo Estado. Diferente do Direito Penal, que regula a aplicação de sanções pelo cometimento de crimes, o Direito Administrativo Sancionador atua no campo das infrações administrativas (que também podem ser consideradas crimes e julgadas pelo judiciário), sendo regido por princípios próprios e aplicando penalidades que não configuram restrição à liberdade (prisão), mas sim medidas como multas, suspensões, interdições e proibições de contratar com o poder público.

Ou seja, o direito administrativo sancionador é um ramo que regula a aplicação de punições dentro da Administração Pública, sem necessariamente utilizar a estrutura do poder judiciário, como no caso do direito penal, por exemplo. 

Esse ramo do Direito busca garantir o bom funcionamento da administração pública e a proteção do interesse público, atuando como uma forma de controle sobre as ações de particulares e de servidores públicos. Seu objetivo não é apenas punir, mas também prevenir a prática de infrações e educar os administrados para que respeitem as normas que regem as suas relações com o Estado.

1.1. Princípios do Direito Administrativo Sancionador

Assim como outros ramos do direito, o Direito Administrativo Sancionador é orientado por diversos princípios que visam proteger os direitos dos administrados e assegurar a legitimidade das sanções impostas. No caso, os princípios observados são compartilhados entre os outros ramos que lidam com direito processual. Entre os principais, destacam-se:

  • Princípio da Legalidade: Nenhuma sanção pode ser aplicada sem que esteja previamente prevista em lei.
  • Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa: O indivíduo ou empresa acusada de cometer uma infração tem o direito de se defender e de apresentar provas.
  • Princípio da Proporcionalidade: As sanções aplicadas devem ser proporcionais à gravidade da infração cometida.
  • Princípio da Tipicidade: A conduta sancionada deve estar descrita de forma clara e específica na legislação aplicável.

Além disso, cabe destacar a importância de observar a Lei nº 9.784/99 (Lei do processo administrativo) e os princípios por ela estabelecidos, como a razoabilidade, a moralidade e o interesse público. 

2. Como Funciona na Prática?

O funcionamento do Direito Administrativo Sancionador na prática envolve a identificação de uma infração, a instrução de um processo administrativo e, eventualmente, a aplicação de sanções. 

Esses procedimentos podem variar de acordo com o órgão ou entidade administrativa que conduzirá o procedimento, a conduta cometida e a lei com base na qual se baseará o processo administrativo, mas seguem algumas etapas comuns.

2.1. Identificação e Instauração do Processo Administrativo

O processo administrativo é iniciado devido a identificação de uma possível infração administrativa, o que pode ocorrer por meio de: fiscalizações regulares realizadas por órgãos públicos; denúncias feitas por cidadãos ou entidades; e auditorias conduzidas pela própria administração pública.

A partir da constatação de uma infração, é instaurado um processo administrativo sancionador, que visa investigar o ocorrido e garantir que todas as partes envolvidas tenham oportunidade de apresentar sua versão dos fatos.

2.2. Fase de Instrução

Após a instauração do procedimento, inicia-se uma fase de instrução, durante a qual o órgão administrativo e a contraparte reúnem e produzem provas, como documentais, testemunhais e periciais, assegurando o respeito ao contraditório e à ampla defesa. Essa etapa é essencial para a transparência do processo e para evitar arbitrariedades.

2.3. Aplicação da Sanção

Se, ao final do processo, for comprovada a infração, a autoridade administrativa poderá aplicar a sanção prevista na legislação utilizada como base para a instauração do processo. As sanções podem variar de acordo com o setor, o sujeito (pessoa física ou jurídica) e a gravidade da infração, podendo incluir:

  • Multas: Valores pecuniários aplicados ao infrator.
  • Advertências: Penalidades de caráter educativo.
  • Suspensão ou interdição de atividades.
  • Cassação de licenças ou autorizações.
  • Proibição de contratar com o poder público, como previsto na Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133/2021).

Nesse caso, as sanções a serem aplicadas e o seu parâmetro de aplicação vão variar a depender da lei ou normativo na qual está prevista a ilegalidade cometida. Por exemplo, nos casos de condutas irregulares praticadas por servidores públicos, as sanções estão listadas na Lei nº 8.112/90 (Regime dos servidores públicos) e podem variar desde advertências até demissão e cassação de aposentadoria. Já nos casos de condutas corruptas praticadas por empresas, as sanções podem ser duas, que estao definidas na Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção).: (i) multa; ou (ii) a publicação extraordinaria da decisão. 

Em casos de discordância com a sanção aplicada, o administrado pode recorrer administrativamente ou judicialmente, buscando revisar ou anular a decisão.

3. Exemplos Práticos de Direito Administrativo Sancionador

Portanto, o direito administrativo sancionador pode ser visto em diversas áreas da administração pública e pode ser praticado por diferentes entidades públicas, a depender da infração cometida, consequentemente, da  competência para julgamento do referido ilícito. 

No entanto, antes de debruçar sobre os diferentes ramos em que eles são aplicados, é relevante mencionar um tipo de processo administrativo sancionador de muita relevância e que é amplamente conhecido pelos aplicadores e estudiosos do direito: o Processo Administrativo Disciplinar (PAD).

O PAD é o procedimento administrativo por meio do qual a Administração Pública, investiga, julga e pune seus servidores e geralmente é instaurado após a conclusão de uma investigação. Nele “o Corregedor é responsável por iniciar o procedimento, assegurando o respeito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa.”  

Agora, para ilustrar melhor o funcionamento do Direito Administrativo Sancionador, através das diversas áreas de atuação da Administração Pública, vejamos exemplos práticos:

3.1. Meio Ambiente: Multas e Embargos

No setor ambiental, o Direito Administrativo Sancionador é amplamente utilizado para punir infrações que causem danos ao meio ambiente. O IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) frequentemente aplica sanções administrativas a empresas e indivíduos que desrespeitam normas ambientais, cometendo irregularidades como o desmatamento ilegal e a poluição do meio ambiente.

Essas sanções são aplicadas com base na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), que prevê penalidades administrativas para infrações dessa natureza.

3.2. Saúde Pública: Fiscalização pela Anvisa

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) também desempenha papel crucial no Direito Administrativo Sancionador. Ela é responsável por fiscalizar estabelecimentos e produtos relacionados à saúde pública, aplicando sanções quando ocorrem infrações, como a venda de medicamentos falsificados ou vencidos e a produção de alimentos fora das normas sanitárias.

As sanções podem incluir multas, interdição do estabelecimento e até o recolhimento de produtos que coloquem a saúde pública em risco.

3.3. Licitações Públicas: Penalidades Previstas na Lei nº 14.133/2021

Outro exemplo importante ocorre no âmbito das licitações públicas. Empresas que descumprem contratos administrativos ou praticam fraudes em processos licitatórios podem ser penalizadas com:

  • Impedimento de licitar e contratar com a administração pública por períodos que podem chegar até 5 anos.
  • Declaração de inidoneidade, que impede a empresa de participar de qualquer processo licitatório em todo o país.

Essas sanções são previstas na Lei de Licitações e Contratos, que busca assegurar a integridade nos processos de contratação pública e podem ser aplicadas pela entidade pública lesada. 

3.4. Setor Financeiro: Penalidades do Banco Central, CVM e Coaf

No mercado financeiro, o Direito Administrativo Sancionador é exercido por entidades como o Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).  

As penalidades podem incluir multas elevadas e suspensão de atividades, protegendo a integridade do mercado e os investidores.

4. Desafios e Perspectivas do Direito Administrativo Sancionador

Embora seja uma ferramenta poderosa, o Direito Administrativo Sancionador enfrenta desafios que podem comprometer sua eficácia. A demora injustificada na condução de processos administrativos é um dos maiores problemas, afinal, não é incomum conhecer alguém que passou por isso ou até mesmo já ter sofrido com a morosidade na condução de um processo administrativo. 

O problema é tão grave que a depender da situação pode ser reparado por meio de decisão do poder judiciário. Isso ocorre pois muitos órgãos públicos enfrentam falta de recursos e estrutura inadequada, dificultando a aplicação ágil de sanções, além disso, muitos servidores não estão preparados para conduzir os processos administrativos sancionadores da forma adequada.  

Como consequência da morosidade e, também, da insatisfação com as decisões administrativas, outro desafio é a tendência de judicialização excessiva, já que muitas vezes, os administrados recorrem ao Judiciário para contestar decisões administrativas, o que pode prolongar a resolução dos casos e gerar custos adicionais para o Estado.

Conclusão

O Direito Administrativo Sancionador é um instrumento fundamental para a manutenção da ordem e do interesse público, permitindo que o Estado regule e fiscalize as relações com os administrados. Com base em princípios como legalidade, proporcionalidade e ampla defesa, ele busca garantir que infrações sejam punidas de maneira justa e eficaz.

Na prática, o Direito Administrativo Sancionador está presente em diversas áreas, como meio ambiente, saúde pública, licitações e mercado financeiro, demonstrando sua ampla aplicabilidade e importância no cotidiano. No entanto, sua eficácia depende de constante aprimoramento, tanto na estrutura dos órgãos administrativos quanto na atualização das legislações que o regem.

À medida que a sociedade evolui, o Direito Administrativo Sancionador continuará a desempenhar um papel crucial na proteção dos interesses coletivos, equilibrando a autoridade do Estado com os direitos dos cidadãos e empresas.

Bibliografia

OLIVEIRA, Guilherme Menezes. Direito administrativo sancionador: fundamentos e implicações na gestão pública. Portal Direito e Cidadania. Disponível em: https://portaldireitoecidadania.com.br/direito-administrativo-sancionador/. Acesso em: 26 nov. 2024.

O que é Processo Administrativo Disciplinar. Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, 23 mai. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/mdic/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes-faq/corregedoria/o-que-e-o-processo#:~:text=O%20processo%20administrativo%20disciplinar%20%C3%A9,conduta%20do%20servidor%20em%20quest%C3%A3o. Acesso em: 01 dez. 2024. 


Demora injustificada no trâmite de processo administrativo é possível de reparação pelo Poder Judiciário. LEX Editora, 26 mai. 2023. Disponível em: https://www.lex.com.br/demora-injustificada-no-tramite-de-processo-administrativo-e-passivel-de-reparacao-pelo-poder-judiciario/#:~:text=Demora%20injustificada%20no%20tr%C3%A2mite%20de,pelo%20Poder%20Judici%C3%A1rio%20%E2%80%93%20LEX%20EDITORA. Acesso em: 26 nov. 2024. 

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