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Sonho de Valsa é bombom ou biscoito? Os conflitos de classificação e os desafios técnicos da Reforma Tributária

Casos como o do Sonho de Valsa, que já foi tratado como bombom e depois como biscoito, ou o do sorvete do McDonald’s, reclassificado como bebida láctea, revelam como a classificação tributária no Brasil está cercada de complexidade e insegurança jurídica. 

Mais do que curiosidades fiscais, essas disputas expõem falhas estruturais no sistema e mostram que, mesmo com a proposta de Reforma Tributária, o país ainda precisará lidar com ambiguidades técnicas, interpretações divergentes e desafios regulatórios.

A controvérsia em torno da classificação tributária 

O caso do Sonho de Valsa ilustra com clareza os conflitos da classificação tributária no Brasil. Tradicionalmente considerado bombom, o produto foi reclassificado por sua fabricante como biscoito wafer. Com isso, deixou de pagar IPI (antes 3,25 % ou até 5 %), pois passou a ser enquadrado em categoria de padaria, que é isenta desse tributo

O sorvete do McDonald’s, por sua vez, teve sua nomenclatura alterada para “massa gelada”, “sobremesa láctea” ou simplesmente bebida láctea. Com essa reclassificação, a alíquota de PIS/Cofins, que chegava a 9,25 %, passou a ser zerada

Esses exemplos evidenciam como disputas aparentemente simples sobre classificação tributária impactam diretamente a carga fiscal, influenciam a competitividade e geram litígios entre empresas e o Fisco.

Por que essa disputa importa? Impacto tributário e efeitos práticos

A forma de classificação tributária de um produto pode alterar profundamente sua carga fiscal. Quando uma mercadoria é reclassificada — como no caso do Sonho de Valsa ou do sorvete do McDonald’s — isso pode resultar em mudanças substantivas no regime tributário aplicável, reduzindo a tributação e impactando diretamente o resultado financeiro das empresas.

Essa diferença tributária tem efeitos práticos importantes. A redução nos impostos permite que o preço final ao consumidor seja mais competitivo, o que pode ampliar a participação de mercado. Consequentemente, empresas que adotam classificação favorável conseguem operar com margens mais atraentes, influenciando a dinâmica da concorrência.

Do ponto de vista fiscal, disputas sobre classificação tributária geram litígios e aumentam os riscos de autuações por parte da Receita Federal. 

Processos contenciosos no CARF ou no Judiciário podem representar custos significativos para empresas e implicar perda de benefícios fiscais, multas ou cobranças retroativas, o que realça a necessidade de segurança técnica e jurídica no enquadramento dos produtos.

Finalmente, há impacto sobre a arrecadação pública. Quando produtos são reclassificados para faixas de tributação mais leves, a arrecadação sofre redução, levando a debates sobre justiça fiscal e distribuição de recursos

Esses desafios tornam evidente que os conflitos de classificação tributária não são meramente formais, mas refletem fragilidades profundas no sistema tributário brasileiro –  que permanecem mesmo diante das mudanças propostas pela Reforma Tributária.

Problemas estruturais do sistema de classificação 

O Brasil adota um sistema de classificação fiscal altamente complexo. A Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), combinada com a Tabela de Incidência do IPI (TIPI), contém mais de 10.000 códigos distintos que determinam o enquadramento tributário de mercadorias. Essa alta granularidade gera áreas cinzentas, em que produtos similares podem ser classificados de maneiras diferentes, com impactos fiscais muito distintos.

Assim, surge margem para interpretações divergentes tanto por parte das empresas quanto do fisco. A escolha de uma classificação mais favorável – dentro dos limites legais – é frequentemente utilizada como forma de planejamento tributário legítimo

Empresas especializadas ou com apoio contábil tecnológico conseguem identificar tratamentos fiscais reduzidos por meio de classificação técnica detalhada, aproveitando incentivos fiscais, isenções ou regimes de tributação específicos

Essa prática, embora legal, evidencia falhas na estrutura tributária. Dessa forma, a sociedade acaba tratando com tributação distinta dois produtos semelhantes, com base em códigos que não refletem com precisão a realidade do item. 

Isso corrói a segurança jurídica, alimenta disputas fiscais e prejudica a arrecadação equilibrada, expondo fragilidades que persistem mesmo com uma possível Reforma Tributária.

O que muda (e o que não muda) com a Reforma Tributária

A proposta da Reforma Tributária em curso introduz um modelo de IVA Dual. Ele será composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de âmbito federal, que substituirá PIS, Cofins e IPI, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal, que absorverá ICMS e ISS

A unificação desses tributos busca enxugar o número de tributos sobre consumo, prometendo simplificar cálculos, eliminar a cumulatividade e gerar maior transparência no sistema tributário. O modelo previsto segue recomendações internacionais de VAT (IVA), com destaque para neutralidade fiscal e tributação no destino.

No entanto, embora a simplificação possa reduzir muitas disputas de classificação tributária, o novo sistema não elimina completamente esse tipo de conflito. Produtos considerados seletivos, como bebidas ou itens da cesta básica, poderão continuar gerando divergências técnicas sobre a forma de tributação ou elegibilidade para benefícios específicos.

Portanto, apesar da simplificação esperada com CBS e IBS, interpretações sobre o enquadramento de produtos semelhantes ainda poderão gerar litígios. A uniformização técnica continua sendo um desafio, principalmente em regimes especiais e faixas de isenção que exigem critérios bem definidos.

Lições e reflexões para o futuro do sistema tributário brasileiro

Os casos emblemáticos como Sonho de Valsa e o sorvete do McDonald’s evidenciam que a Reforma Tributária não resolverá totalmente os conflitos de classificação. Mesmo com a simplificação trazida pelo modelo dual de IVA (CBS e IBS), a ambiguidade técnica seguirá sendo um ponto crítico.

A experiência brasileira mostra que divergências interpretativas persistem em produtos com natureza complexa ou múltiplas funções. Se a matriz técnica de classificação não for aprimorada, ainda haverá margem para disputas fiscais entre fisco e empresas. Por isso, a Reforma precisa vir acompanhada de regulação clara e uniformização de critérios técnicos de classificação.

É fundamental que o novo sistema incorpore definições técnicas objetivas, limitando subjetividades e diferenciando condições especiais como produtos seletivos ou itens da cesta básica. Essa clareza reduz interpretações equivocadas, melhora a segurança jurídica e diminui litígios tributários.

Só assim será possível promover um sistema tributário mais eficiente, transparente e justificado. A simplificação formal não basta, é necessário transformar a ambiguidade estrutural em regras operacionais precisas, alinhadas com as melhores práticas globais e com foco na equidade fiscal.

Considerações finais

As disputas em torno da classificação tributária, como os casos do Sonho de Valsa e do sorvete do McDonald’s, mostram que o sistema fiscal brasileiro ainda convive com complexidade, insegurança jurídica e interpretações divergentes. A Reforma Tributária, embora represente um avanço na simplificação, não elimina por completo esses desafios, que continuarão a exigir análise técnica, regulação clara e uniformização de critérios.

Para profissionais que desejam compreender em profundidade os impactos da Reforma e atuar com segurança em um cenário em constante transformação, a Pós-Graduação em Direito Tributário do IDP oferece uma formação sólida e atualizada. Com professores renomados e abordagem prática, o curso capacita para enfrentar disputas fiscais complexas e contribuir para um sistema mais eficiente e justo.

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm.

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CNN BRASIL. BAST, Elaine. Sonho de Valsa é bombom? Para o Carf, não; veja outras curiosidades tributárias. 11 jul. 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/financas/sonho-de-valsa-e-bombom-para-o-carf-nao-veja-outras-curiosidades-tributarias/. 

ENGENHARIA Tributária: conheça 5 produtos populares que mudaram para reduzir impostos e você não percebeu! Jornal Contábil, 25 abr. 2025. Disponível em: https://www.jornalcontabil.com.br/noticia/engenharia-tributaria-conheca-5-produtos-populares-que-mudaram-para-reduzir-impostos-e-voce-nao-percebeu/. 

PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 16. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2025. E-book. (Livro digital). ISBN 9788553625901. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/books/9788553625901. Acesso em: 1 Aug. 2025. Disponível em: https://covers.vitalbook.com/vbid/9788553625901/width/480. Acesso em: 1 Aug. 2025.

VEJA. GIL, Pedro. O impacto da reforma tributária na casquinha do McDonald’s. Radar Econômico, 9 maio 2024. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/radar-economico/o-impacto-da-reforma-tributaria-na-casquinha-do-mcdonalds/. 

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