A Reforma Tributária aprovada pela Emenda Constitucional nº 132/2023 mudou a forma como o Brasil tributa o consumo. Foram criados três novos tributos, a fim de enxugar a malha tributária: a CBS (federal), o IBS (estadual e municipal) e o Imposto Seletivo (IS), também federal, o qual incide sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Apesar da proposta de simplificação, o uso conjunto desses tributos levanta dúvidas sobre possíveis cobranças em excesso e falta de clareza nas regras. Este artigo analisa os principais problemas e soluções para que o novo sistema funcione de forma justa e eficiente.

O novo Sistema Tributário Nacional: panorama geral
A Reforma Tributária aprovada pela EC nº 132/2023 inaugurou um novo Sistema Tributário Nacional, com base no modelo dual de Imposto sobre Valor Agregado (IVA). O objetivo é simplificar a tributação sobre o consumo, substituindo tributos complexos e cumulativos por dois impostos principais: a CBS e o IBS.
A Contribuição sobre Bens e Serviços unificará o PIS, a Cofins e parte do IPI. Já o Imposto sobre Bens e Serviços substituirá o ICMS e o ISS. Apesar de diferentes competências, ambos seguirão regras comuns, aproximando o Brasil de modelos internacionais mais simples e eficientes.
Esse novo sistema visa reduzir distorções históricas, como a guerra fiscal entre estados e a cumulatividade de tributos. A gestão da CBS será feita pela União, enquanto o IBS será administrado por um Comitê Gestor nacional, com participação de estados e municípios.
Outro elemento importante é o Imposto Seletivo, criado para atuar como instrumento de regulação de mercado. De natureza extrafiscal, ele incidirá sobre produtos e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, como cigarros, bebidas alcoólicas e combustíveis fósseis.
Ao contrário da CBS e do IBS, o IS não visa arrecadar de forma ampla, mas sim desestimular comportamentos nocivos. Seu fundamento constitucional está no art. 153, VIII, da Constituição, e sua função se aproxima da lógica do “tributo do pecado”.
Mesmo com a promessa de simplificação, o novo modelo apresenta complexidades operacionais. A transição será longa, com fases sobrepostas entre o sistema atual e o novo. Além disso, será necessário investir em tecnologia, treinamento e adaptação das empresas e da administração tributária.
Posto isto, tem-se que o novo Sistema Tributário Nacional representa um passo importante para modernizar a tributação no Brasil. No entanto, sua eficácia dependerá da regulamentação infraconstitucional, da cooperação entre os entes federativos e da capacidade de superar desafios históricos da burocracia fiscal.
Convivência entre tributos: sobreposição e risco de bitributação
A convivência entre tributos no novo Sistema Tributário Nacional tem gerado pontos de tensão significativos na prática, especialmente no que diz respeito à sobreposição de obrigações tributárias e ao risco de bitributação.
CBS e IBS sobre a mesma operação
O modelo dual de IVA estabelece dois tributos sobre consumo: a CBS (federal) e o IBS (estadual/municipal). Na prática, ambos incidem sobre o valor da mesma operação de consumo, o que acarreta uma dupla incidência, embora a estrutura busque evitar a cobrança em cascata graças ao regime de não cumulatividade
Imposto seletivo em cima de CBS/IBS
O Imposto Seletivo, tributo extrafiscal sobre bens específicos (como tabaco, bebidas alcoólicas e combustíveis), passa a compor a base de cálculo do CBS/IBS, inflamando discussões jurídicas sobre a manutenção da não cumulatividade.
Isso significa que, apesar de substituir o IPI com vocação desestimuladora, o IS acaba sendo tributado também pelo IBS e pela CBS, contrariando o objetivo de neutralidade e simplicidade tributária.
Dúvidas sobre cumulatividade e neutralidade
O modelo de IVA dual visa a não cumulatividade, ou seja, tributar apenas o valor agregado em cada etapa. Porém:
- O fato de o IBS e a CBS não integrarem suas próprias bases significa que não sofrem incidência interna de novos tributos
- Já a inclusão do IS na base de cálculo dos novos tributos contradiz o modelo, pois implica cobrança tributária sobre tributária
Essas inconsistências fragilizam a neutralidade prometida e potencializam a bitributação, afetando a coerência normativa e a funcionalidade operacional do sistema.
O papel do art. 156-A da Constituição
O art. 156‑A, § 1º, VIII, da Constituição Federal estabelece que o IVA dual será não cumulativo, conforme complementado pela LC 214/2025. Entretanto, esse mesmo dispositivo:
- Proíbe que o IBS/CBS componham suas próprias bases ou as de outros tributos como ISS ou ICMS.
- Permite expressamente a inclusão do IS na base do IBS/CBS.
Embora constitucionalmente válido, na prática esse art. 156‑A revela um limite operacional, já que a inclusão do IS compromete a eficácia do sistema de IVA e impõe desafios de implementação.
Coerência normativa e desafios de regulamentação
A ausência de leis complementares detalhadas, como o PLP 68/2024, gera um vácuo normativo que compromete a segurança jurídica. Embora o projeto trate de pontos essenciais do IBS, da CBS e do IS, muitos dispositivos ainda aguardam regulamentação. Essa lacuna abre espaço para interpretações distintas e gera incertezas tanto para os contribuintes quanto para os entes federativos.
A reforma também estabeleceu uma divisão de competências. A União é responsável pela formulação das regras gerais da CBS e do Imposto Seletivo. Já o IBS ficará sob gestão do Comitê Gestor, composto por representantes dos estados e municípios.
Essa separação busca preservar o pacto federativo, mas pode resultar em conflitos. Divergências entre o Comitê e a Receita Federal, por exemplo, podem ocorrer na definição de alíquotas ou no tratamento de créditos.
Para evitar insegurança e fragmentação, o Comitê Gestor precisa atuar de forma coordenada, com decisões claras e previsíveis. Caso contrário, há o risco de cada ente adotar regras próprias, comprometendo a proposta de simplificação do novo sistema. A demora na regulamentação e na estruturação efetiva do Comitê só reforça esse desafio.
Justiça fiscal e impactos para os contribuintes
O IS foi concebido como um tributo extrafiscal, voltado à desincentivação do consumo de produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Entre os setores mais visados estão bebidas alcoólicas, cigarros, energia elétrica e veículos. No entanto, a forma como esse tributo será implementado gera preocupações quanto à sua regressividade.
Isso porque produtos como energia e combustíveis fazem parte do consumo básico da população, inclusive das camadas mais pobres. Quando o IS incide sobre esses bens, acaba por penalizar proporcionalmente mais os que têm menor renda. O risco, portanto, é que esse imposto acabe ampliando desigualdades sociais em vez de corrigi-las.
Outro ponto de atenção é a promessa de desoneração da cadeia produtiva, feita como uma das principais justificativas para a reforma. A ideia é que, com a substituição dos tributos atuais por um sistema de IVA dual (CBS e IBS), as empresas consigam aproveitar créditos ao longo da cadeia, eliminando a cumulatividade.
Na prática, no entanto, ainda há dúvidas sobre como o IS será tratado dentro desse sistema. Se não gerar créditos ou for incluído na base de cálculo dos demais tributos, pode provocar efeitos em cascata — comprometendo a neutralidade fiscal e elevando o custo final para o consumidor.
Além disso, a convivência simultânea de três tributos sobre o consumo (CBS, IBS e IS) coloca em risco o princípio da isonomia tributária. A depender de como for regulamentado, o modelo pode favorecer setores específicos em detrimento de outros, ou impactar mais severamente certos grupos de consumidores.
Por fim, o desafio de respeitar a capacidade contributiva dos cidadãos segue em aberto. Embora o artigo 156-A da Constituição permita a coexistência dos tributos, é essencial que sua aplicação seja coordenada de forma justa e proporcional, garantindo que cada contribuinte pague conforme sua real condição econômica.
Caminhos para harmonização tributária
A transição para o novo modelo tributário requer medidas concretas para evitar conflitos e inseguranças. Entre as principais propostas para mitigar esses desafios, destacam-se:
- Definir com precisão as hipóteses de incidência do Imposto Seletivo, evitando sua sobreposição indevida com a CBS e o IBS;
- Harmonizar as normas complementares editadas pela União, pelos estados e municípios, assegurando coerência entre as diferentes esferas;
- Aproveitar a tecnologia para integrar e simplificar as obrigações acessórias, reduzindo a burocracia para o contribuinte;
- Valorizar o papel da jurisprudência e do STF na construção de uma interpretação uniforme do novo sistema, especialmente diante de lacunas ou conflitos normativos.

Considerações finais
A coexistência entre IBS, CBS e Imposto Seletivo representa um dos principais desafios da reforma tributária. Evitar a bitributação, assegurar justiça fiscal e garantir segurança jurídica exigirá atenção à técnica legislativa, diálogo federativo e atuação coordenada entre os entes.
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Referências
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