O Superior Tribunal de Justiça consiste em órgão extremamente novo no cenário jurídico brasileiro. Sua criação se deu com o advento da Constituição de 1988, que tinha como missão garantir a uniformidade na interpretação da legislação federal.
Instalado em abril de 1989, após debates que remontam aos anos 1960, o STJ atua hoje como guardião e intérprete de uma miríade de leis que regulam o funcionamento da sociedade, ressalvada a competência das três justiças especializadas: a Justiça do Trabalho, a Justiça Eleitoral e a Justiça Militar.
Todavia, sua história teve capítulos nebulosos, especialmente no que tange à identidade do órgão dentro da estrutura do Poder Judiciário. Durante muitos anos, o STJ foi visto unicamente como uma instância recursal, a qual tinha como função julgar os recursos interpostos em face de acórdãos dos TRFs e TJs.
Em razão disso, o acervo da Corte foi tomando proporções muito maiores que aquelas esperadas pelos constituintes de 1988, o que gerou a necessidade de readequação procedimental interna do tribunal.
Uma das ferramentas criadas para conter o avanço recursal e cumprir a missão constitucional conferida à Corte consiste na criação da sistemática de julgamento de recursos repetitivos, tema este que será amplamente delineado neste trabalho.

CONTEXTO HISTÓRICO
A sistemática dos recursos repetitivos, introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei 11.672/2008, representa um dos mais importantes avanços no tratamento de demandas massificadas no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Essa inovação legislativa visa solucionar, com eficácia vinculante e alcance nacional, as controvérsias jurídicas repetidas que se multiplicam em milhares de processos por todo o país, garantindo maior celeridade, segurança jurídica e isonomia.
O modelo foi posteriormente consolidado com a promulgação do novo Código de Processo Civil de 2015, especialmente nos artigos 976 a 987, que reafirmaram e ampliaram a importância da técnica do julgamento de recursos repetitivos como mecanismo de formação de precedentes qualificados. No STJ, esse sistema está intrinsecamente ligado à função constitucional daquela Corte, que é a de uniformizar a interpretação da legislação federal infraconstitucional (art. 105, III, da CF/88).
OS REPETITIVOS NA PRÁTICA
Nos termos já mencionados, o STJ sofria com uma grande quantidade de acervo recursal – leia-se recurso especial e agravo em RESP. Considerando que uma parte considerável das insurgências contra acórdãos dispunha sobre temas iguais ou correlatos, construiu-se a sistemática de julgamento dos recursos repetitivos.
Na prática, o sistema de repetitivos consiste na seleção de recursos especiais que contenham idêntica questão de direito, com o objetivo de suspender o trâmite de processos que versem sobre a mesma matéria em todo o território nacional, para que, após o julgamento do mérito pelo STJ, a tese fixada seja vinculativa aos demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública direta e indireta, nos termos do art. 927, III, do CPC.
A dinâmica se inicia com a identificação, pelos tribunais de origem ou pelo próprio STJ, de multiplicidade de recursos sobre a mesma controvérsia. Identificada a repetitividade, o presidente ou vice-presidente do tribunal de origem pode selecionar recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao STJ.
Alternativamente, o próprio relator, no STJ, pode submeter o tema à sistemática do art. 1.036 do CPC. Uma vez admitidos como representativos da controvérsia, os recursos são afetados a uma das seções da Corte, com ampla publicidade e possibilidade de manifestação de terceiros interessados, como amici curiae, Ministério Público e entidades da sociedade civil.
Após o julgamento, a tese firmada pelo STJ passa a ter natureza vinculante no âmbito infraconstitucional. Isso significa que todos agentes do Poder Judiciário devem aplicar a orientação fixada pelo STJ, sob pena, em teoria, de cabimento de reclamação constitucional (art. 988, IV, CPC) ou, no caso de descumprimento reiterado, de possível responsabilização funcional.
Um dos grandes méritos dos recursos repetitivos é o efeito multiplicador da racionalização processual. Ao se fixar uma única tese sobre determinado tema, evita-se a proliferação de decisões conflitantes, reduzindo-se a insegurança jurídica e promovendo-se a isonomia entre os jurisdicionados. Essa técnica também contribui para o desafogamento do próprio STJ, que, por sua função uniformizadora, acabava sobrecarregado com milhares de recursos sobre questões idênticas.
Do ponto de vista prático, a adoção dos recursos repetitivos exige uma sofisticada engrenagem de coordenação entre os tribunais, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a advocacia pública e privada, além dos órgãos internos do STJ, como a Comissão Gestora de Precedentes. Essa estrutura permite que seja possível catalogar, organizar e monitorar os temas repetitivos, garantindo transparência, eficiência e acesso à informação.
Desde a implementação do sistema, o STJ já fixou centenas de teses repetitivas em diversas áreas do direito, como direito do consumidor, direito bancário, responsabilidade civil, direito previdenciário, contratos, etc.
Entre os exemplos paradigmáticos, pode-se citar o Tema 938/STJ, que definiu que a data-base para atualização do saldo do FGTS deve ser a data do efetivo pagamento e não da citação. Outro caso relevante foi o Tema 106/STJ, que tratou da possibilidade de penhora do bem de família do fiador em contrato de locação comercial, decisão esta que gerou intensos debates na doutrina e na jurisprudência.
Apesar dos inegáveis avanços, o sistema de recursos repetitivos também enfrenta críticas. Uma das principais refere-se à sua eventual rigidez. Ao consolidar determinada tese jurídica, pode-se engessar a interpretação judicial e dificultar a adaptação da jurisprudência a novas realidades sociais e econômicas. Outro ponto sensível é o risco de se julgar de forma abstrata, desconsiderando peculiaridades fáticas de casos concretos. Há, ainda, preocupações quanto à participação democrática no processo de formação dos precedentes, pois muitos advogados e partes não conseguem intervir diretamente na fase de afetação e julgamento.
Visando um diálogo democrático, o STJ promove audiências públicas e convoca entidades da sociedade civil e da academia jurídica, buscando assegurar uma deliberação mais plural e participativa. Ademais, o sistema admite a revisão e superação de teses repetitivas (art. 927, § 4º), mediante provocação das partes ou de ofício, desde que fundamentadamente.
Outro aspecto positivo é a integração entre o STJ e os tribunais de segunda instância por meio dos Núcleos de Gerenciamento de Precedentes (NUGEPs), criados por Resolução do CNJ. Esses núcleos são responsáveis por identificar demandas repetitivas, auxiliar na seleção dos recursos representativos e disseminar os precedentes qualificados entre magistrados e servidores.
A aplicação dos repetitivos também produz reflexos relevantes no plano da efetividade da tutela jurisdicional. Uma vez fixada a tese, os processos suspensos devem ser resolvidos mediante julgamento monocrático pelo juiz ou desembargador, com base no precedente, salvo se houver distinção ou necessidade de aprofundamento fático. Isso confere agilidade ao sistema e permite que a Justiça atenda melhor à sua função de pacificação social.
Em termos quantitativos, os dados do STJ indicam que, após a implementação dos repetitivos, houve sensível redução no número de recursos sobre matérias já decididas, possibilitando que a Corte dedique-se a temas realmente relevantes e controvertidos. A técnica também favorece a gestão processual estratégica pelos tribunais e escritórios de advocacia, que podem antecipar o desfecho de determinadas teses e evitar litígios desnecessários.
Contudo, é importante frisar que o sistema de repetitivos não deve ser visto como uma panaceia. Ele depende da atuação qualificada dos julgadores, da adequada fundamentação das decisões e da contínua atualização das teses firmadas. O papel da advocacia é fundamental nesse contexto, tanto para a identificação de casos com potencial de afetação quanto para a provocação da superação de precedentes que se tornem obsoletos.
Por fim, destaca-se que o modelo de precedentes vinculantes adotado no Brasil com os recursos repetitivos aproxima o sistema processual brasileiro do modelo do common law, sem, contudo, abandonar a tradição civilista (civil law). Trata-se de uma evolução no sentido de conferir maior racionalidade, previsibilidade e coerência às decisões judiciais, em benefício de toda a sociedade.

CONCLUSÃO
Em conclusão, os recursos repetitivos no STJ constituem um poderoso instrumento de uniformização jurisprudencial e de racionalização do Judiciário. Ao mesmo tempo que asseguram a estabilidade e a integridade da jurisprudência, contribuem para a celeridade processual e para o fortalecimento da segurança jurídica. Seu êxito, porém, depende de constante vigilância institucional, transparência procedimental e compromisso ético dos atores do sistema de justiça com a efetividade dos direitos fundamentais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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