A ascensão das plataformas de apostas online – popularmente conhecidas como “bets” – trouxe consigo uma transformação significativa na forma como o marketing é feito nesse setor. Com as restrições legais e éticas aplicáveis à publicidade tradicional de jogos de azar, muitos operadores encontraram nos influenciadores digitais um meio eficaz de alcançar o público, especialmente os jovens.
Porém, essa estratégia de divulgação levanta importantes questões jurídicas, especialmente no que se refere à responsabilidade civil dos influenciadores ao promoverem tais plataformas. Afinal, até que ponto essas figuras públicas respondem pelos danos que possam decorrer da indução de seguidores a apostarem em sites de bets?
Este artigo busca analisar os contornos legais dessa questão à luz do ordenamento jurídico brasileiro, com enfoque especial no Código de Defesa do Consumidor, no Código Civil e na jurisprudência atual.

Do crescimento das bets no mercado brasileiro
As casas de apostas, por mais que tenham ganhado maior evidência ao longo dos últimos anos no Brasil, são empreendimentos antigos na história da humanidade. Desde jogos de futebol à eleições presidenciais, as bets permitem que seus apostadores façam seus palpites e coloquem seu dinheiro em possíveis cenários futuros.
Destaca-se que nem mesmo a Igreja Católica ficou de fora das apostas, com registros de palpites para o próximo Papa desde o século XVI. Ainda que sem a utilização da internet, era possível dar participar das bets:
Apostar no desfecho de eleições papais era bastante comum e era frequentemente feito pelas casas bancárias em Roma que empregavam sensali, ou mensageiros, para correrem de um lado para o outro a entregar bilhetes de aposta. Os apostadores viam as probabilidades atentamente.
A ascensão desse mercado tem se tornado ainda mais evidente no meio esportivo. A título de exemplo, o atual campeonato brasileiro de futebol é denominado “Brasileirão Betano”, fazendo alusão à casa de apostas Betano. Não bastasse, todos os clubes do Brasileirão 2025 são patrocinados por bets, sendo que 90% dos times da Série A têm patrocínio master (em destaque no centro do uniforme) de empresas de apostas esportivas.
A participação dos influenciadores no mercado das bets
O crescimento exponencial das casas de apostas esportivas online somada ao fértil mercado de influenciadores digitais no Brasil impulsionou um fenômeno paralelo no ecossistema digital: o uso de influenciadores digitais para promoção dessas plataformas.
Com audiências vastas e engajadas, os influenciadores passaram a desempenhar papel central na estratégia de marketing de empresas de apostas, muitas vezes promovendo-as como formas fáceis e rápidas de lucro.
No entanto, esse tipo de divulgação levanta importantes questionamentos jurídicos: quando o influenciador pode ser responsabilizado civilmente por prejuízos causados aos seus seguidores? Em que medida a propaganda de apostas se sujeita à legislação consumerista e à regulamentação estatal?
Para responder a essas questões, é necessário partir de um pressuposto fundamental: a responsabilidade civil, no direito brasileiro, decorre da ação ou omissão voluntária, negligente ou imprudente, que cause dano a outrem, conforme estabelece o art. 186 do Código Civil.
Quando se trata de influenciadores, essa responsabilidade pode ser tanto subjetiva quanto objetiva, a depender da relação que se estabelece com o seguidor e o tipo de publicidade realizada.
No caso das bets, os riscos são ainda mais sensíveis. Embora legalizadas no Brasil pela Lei nº 13.756/2018, as apostas esportivas de quota fixa (isto é, com pré-definição de valores de ganho) aguardam regulamentação final para pleno funcionamento sob o marco regulatório estatal. Muitas das plataformas atualmente operantes atuam sob licenças estrangeiras, o que pode dificultar a fiscalização e a proteção efetiva dos consumidores.
Nesse cenário de fragilidade regulatória, o papel do influenciador adquire relevo. Ao promover empresas de bets, muitas vezes sem deixar claro que se trata de publicidade paga, o influenciador pode induzir seus seguidores a crerem que se trata de uma opinião pessoal, livre de interesses comerciais.
Quando isso ocorre, não apenas há violação à boa-fé objetiva e ao princípio da transparência, como também pode haver configuração de prática abusiva, nos termos do art. 37 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O CDC, inclusive, é aplicável nessas hipóteses por reconhecer a hipossuficiência do consumidor frente à mensagem publicitária, sobretudo quando esta é travestida de conteúdo espontâneo. O art. 6º, inciso III, do CDC, garante ao consumidor o direito à informação clara e adequada sobre os produtos e serviços ofertados, o que inclui a obrigação de indicar que determinada postagem é publicidade. O descumprimento desse dever gera responsabilidade solidária entre o anunciante e o veiculador, inclusive o influenciador.
A jurisprudência, embora ainda escassa quanto ao tema específico das apostas, tem se posicionado de forma firme em relação à responsabilidade de influenciadores em outras áreas. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) se dá no sentido de que “a responsabilidade pelo conteúdo da publicidade é atribuída também a quem a veicula”. Ou seja, quem publica uma propaganda também se torna responsável pelo resultado esperado daquilo que se divulga.
A responsabilidade civil do influenciador, portanto, pode derivar (i) da falta de transparência (publicidade não sinalizada); (ii) da promoção de atividade potencialmente lesiva, como é o caso de apostas, sem informar os riscos inerentes; (iii) do uso de linguagem enganosa ou abusiva, como prometer lucro garantido; e (iv) da omissão de informações relevantes, como a ilicitude da empresa divulgada ou a existência de reclamações contra ela.
Outro ponto relevante é o público-alvo da publicidade. A propaganda de apostas voltada a menores de idade, por exemplo, é expressamente proibida pelo art. 4º, § 3º da Lei Geral das Apostas (PL 3.626/2023, ainda em tramitação), e pela legislação consumerista, que impõe especial proteção ao consumidor infantil.
Influenciadores com seguidores predominantemente adolescentes devem ter cuidado redobrado na divulgação desse tipo de serviço, sob pena de incorrerem em responsabilidade agravada.
Do ponto de vista contratual, a relação entre influenciadores e casas de apostas deve ser formalizada com contratos que prevejam obrigações míticas de divulgação, inserção de avisos de responsabilidade, orientação sobre limites de aposta e riscos envolvidos. A ausência desses elementos pode ser interpretada como negligência, agravando a situação do influenciador em eventual litígio judicial.
Importante ressaltar que não é necessário que o influenciador tenha gerado o dano. Basta a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta publicitária e o prejuízo sofrido pelo consumidor. Isso significa que mesmo influenciadores que agiram de boa-fé, mas que promoveram apostas de forma descuidada ou sem transparência, podem ser responsabilizados.
Do ponto de vista regulatório, a tendência é de maior rigidez. A autorização das bets no Brasil trará diretrizes claras para a publicidade do setor, com imposição de avisos obrigatórios, como “jogue com responsabilidade”, e restrição horária de veiculação. Influenciadores que atuarem à margem dessas normas, mesmo após sua vigência, poderão ser responsabilizados pela publicidade irregular.
Um exemplo paradigmático da urgência desse debate ocorreu em 2023, quando diversos influenciadores passaram a divulgar plataformas de apostas estrangeiras com promessas de ganhos rápidos e “tips” garantidos.
Muitos seguidores relataram prejuízos significativos, levando o Procon-SP a abrir investigações contra os influenciadores e plataformas. Ainda que não tenha havido decisão judicial emblemática, o caso serviu como alerta para a necessidade de regulação da atuação publicitária no meio digital.
O influenciador não é apenas um replicador de mensagens comerciais. Ele é um formador de opinião pública, com poder de influenciar decisões de consumo. Essa função traz consigo responsabilidades proporcionais ao alcance e à autoridade que detém sobre o público.
A natureza jurídica da relação de consumo
Para que se possa falar em responsabilidade civil do influenciador digital, é preciso entender, inicialmente, a natureza jurídica da relação entre o consumidor, a casa de apostas e o influenciador.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece, em seu artigo 2º, que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Já o artigo 3º define fornecedor como toda pessoa física ou jurídica que desenvolve atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Não obstante, é importante destacar que eventual responsabilidade dos influenciadores pode advir da sua participação na cadeia de consumo. Os artigos 7º, § único; 12, caput; e 18, §1°, inciso II, todos do Código de Defesa do Consumidor, prevêem a responsabilidade solidária de todos os membros de uma cadeia de consumo, os quais são igualmente responsáveis pelo cumprimento do serviço contratado.
Nesse cenário, é possível enquadrar tanto a empresa de apostas quanto o influenciador como fornecedores, já que ambos integram a cadeia de fornecimento do serviço. O influenciador que promove apostas online atua como uma ponte entre a casa de apostas e o público consumidor, influenciando ativamente a tomada de decisões.

Conclusão
Conclui-se, portanto, que há responsabilidade civil do influenciador na propaganda de bets quando houver falha no dever de informação, publicidade enganosa ou omissão de riscos.
O ordenamento jurídico brasileiro, embora ainda em construção nesse campo, já oferece instrumentos suficientes para a proteção do consumidor e a responsabilização daqueles que contribuem para práticas comerciais lesivas.
Cabe aos influenciadores, assessores e empresas compreenderem os limites da atuação publicitária, sob pena de responderem não apenas moralmente, mas também judicialmente, por seus atos no ambiente digital.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAUMGARTNER, Frederic J. 2003. Behind Locked Doors: A History of Papal Elections. New York: Palgrave Macmillan, 2003.
BULLARD, Melissa Meriam. Filippo Strozzi and the Medici: Favor and Finance in Sixteenth-Century Florence and Rome. CUP Archive, 1980, Cambridge Univ. Press, n. 36, 1980.
LOIS, Rodrigo. Todos os clubes do Brasileirão 2025 são patrocinados por bets. GE. Disponível em: https://ge.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/2025/03/11/todos-os-clubes-do-brasileirao-2025-sao-patrocinados-por-bets.ghtml. Acesso em: 08 mai. 2025.