No âmbito do processo civil brasileiro, as ações autônomas de impugnação desempenham um papel relevante no sistema recursal, pois representam mecanismos processuais voltados à revisão de decisões judiciais fora da via recursal clássica.
Ao contrário dos recursos tradicionais, que são interpostos dentro do mesmo processo em que foi proferida a decisão impugnada, as ações autônomas de impugnação são propostas em processos distintos, com autonomia procedimental e instrumental.
Tais instrumentos são essenciais para a garantia do contraditório, da ampla defesa e da legalidade das decisões judiciais, especialmente quando estas são viciadas por nulidade ou afetam direitos de terceiros que não participaram do processo originário.
Todavia, há de se ressaltar a natureza jurídica desse instituto processual e analisar a doutrina sobre o tema.

O QUE SÃO AS AÇÕES AUTÔNOMAS DE IMPUGNAÇÃO?
As ações impugnativas autônomas, que não podem ser equiparadas ou confundidas com os recursos, em razão das especificidades e particularidades desses, mas são meios de se insurgir contra pronunciamentos judiciais específicos.
Nos moldes indicados por Pedro Miranda de Oliveira, as ações de impugnação, ao contrário dos recursos, são realizadas em processo autônomo, ou seja, diferente daquele de qual emana a decisão atacada.
Parte da doutrina firma posição no sentido que, a despeito de não caber recurso, eventual prejuízo deverá ser contornado pelo emprego de ação autônoma.
Importante destacar que uma das principais distinções, até mesmo utilizada em caráter estratégico dentro de um processo, diz respeito à formação de coisa julgada. O Professor Araken de Assis elenca que “(e)m tais casos, portanto, não se cuidam de recursos no sentido próprio da palavra no direito processual. E o recurso, como visto, obsta à formação da coisa julgada”.
As ações autônomas de impugnação decorrem de 3 (três) razões principais: (i) ausência de recurso, (ii) ineficiência do recurso ou (iii) paridade com o recurso.
Na primeira opção, podemos observar tal fenômeno de forma clara em relação à ação rescisória. Uma vez transitada em julgado determinada decisão, esta somente pode ter o seu conteúdo reformado por meio de ação rescisória, a qual não configura como recurso, mas tem um efetivo fim de impugnação do ato judicial.
Já na segunda opção, a ação autônoma visa a impedir que os resultados prejudiciais causados pelo ato judicial se manifestem ou se perpetuem porque o recurso não está apto a fazê-lo.
A título de exemplo, podemos elencar o uso do mandado de segurança como ferramenta de impugnação de decisão interlocutória cujo mérito decisório não faça parte do rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil. Essa estratégia se dá por algumas razões, a primeira delas decorre da possibilidade de uma análise mais restritiva do cabimento do agravo. A segunda decorre do trâmite prioritário do mandamus na ordem de julgamento pelos tribunais. Por fim, a terceira razão se dá pela ausência de necessidade de dilação probatória para tal.
Por fim, nos casos de paridade recursal, temos uma concomitância da ação autônoma com o recurso propriamente dito. Podemos dar a título de exemplo a reclamação constitucional ajuizada simultaneamente com a interposição do recurso extraordinário, ainda que em processos apartados.
Neste blog já foi trabalhado o referido tema, quando elencamos que “Reclamações não se prestam ao papel de simples substitutas de recursos de natureza ordinária ou extraordinária, elas são aceitas com o intuito de preservar a autoridade dos julgamentos realizados com repercussão geral”.
Na esfera do processo civil, a jurisprudência reconhece também a possibilidade de utilização da ação autônoma, ainda que interposto recurso, para impugnar a decisão que decreta a prisão do devedor de alimentos
CARACTERÍSTICAS DAS PRINCIPAIS AÇÕES AUTÔNOMAS
Entre as principais ações autônomas de impugnação previstas no ordenamento jurídico brasileiro destacam-se a reclamação constitucional, a ação rescisória, os embargos de terceiro, a querela nullitatis e a ação anulatória.
A reclamação constitucional decorre da da figura de Corte Suprema exercida pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função essencial consiste na promoção da unidade do direito, mediante a justa interpretação da ordem jurídica, se valendo do julgamento do caso concreto somente como meio para se formar precedentes. Tal prática permite que um juiz de outro tribunal baseie sua decisão em interpretação dada ao dispositivo legal já analisado anteriormente, ao invés de seguir direções novas e talvez perigosas interpretações jurídicas.
Evitando uma reafirmação daquilo que já foi trabalhado neste blog, sugiro a leitura de artigo de minha autoria intitulado “Quando cabe a Reclamação Constitucional no STF?”
No que tange à ação rescisória, prevista nos arts. 966 a 975 do Código de Processo Civil (CPC), é uma das mais conhecidas formas de impugnação autônoma. Tem por finalidade desconstituir sentença de mérito transitada em julgado quando presentes as hipóteses taxativamente previstas em lei, como por exemplo: manifestação ofensa à norma jurídica, erro de fato, prova falsa, ou dolo da parte vencedora.
Por ser medida excepcional e atentatória à segurança jurídica, a ação rescisória deve obedecer a prazos e requisitos rigorosos, inclusive sendo julgada por órgão colegiado com competência originária.
Outra ação autônoma de impugnação é o embargo de terceiro (arts. 674 a 681 do CPC). Essa medida protege aquele que, não sendo parte no processo, vê seu bem ser atingido por ato de constrição judicial (penhora, arresto ou sequestro).
É o caso, por exemplo, de um terceiro que possui a posse ou a propriedade de um bem erroneamente penhorado em execução contra outrem. Essa ação é uma forma efetiva de salvaguardar os direitos patrimoniais de terceiros estranhos à lide original.
A querela nullitatis também figura entre as ações autônomas de impugnação, embora seja aplicada apenas em situações excepcionais. Trata-se de ação que visa desconstituir sentença absolutamente nula, mesmo após o trânsito em julgado, quando ausente pressuposto processual essencial, como a citação válida. Diferente da ação rescisória, não está sujeita aos mesmos prazos e requisitos, por se tratar de nulidade absoluta.
Já a ação anulatória tem como objetivo invalidar atos processuais ou extraprocessuais viciados por nulidades relativas, como defeitos na formação de um contrato ou em uma decisão administrativa que tenha reflexo no processo judicial. É amplamente utilizada no âmbito do direito público e do direito empresarial.
Essas ações, por sua natureza e finalidade, exigem tratamento diferenciado do ponto de vista procedimental, uma vez que afetam a coisa julgada, os direitos de terceiros e a estabilidade das decisões judiciais.
Por isso, o CPC impõe condições específicas para sua propositura, como legitimidade ativa restrita, prazos decadenciais (no caso da rescisória) e requisitos materiais bem delineados.

CONCLUSÃO
Em comum, todas as ações autônomas de impugnação partem da necessidade de garantir o equilíbrio entre dois princípios fundamentais do processo civil: segurança jurídica e justiça material. Enquanto a segurança jurídica assegura a estabilidade das decisões, a justiça material permite que sentenças ilegítimas ou nulas sejam revistas, mesmo após o trânsito em julgado.
A compreensão aprofundada das ações autônomas de impugnação é essencial para aqueles que atuam com contencioso, especialmente em matérias complexas em que o controle de legalidade e de validade das decisões judiciais é imprescindível. Elas representam a via de reparação última contra erros graves do Judiciário e devem ser manejadas com responsabilidade técnica e estratégica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, José Henrique Mouta. Mandado de segurança, 7ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2019.
ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
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OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Aspectos destacados da Reclamação no novo Código de Processo Civil. In: Revista de Processo. 2015. p. 299-318.
SALLES, Carlos Alberto de. Mandado de segurança contra atos judiciais: as súmulas 267 e 268 revisitadas. In. BUENO, Cássio Scarpinella; ALVIM, Eduardo Arruda; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais do mandado de segurança: 51 anos depois. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 138
TALAMINI, Eduardo. Novos aspectos da jurisdição constitucional brasileira. 2008. Tese de Doutorado. Tese (Livre-docência)–Faculdade de Direito da USP, São Paulo.