Em regra, as provas no processo penal só são colhidas depois que o réu é citado e a ação penal começa de fato. Mas nem sempre dá para esperar.
Algumas situações exigem que o juiz antecipe a produção de provas, especialmente quando há risco de que elas se percam com o tempo, como no caso de testemunhas que podem esquecer detalhes importantes.
É o que se chama de produção antecipada de provas.
Esse tema, embora técnico, tem ganhado destaque nos tribunais e na prática da advocacia criminal, justamente porque coloca em jogo questões sensíveis como a memória das testemunhas, o contraditório, o papel da defesa técnica e os limites do sistema acusatório.
Se você atua ou pretende atuar na área criminal, entender esses pontos é essencial para formular boas estratégias de defesa ou acusação.

Por que antecipar a produção de provas?
Nem toda prova pode esperar.
Em muitos casos, o simples passar do tempo já é suficiente para comprometer a memória de testemunhas, fragilizar detalhes ou inviabilizar a reconstituição dos fatos.
Especialmente no processo penal, isso pode ser fatal.
Por isso, em situações bem delimitadas, o Código de Processo Penal permite que certas provas sejam produzidas de forma antecipada, antes mesmo da fase de instrução, ou até com o processo suspenso, nos casos de réu citado por edital.
Dois dispositivos legais dão base para essa medida:
- Art. 156, I, do CPP: permite ao juiz, inclusive de ofício, determinar a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, mesmo antes do início da ação penal.
- Art. 366 do CPP: se o réu for citado por edital e não comparecer nem constituir advogado, o juiz pode suspender o processo e o prazo prescricional e, além disso, autorizar a colheita antecipada de provas urgentes, para evitar o perecimento da prova.
Determinada a prova, o magistrado precisa justificar, com base em elementos concretos, que há risco real de que a prova desapareça ou perca força se não for colhida de imediato.
É o que veremos a seguir, com destaque para o entendimento consolidado pelo STJ na Súmula 455 e em julgados recentes envolvendo réus ausentes e testemunhas com memória limitada pelo ofício.
Súmula 455 do STJ: limites para o uso da antecipação
Para evitar abusos e garantir que a produção antecipada de provas não seja usada como atalho processual, o Superior Tribunal de Justiça consolidou um importante entendimento na Súmula 455:
“A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no artigo 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo.”
Isso significa que o simples fato de o tempo estar passando não basta.
Não se admite que o juiz antecipe a colheita de provas apenas com base em uma possibilidade genérica de esquecimento ou de demora.
É preciso apresentar justificativas específicas do caso concreto, apontando elementos objetivos que indiquem risco real de perecimento da prova.
Na prática, o juiz deve fundamentar detalhadamente a medida e a defesa pode (e deve) questionar decisões genéricas, especialmente quando não há urgência comprovada ou quando o contraditório é limitado.
Quando a súmula não se aplica?
Ao julgar o RHC 64.086/DF, a Terceira Seção do STJ não apenas permitiu a produção antecipada de provas com base no risco de esquecimento das testemunhas policiais como também explicou por que isso não contrariava a Súmula 455.
O motivo? O caso era diferente. Realizou-se, portanto, o distinguishing.
O distinguishing é uma técnica jurídica usada para afastar a aplicação de um precedente quando há diferenças relevantes entre o caso anterior e o atual.
Como explica o professor Fredie Didier, trata-se de comparar os suportes fáticos e verificar se as distinções são significativas a ponto de justificar uma solução diversa.
Foi exatamente isso que o STJ fez.
Ao reconhecer que policiais, devido à rotina intensa e à exposição contínua a casos semelhantes, têm sua memória impactada com mais rapidez, a Corte entendeu que o risco de perecimento da prova não era abstrato, era concreto e justificado.
Essa mesma linha foi adotada em diversos outros julgados, inclusive pelo STF (HC 135.386, Rel. Gilmar Mendes), que validou a produção antecipada de provas com base na possibilidade de esquecimento de testemunha policial, ressaltando o respeito ao contraditório possível e à razoável duração do processo.
Como reforçado no AgRg no AREsp 1.995.527/SE, a 6ª Turma reiterou que, em casos de testemunhas policiais, a urgência pode ser caracterizada tanto pelo tempo já decorrido quanto pela natureza do ofício, com risco efetivo de que as provas percam qualidade com o passar dos anos.
Contraditório possível e reaproveitamento da prova
Outro caso paradigmático que reforça a interpretação mais flexível da Súmula 455 foi o julgamento do HC 751.023/SC, relatado pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
Nele, o STJ reafirmou a possibilidade de se produzir ou aproveitar prova oral mesmo com o processo suspenso em razão da citação por edital.
O ponto central da controvérsia era este: o réu não havia sido localizado e o processo foi suspenso.
Mesmo assim, o juízo determinou o aproveitamento dos depoimentos colhidos em relação ao corréu, medida questionada pela defesa com base no suposto descumprimento da súmula e na ausência de pedido do Ministério Público.
O STJ, porém, manteve a validade dos atos, com três fundamentos principais:
- Contraditório possível garantido: a produção da prova se deu com a presença de defensor público, devidamente intimado e atuante. Ainda que o acusado não estivesse presente, houve efetiva defesa técnica no momento da colheita das provas.
- Ato judicial fundamentado: o juiz apontou razões concretas para a medida, como o lapso de sete anos desde os fatos e o risco evidente de perda da memória das testemunhas. Essa fundamentação é compatível com a jurisprudência que tempera a aplicação da Súmula 455.
- Possibilidade de repetição futura da prova: caso o réu seja localizado, sua defesa poderá requerer a renovação da prova oral. Isso reforça o caráter não absoluto da antecipação, que, se não causar prejuízo efetivo, pode ser aproveitada sem nulidade.
O STJ deixou claro que a economia processual e a busca pela verdade não podem ser paralisadas indefinidamente pela ausência do réu, desde que o processo respeite os limites do contraditório e da ampla defesa em sua forma possível.

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