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Direito Penal Corporativo: O que é?

Introdução

O Direito Penal Corporativo é um ramo do Direito Penal que se dedica à análise das infrações penais cometidas no âmbito das atividades empresariais e pelas pessoas jurídicas, especialmente corporações e sociedades empresárias. 

Em grande medida, trata-se de uma área que vem ganhando destaque nas últimas décadas, sobretudo em razão da complexidade das relações econômicas, da globalização dos mercados e do aumento da preocupação com a responsabilidade social e ética empresarial.

Historicamente, o Direito Penal teve como foco exclusivo a responsabilidade penal da pessoa física, pelo cometimento de crimes cotidianos, como o tráfico de entorpecentes, homicídio, furto e roubo. 

Isso se justificava pela teoria da culpabilidade, que exige a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de se autodeterminar conforme esse entendimento – atributos humanos, portanto, incompatíveis com a pessoa jurídica. No entanto, a crescente incidência de crimes praticados no contexto de grandes corporações e com impacto social relevante levou os ordenamentos jurídicos a repensar essa limitação.

Muito desse crescimento, podemos atribuir aos notáveis escândalos que vieram à tona nos últimos anos, especialmente em razão de processos como Mensalão, Lava Jato e Caixa de Pandora.

Contexto Jurídico do Direito Penal Corporativo

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 trouxe uma abertura para a responsabilização penal da pessoa jurídica em matéria ambiental, conforme o art. 225, § 3º, dispondo que as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas. A Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) regulamentou essa previsão, autorizando expressamente a aplicação de sanções penais às empresas.

A evolução doutrinária e legislativa permite hoje o reconhecimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica não apenas no âmbito ambiental, mas também em outras áreas, como crimes contra a ordem econômica, contra o sistema financeiro, contra a administração pública e lavagem de dinheiro. A Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), ainda que preveja responsabilização administrativa e civil, demonstra o reconhecimento da atuação estatal contra as práticas lesivas cometidas por empresas no ambiente corporativo.

O Direito Penal Corporativo, portanto, envolve tanto a responsabilização penal da pessoa jurídica quanto a responsabilização dos indivíduos que atuam em nome ou no interesse da empresa. Isso inclui sócios, administradores, diretores, gerentes e demais empregados que, no exercício de suas funções, praticam atos ilícitos.

Entre os principais crimes relacionados ao Direito Penal Corporativo, destacam-se os crimes contra o meio ambiente, contra o consumidor, contra o sistema financeiro nacional, contra a administração pública e em processos licitatórios, contra relações de consumo e a ordem econômica, e aqueles de natureza tributária.

Características dos crimes corporativos

A responsabilização penal da pessoa jurídica, contudo, suscita uma série de questões dogmáticas. A principal delas é a compatibilidade entre os pressupostos da culpabilidade e a natureza da pessoa jurídica. Como solucionar o aparente paradoxo entre a exigência de dolo ou culpa e a impossibilidade de “entendimento” por parte da empresa?

Diversas teorias foram formuladas na tentativa de superar esse desafio. A teoria da imputação objetiva propõe que a responsabilização penal da pessoa jurídica não exige a imputação de dolo ou culpa, mas sim a verificação de que o fato se insere no risco autorizado pela estrutura empresarial. Já a teoria do modelo de organização defeituoso sustenta que a responsabilidade penal decorre da falta de mecanismos eficazes de controle e compliance dentro da empresa.

Nesse contexto, o compliance penal surge como ferramenta essencial para prevenir a prática de delitos corporativos. Trata-se da adoção de medidas de integridade, auditoria e controle interno com o objetivo de assegurar que a conduta da empresa e de seus membros esteja em conformidade com a legislação penal. Programas de compliance eficazes não apenas evitam a ocorrência de crimes, mas também podem servir como argumento de defesa ou atenuante em eventual responsabilização penal.

Fiscalização e principais casos no Brasil

O Direito Penal Corporativo, portanto, impõe novos desafios ao sistema de justiça criminal, que precisa adaptar seus métodos investigativos, acusatórios e sancionadores às peculiaridades da atuação empresarial. Isso inclui, por exemplo, a necessidade de colaboração entre diferentes órgãos de controle (MP, Receita Federal, CGU, TCU, BACEN, CVM), bem como a admissão de acordos de leniência e colaboração premiada com pessoas jurídicas.

No Brasil, alguns casos emblemáticos ilustram a atuação do Direito Penal Corporativo, como a Operação Lava Jato, que revelou esquemas de corrupção envolvendo grandes empreiteiras e empresas estatais, e resultou na condenação de dirigentes empresariais e na imposição de sanções a corporações. Outro exemplo é o caso da mineradora Samarco/Vale, em que a tragédia ambiental de Mariana/MG ensejou a responsabilização penal de pessoas físicas e jurídicas.

Sob o aspecto sancionador, as penas aplicáveis às pessoas jurídicas incluem multas, perda de bens, suspensão de atividades, interdição de estabelecimentos, proibição de contratar com o Poder Público e, nos casos mais graves, a dissolução compulsória. Para as pessoas físicas envolvidas, aplica-se o regime tradicional de penas privativas de liberdade, restritivas de direitos ou multas.

O Direito Penal Corporativo não é apenas repressivo. Ele também tem função pedagógica e preventiva, promovendo uma cultura de legalidade, ética e responsabilidade nas relações empresariais. Em um mercado globalizado e interconectado, a reputação e a conformidade legal são ativos fundamentais para a sustentabilidade das corporações.

Ressalta-se que, por mais que a empresa seja penalizada pelos atos ilícitos cometidos, tal fato não exime a responsabilidade dos sócios, diretores e acionistas, caso seja constatado que participaram da conduta delituosa direta ou indiretamente.

Conclusão

Em conclusão, o Direito Penal Corporativo representa uma evolução necessária diante da complexidade das infrações penais modernas. Ao reconhecer a responsabilidade penal das pessoas jurídicas e dos agentes empresariais, o ordenamento jurídico busca responder às demandas sociais por justiça, responsabilização e proteção de bens jurídicos relevantes. Trata-se de um campo em constante transformação, que exige conhecimento interdisciplinar, atuação integrada de diferentes instituições e compromisso com a promoção de um ambiente econômico mais justo e transparente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BALDAN, Édson Luís. Fundamentos do direito penal econômico – Curitiba: Juruá, 2005. 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal econômico – Vol. 2 – São Paulo:

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CALLEGARI, André Luís. Crime Organizado: Tipicidade, Política Criminal, Investigação E Processo – Brasil, Espanha E Colômbia – 2. ed. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2016. 

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THOMAS, W. Robert. Como e por que as corporações se tornaram (e continuam a ser) pessoas para o direito penal. Revista Científica do CPJM, v. 3, n. 13, p. 13-80, 2025.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, parte geral – 13. ed. rev. e atual. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil. 2019.

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