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Por que o Direito Legislativo é essencial para o Estado Democrático de Direito?

A divisão do poder estatal é uma pauta carregada ao longo de toda história, com ênfase durante a Revolução Francesa, momento este em que a sua divisão se mostrava necessária para que os conflitos sociais e o interesse público se alinhassem ao conceito de uma sociedade mais justa e equilibrada.

Nesse quadrante, uma das propostas de solução se deu pelas propostas de Locke e Montesquieu, os quais defendiam que, para coibir arbitrariedades e abuso de poder, este não poderia estar concentrado nas mãos de uma única pessoa, de forma que deveria ser distribuído em distintos órgãos com diferentes funções, a partir de um sistema de freios e contrapesos.

Outra contribuição de Locke é a conexão entre a doutrina da separação dos poderes e a rule of law, concebendo-a como pré-requisito desta última: para que a lei seja imparcialmente aplicada é necessário que não sejam os mesmos homens que a fazem, a aplicá-la, prevalecendo a concepção da existência de um poder legislativo e de um executivo independentes e distintos.

FUNÇÃO DO DIREITO LEGISLATIVO

O Direito Legislativo ocupa um lugar central na estruturação e manutenção do Estado Democrático de Direito. Sua importância decorre não apenas da função de legislar atribuída ao Poder Legislativo, mas também do papel que as normas jurídicas exercem na organização da sociedade, na proteção dos direitos fundamentais e na delimitação do poder estatal. 

O Direito Legislativo não se limita à criação de leis, mas envolve todo o conjunto de normas, princípios e procedimentos que disciplinam a atividade legislativa, conferindo-lhe legalidade, legitimidade e racionalidade.

O Estado Democrático de Direito é caracterizado pela submissão de todos — inclusive os governantes — às normas jurídicas, com fundamento na soberania popular, na separação dos poderes e na garantia dos direitos fundamentais. Nesse modelo, a lei é o principal instrumento de controle e limitação do poder, sendo fruto da deliberação democrática e expressão da vontade geral. 

Assim, o Direito Legislativo é essencial, pois fornece os meios pelos quais essa vontade coletiva se transforma em normas obrigatórias, que regulam a convivência social e a atuação do Estado.

No plano institucional, o Direito Legislativo garante que o processo de elaboração das leis siga procedimentos claros, transparentes e participativos. Isso inclui regras sobre iniciativa legislativa, tramitação nas casas parlamentares, comissões temáticas, debates, emendas, votações e sanção presidencial. 

Esses procedimentos são fundamentais para assegurar a legitimidade do processo legislativo, prevenindo arbitrariedades e promovendo o pluralismo político. Sem normas que disciplinem este processo, haveria o risco de abuso de poder, aprovação de leis sem debate adequado e desrespeito à vontade popular.

O DIREITO LEGISLATIVO NA VISÃO CONSTITUCIONAL E INSTITUCIONAL

O Direito Legislativo é o campo que assegura a conformidade das normas com a Constituição Federal, tanto do ponto de vista formal quanto material. O controle de constitucionalidade das leis é um mecanismo essencial de defesa da ordem jurídica e da supremacia da Constituição. Esse controle, exercido principalmente pelo Poder Judiciário, é alimentado por uma legislação bem elaborada, que respeite os limites constitucionais de competência, o devido processo legislativo e os princípios democráticos.

Por sua essência, o Direito Legislativo atua na delimitação das competências legislativas entre os entes da federação. A Constituição Federal estabelece competências privativas, concorrentes e comuns, o que exige do legislador compreensão técnica para respeitar os limites impostos pela estrutura federativa. A correta distribuição de competências evita conflitos federativos e assegura maior eficiência na produção normativa.

Sob o aspecto material, o Direito Legislativo atua na proteção dos direitos fundamentais, pois é por meio das leis que se concretizam garantias como o acesso à justiça, o direito à educação, à saúde, ao trabalho e à segurança. 

A legislação também é o meio pelo qual se estabelecem políticas públicas, se regulam relações privadas e se organizam os serviços públicos, sendo, portanto, essencial para a efetivação da cidadania e para a redução das desigualdades sociais.

No Estado Democrático de Direito, o Parlamento é o órgão representativo por sua natureza. A atividade legislativa, disciplinada pelo Direito Legislativo, é a expressão direta da soberania popular, uma vez que os parlamentares são eleitos diretamente pelo povo. A produção normativa é, portanto, fruto da vontade coletiva, e não da imposição de um poder central. Esse aspecto confere à lei um grau elevado de legitimidade, desde que respeitado o devido processo legislativo e os princípios democráticos.

Outro ponto relevante é que o Direito Legislativo também contribui para a segurança jurídica. A previsibilidade das normas, a clareza dos textos legais, a estabilidade das regras do jogo político e jurídico são essenciais para que os cidadãos possam organizar suas condutas e planejar suas vidas. O Direito Legislativo, ao definir padrões para a redação legislativa e para a interpretação sistemática das normas, proporciona maior coerência e harmonia ao sistema legal.

Além disso, é por meio do Direito Legislativo que se operam mudanças sociais profundas, as quais são consideradas “reformas estruturais”, como as da previdência, da educação, da saúde, da segurança pública e do sistema tributário.

Assim, o Direito Legislativo passa a ser um canal privilegiado para o avanço de pautas sociais, para a promoção da justiça social e para a garantia de direitos das minorias, em observância, especialmente, ao que dispõe os artigos 1º, III, e 3º, III, da Constituição Federal. 

Por fim, é preciso mencionar o papel do Direito Legislativo na fiscalização dos demais poderes. O Poder Legislativo, por meio de suas comissões e CPIs, exerce controle político e financeiro sobre o Executivo, zelando pela legalidade, pela eficiência e pela moralidade da administração pública. Essa função de controle também é regulada por normas do Direito Legislativo, que garantem o funcionamento dos freios e contrapesos característicos do Estado Democrático de Direito.

O CONTROLE SOCIAL DO PODER LEGISLATIVO

A atuação legislativa, no entanto, deve ser acompanhada de mecanismos de participação e controle social. A publicidade dos atos legislativos, a transmissão de sessões parlamentares, as audiências públicas, as consultas populares e a iniciativa popular de leis são instrumentos que ampliam a participação cidadã e fortalecem a democracia. O Direito Legislativo prevê e disciplina esses mecanismos, permitindo que a sociedade civil atue como fiscal e coautora do processo legislativo.

Ressalta-se que a escolha dos representantes do povo demanda uma prestação de contas com os eleitores após a eleição e diplomação. Os parlamentares passam a ser monitorados e impedidos de transgredir os ideais e as necessidades da sua base eleitoral. 

CONCLUSÃO

Em suma, o Direito Legislativo é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, dado que faz parte da estrutura do processo de elaboração das leis, a qual garante a legitimidade das normas, assegura o respeito aos princípios constitucionais, promove a segurança jurídica, viabiliza a participação cidadã e fortalece a democracia representativa. 

Na ausência de uma entidade legislativa, a atuação estatal passaria a ficar vulnerável a arbitrariedades, comprometendo a estabilidade institucional, a proteção dos direitos e a efetividade do Estado de Direito.

Por fim, em uma perspectiva de freios e contrapesos, o Poder Legislativo se torna um meio de campo entre a tensão existente entre o Poder Legislativo e o Judiciário, de modo que faz prevalecer a repartição de poderes de Locke e Montesquieu e evitar o absolutismo vivido durante anos da história mundial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MONTESQUIEU. Vida e obra. São Paulo: Nova Cultural, 1997. Os pensadores.

NEVES, Marcelo, A Constitucionalização Simbólica, São Paulo, Editora Acadêmica, 1994.

SCHMITT, Carl. Legalidad y legitimidad. Trad. José Díaz García. Madrid, Aguilar, 1971.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) Crise. Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 10ª edição. Editora Livraria do Advogado: Porto Alegre, RS. 2011.

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