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Sistema Proporcional no Brasil, Sobras Eleitorais e o Julgamento das ADIs 7228 e 7263

Introdução

O sistema eleitoral proporcional é o modelo adotado pelo Brasil para as eleições de deputados federais, estaduais, distritais e vereadores. Esse sistema visa garantir a representação dos partidos de forma proporcional à votação obtida, fortalecendo a pluralidade política e a representatividade democrática. 

No entanto, mesmo com o objetivo de assegurar a equidade entre votos e cadeiras, esse modelo sempre enfrentou questionamentos quanto à sua complexidade, efetividade e justiça na distribuição de vagas, especialmente no que se refere às chamadas sobras eleitorais.

Recentemente, o tema voltou ao centro do debate jurídico e político com o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7228 e 7263, que questionaram mudanças legislativas na forma de distribuição dessas sobras. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) teve impacto direto na composição das bancadas parlamentares e no futuro do sistema proporcional brasileiro.

Este texto se propõe a explicar o funcionamento do sistema proporcional no Brasil, o que são as sobras eleitorais, os fundamentos jurídicos das ADIs 7228 e 7263 e os efeitos práticos da decisão do STF.

I – O Sistema Proporcional Brasileiro

O sistema proporcional busca eleger candidatos de forma proporcional ao total de votos que seus partidos ou coligações recebem. Para isso, a Constituição Federal de 1988 determina que a eleição para cargos legislativos ocorra por meio de um sistema representativo que combine o voto na legenda (leia-se partido) com o voto no candidato.

Nas eleições proporcionais, os votos válidos (excluindo-se os brancos e nulos) são somados para se obter o quociente eleitoral — que é o número mínimo de votos necessários para que um partido tenha direito a uma cadeira. Em seguida, cada partido tem seus votos somados e esse total é dividido pelo quociente eleitoral, resultando no número de cadeiras obtidas diretamente.

No entanto, como o número de cadeiras raramente é preenchido de forma exata com essa divisão, surgem, portanto, as chamadas sobras eleitorais — vagas que restam após a aplicação do quociente eleitoral. A distribuição dessas sobras foi objeto de regulamentação legal e, mais recentemente, de intensa disputa judicial.

Com a promulgação da Lei nº 14.211/2021, houve uma importante modificação na forma de distribuição das sobras eleitorais. Essa reforma alterou os artigos 108 e 109 do Código Eleitoral e instituiu um novo critério para o acesso às sobras:

II – A reforma eleitoral de 2021 e as sobras eleitorais

Apenas os partidos que tivessem atingido pelo menos 80% do quociente eleitoral e cujos candidatos obtivessem individualmente ao menos 20% do quociente eleitoral estariam habilitados a disputar as vagas remanescentes.

A intenção declarada do legislador era fortalecer os partidos maiores, evitar a fragmentação partidária e desincentivar a proliferação de legendas que dependiam exclusivamente de coligações ou puxadores de votos.

Entretanto, essa nova exigência legal foi duramente criticada por restringir a participação de partidos médios e pequenos na disputa das sobras, contrariando os princípios da isonomia, proporcionalidade e pluralismo político garantidos pela Constituição Federal.

III – ADIs 7228 e 7263: Os questionamentos jurídicos

As Ações Diretas de Inconstitucionalidade 7228 e 7263, ajuizadas respectivamente pela Rede Sustentabilidade e pelo Progressistas (PP), contestaram a constitucionalidade do novo modelo de distribuição das sobras eleitorais.

Dentre os argumentos apresentados, destacam-se a violação à isonomia, restrições desproporcionais ao acesso ao mandato eletivo, desrespeito ao princípio da soberania popular e fragilização do pluralismo político.

Na concepção dos partidos autores das ações, a restrição imposta pela nova redação do art. 109 do Código Eleitoral criava uma diferenciação artificial entre partidos, ferindo o tratamento igualitário entre as legendas. Além disso, os critérios adicionais (80% do quociente + 20% individual) restringiam indevidamente a possibilidade de eleger representantes, especialmente para partidos menores.

Ao limitar a validade de votos dados a candidatos e partidos que não atingissem os percentuais exigidos, a norma frustrava a vontade do eleitor, comprometendo, portanto, a presença de partidos menores no parlamento, comprometia-se o equilíbrio democrático e a diversidade de representação.

O julgamento das ADIs teve início em março de 2024, e foi concluído ainda no primeiro semestre de 2025. O Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, declarou inconstitucional a exigência de que os partidos atingissem 80% do quociente eleitoral para disputar as sobras, mantendo apenas a exigência de que o candidato tenha obtido 20% do quociente eleitoral individualmente.

O ainda ministro Ricardo Lewandowski (substituído na continuidade do julgamento por André Mendonça) defendeu que a restrição de 80% era incompatível com o sistema proporcional previsto na Constituição, pois impunha uma cláusula de barreira disfarçada.

A Corte entendeu que o legislador não pode excluir da disputa pelas sobras eleitorais partidos que, embora não tenham atingido o quociente, ainda somam votações expressivas, uma vez que essas sobras são destinadas justamente à representatividade mais fiel do voto popular.

Foi reafirmado o entendimento de que a cláusula de desempenho partidário já é prevista constitucionalmente e não pode ser ampliada por meio de legislação ordinária, cabendo fazê-la eventualmente via emenda constitucional.

A decisão possui efeitos retroativos, o que gerou discussões sobre a possível recontagem de votos das eleições de 2022. Após a oposição de embargos de declaração para sanar tal lacuna jurisdicional, sete deputados federais eleitos em 2022 foram substituídos por candidatos preteridos com base na regra declarada inconstitucional.

Desse modo, a partir da decisão do STF, todos os partidos que participarem da eleição podem disputar as sobras, desde que o candidato atinja os 20% do quociente eleitoral individualmente. Isso amplia a chance de partidos menores conquistarem cadeiras legislativas.

Ao permitir a entrada de mais legendas no rateio final, a decisão preserva o caráter proporcional e pluralista do sistema eleitoral, valorizando a diversidade política e a soberania popular. Com menos exigências para a disputa das sobras, há menor risco de que votos válidos se tornem inócuos, aumentando a eficácia do voto.

A partir de agora, os partidos passam a ter mais incentivo para lançar candidatos competitivos, já que não dependem exclusivamente do desempenho coletivo da legenda para acessar as sobras.

IV – Críticas à decisão do STF

Como já é de praxe, há apoiadores e críticos das decisões do Supremo Tribunal Federal. Dentre os pontos de maior embate, destaca-se que as três ADIs analisadas pelo STF foram ajuizadas somente após o pleito de 2022, quando já se sabia o resultado.

Em suma, alega-se que haveria uma mudança na regra (e no resultado) do jogo em momento inoportuno, de modo que, ao conhecer o beneficiário de uma decisão, não estaríamos unicamente diante de uma análise jurídica, mas também de valoração política.

Considerações Finais

O julgamento das ADIs 7228 e 7263 pelo Supremo Tribunal Federal reafirmou princípios centrais da democracia brasileira: a representatividade, a isonomia partidária e a soberania popular. Ao declarar a inconstitucionalidade da exigência de 80% do quociente eleitoral para o acesso às sobras, o STF impediu que o sistema proporcional fosse transformado, na prática, em um modelo majoritário disfarçado.

Essa decisão fortalece a legitimidade do sistema eleitoral e resguarda o pluralismo político, ao permitir que uma maior diversidade de forças políticas tenha acesso ao Parlamento, mesmo quando não atingem o quociente eleitoral pleno.

Com isso, o Brasil reafirma seu compromisso com um modelo de representação proporcional, aberto e justo, em que o voto de cada cidadão tenha peso efetivo na formação dos Poderes Legislativos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DE JESUS, Marcelo. O Sistema Eleitoral Proporcional Brasileiro sob a Perspectiva da Educação Matemática Crítica. Editora Dialética, 2025.

PINHEIRO, Victor Marcel. A eficácia temporal da decisão do STF no caso das sobras eleitorais. Jota. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/observatorio-constitucional/a-eficacia-temporal-da-decisao-do-stf-no-caso-das-sobras-eleitorais

RODAS, Sérgio. Regra de divisão das sobras eleitorais vale para eleições de 2022. CONJUR. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-mar-13/regra-de-divisao-das-sobras-eleitorais-vale-para-eleicoes-de-2022-diz-stf/

ROMÃO, Maurício Costa. O julgamento das ADIs de sobras de voto em meio ao embate Congresso vs STF. Jota. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-julgamento-das-adis-de-sobras-de-voto-em-meio-ao-embate-congresso-vs-stf

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