As redes sociais ampliaram a liberdade de expressão como nunca antes, mas também expuseram limites importantes. A desinformação, os discursos de ódio e a dificuldade de responsabilizar autores de conteúdo digital colocaram o Direito diante de novos dilemas urgentes.
O jurista, nesse cenário, é chamado a atuar com técnica, ética e responsabilidade. Este artigo discute os desafios jurídicos da liberdade de expressão no ambiente digital, os limites constitucionais e o papel ativo do profissional do Direito na construção de um espaço virtual mais seguro e democrático.
O avanço das redes sociais e o novo desafio do Direito
As redes sociais se consolidaram como o principal espaço de circulação de ideias, opiniões e mobilização social. Com poucos cliques, qualquer pessoa pode publicar, compartilhar e viralizar conteúdos — sem qualquer filtro editorial ou responsabilidade prévia. Essa revolução comunicacional democratizou a voz, mas também abriu caminho para distorções perigosas.
O ambiente digital, moldado por algoritmos de engajamento, favorece justamente os conteúdos mais polêmicos, sensacionalistas ou enganosos. A viralização da desinformação passou a ser uma ameaça concreta à democracia, à saúde pública e à segurança da informação. O Direito, nesse novo cenário, precisa lidar com problemas que crescem mais rápido que as leis.

Fake news e o impacto na sociedade
No âmbito das eleições a desinformação no ambiente eleitoral tornou-se um fenômeno global. No Brasil, segundo o Instituto DataSenado (2024), 81% da população acredita que fake news influenciam o resultado das eleições, e 72% afirmam já ter recebido esse tipo de conteúdo nas redes sociais. O custo é alto: descrédito no processo eleitoral, polarização extrema e manipulação da opinião pública.
O art. 5º, inciso IX, da Constituição garante a livre expressão, mas essa liberdade não pode ser confundida com o direito de enganar ou manipular. Quando plataformas digitais deixam de moderar conteúdos sabidamente falsos, a omissão contribui para a corrosão da confiança democrática. Juridicamente, a responsabilização torna-se tema inevitável.
Por outro lado, no tocante à saúde pública, durante a pandemia, a circulação de informações falsas sobre vacinas e tratamentos caseiros sem eficácia custou vidas. A Organização Mundial da Saúde classificou esse fenômeno como infodemia: o excesso de informações, verdadeiras ou falsas, que dificulta o acesso a fontes confiáveis.
Nesse contexto, a responsabilização das plataformas ganha contornos mais urgentes. A liberdade de expressão não pode servir de escudo para práticas que colocam em risco a saúde coletiva. Iniciativas como o PL das Fake News (PL 2630/2020) buscam exigir mais transparência e responsabilidade na moderação de conteúdo, especialmente em temas sensíveis.
Segurança da informação e manipulação de comportamento
As fake news vão além do discurso político ou sanitário, podendo ser utilizadas como ferramenta de engenharia social, com potencial para gerar comportamentos de risco, violência ou prejuízo econômico. Grupos organizados usam redes para manipular emoções, radicalizar posições e desestabilizar instituições.
O problema se agrava pela ausência de regras claras e de fiscalização efetiva. O art. 19 do Marco Civil da Internet, que trata da responsabilização das plataformas, ainda é controverso e insuficiente frente à complexidade do ambiente digital. A discussão sobre a revisão desse artigo é necessária e urgente.
O papel do jurista nas redes sociais
Diante desse cenário, o jurista não pode se manter neutro. É dever de quem atua no Direito compreender, interpretar e intervir no debate público digital. Isso exige domínio técnico, sensibilidade institucional e uma postura ética diante da desinformação e da polarização.
A atuação jurídica vai além da repressão judicial: passa pela educação digital, pelo apoio a legislações equilibradas e pelo uso responsável da própria presença online. O jurista deve ser referência de diálogo qualificado, combatendo a banalização da mentira com argumentos, dados e princípios constitucionais.
Mais do que aplicar a lei, o papel do jurista nas redes é proteger os fundamentos democráticos em tempos de incerteza.
Liberdade de expressão na Constituição: um direito com limites
A liberdade de expressão é um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Prevista nos incisos IV e IX do art. 5º da Constituição Federal, ela assegura o livre pensamento e a manifestação intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. O art. 220 da CF reforça essa garantia, ao proibir qualquer forma de restrição à atividade da mídia e à expressão do pensamento, vedando a censura prévia.
Entretanto, não se trata de um direito absoluto. A própria Constituição impõe limites legítimos quando o exercício da liberdade viola outros direitos fundamentais, como a honra, a intimidade, a imagem e a vida privada (art. 5º, incisos V e X). Além disso, o texto constitucional veda o anonimato (art. 5º, IV), justamente para permitir a responsabilização posterior por eventuais abusos.
Essa arquitetura constitucional estabelece um equilíbrio: o cidadão é livre para se manifestar, mas deve responder pelos excessos cometidos, especialmente quando ofende, desinforma ou incita a violência. Essa responsabilidade não é censura, mas um mecanismo democrático de proteção contra abusos da liberdade.
O Supremo Tribunal Federal tem reafirmado essa lógica em diversas decisões. No julgamento da ADPF 130, que tratou da antiga Lei de Imprensa, o STF declarou que a liberdade de expressão é “condição para o exercício da cidadania” — mas não pode servir de escudo para práticas abusivas. Discursos de ódio, notícias falsas e incitação à violência não estão protegidos pelo manto constitucional da liberdade.
Outro precedente relevante é o julgamento do Inquérito das Fake News (INQ 4781), no qual o STF reconheceu que a desinformação sistemática, quando dirigida contra instituições democráticas, pode representar abuso do direito de expressão e ensejar responsabilização civil, penal e até remoção de conteúdo.
A conclusão é clara: liberdade de expressão não é direito de prejudicar, mas sim de contribuir para o debate público. O desafio contemporâneo está justamente em identificar os limites entre o discurso protegido e o discurso ilícito — e, nesse campo, o papel do jurista é essencial para assegurar que o Direito acompanhe, com equilíbrio, as transformações do mundo digital.
O papel do jurista na era da responsabilidade digital
A era digital impõe novos desafios ao Direito. O jurista, que antes atuava sobre conflitos mais previsíveis e tradicionais, agora precisa lidar com fake news, crimes cibernéticos, deep fakes, discursos de ódio e moderação de conteúdo nas redes sociais.
Como destaca o artigo Como a Era Digital Impacta o Direito e as Novas Modalidades de Crimes Cibernéticos, as transformações tecnológicas exigem respostas jurídicas rápidas e eficazes, pois os delitos no ambiente virtual ocorrem em tempo real e muitas vezes envolvem múltiplas jurisdições.
Nesse cenário, o jurista passa de espectador para agente ativo na regulação do espaço digital. Nesse sentido, o jurista deve contribuir com propostas legislativas, participar de audiências públicas, orientar decisões judiciais e atuar na formulação de políticas públicas sobre plataformas digitais, privacidade, proteção de dados e integridade informacional. Não basta apenas aplicar normas — é preciso pensar criticamente sobre sua atualização e alcance.
Além disso, o jurista tem um papel ético central: promover a circulação de informações verdadeiras, estimular a educação digital e combater a desinformação com base técnica e responsabilidade institucional. Isso inclui alertar sobre fraudes, orientar sobre segurança digital e fomentar o uso consciente das redes sociais por cidadãos, empresas e governos.
Por fim, o grande desafio está em atuar com equilíbrio em um ambiente polarizado. Em tempos de radicalismos e verdades distorcidas, o jurista precisa manter a imparcialidade, defender os fundamentos constitucionais e usar sua voz pública para proteger os direitos fundamentais. Em um mundo onde algoritmos moldam narrativas, o jurista deve ser âncora de credibilidade e racionalidade jurídica.

Considerações finais
A era digital exige um novo perfil de jurista: atento às inovações, comprometido com os direitos fundamentais e preparado para enfrentar os riscos jurídicos do ambiente online. Fake news, anonimato irresponsável e algoritmos opacos não podem ser tratados com as mesmas ferramentas do século passado.
É preciso compreender que liberdade de expressão não é absoluta. O Direito deve garantir um espaço público digital equilibrado, onde o debate plural seja protegido, mas os abusos tenham consequências. Juristas, legisladores e instituições têm um papel essencial na formulação de soluções eficazes. Se você quer atuar com segurança e protagonismo nessa nova realidade, conheça a Pós-Graduação em Direito Digital do IDP. O curso prepara profissionais para lidar com os desafios jurídicos das redes sociais, da proteção de dados e da regulação da tecnologia. Invista na sua formação e esteja à frente no Direito do futuro.

Referências
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 12. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2024. E-book. (1 recurso online). ISBN 9788553621132. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/books/9788553621132.
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BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Movida por lucro, desinformação mina a confiança na saúde pública. 6 set. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/conselho-nacional-de-saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/marco/movida-por-lucro-desinformacao-mina-a-confianca-na-saude-publica.
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Blog IDP. Como a Era Digital Impacta o Direito e as Novas Modalidades de Crimes Cibernéticos. Blog Direito Digital. 2 dez. 2024. Disponível em: https://pos.idp.edu.br/idp-learning/blog/direito-digital/como-a-era-digital-impacta-o-direito-e-as-novas-modalidades-de-crimes-ciberneticos/.
SENADO FEDERAL (Brasil). Agência Senado. Para brasileiros, notícias falsas impactam eleições, revela DataSenado. 23 ago. 2024. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/08/23/para-brasileiros-noticias-falsas-impactam-eleicoes-revela-datasenado.