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Desafios regulatórios à saúde e segurança do consumidor nas redes sociais

O crescimento do comércio digital e a influência das redes sociais transformaram a forma como produtos e serviços são consumidos no Brasil. Nesse cenário, influenciadores e plataformas digitais passaram a desempenhar um papel central na promoção de marcas, muitas vezes impactando diretamente a saúde e a segurança dos consumidores. 

No entanto, a ausência de uma regulação eficaz e atualizada para esse novo ambiente cria lacunas legais preocupantes. Este artigo discute os principais desafios jurídicos e regulatórios ligados à atuação digital, especialmente no que se refere à proteção do consumidor, e propõe caminhos para garantir mais segurança e responsabilidade no ecossistema das redes sociais.

O papel das redes sociais no consumo contemporâneo

As redes sociais tornaram-se verdadeiras vitrines digitais, conectando marcas e consumidores de forma imediata. Influenciadores e criadores de conteúdo passaram a exercer grande poder persuasivo nas decisões de compra, especialmente em nichos como beleza, bem-estar e fitness.

Um fenômeno crescente é a publicidade velada, quando influenciadores promovem produtos sem declarar que se trata de conteúdo patrocinado. Essa dissimulação cria risco para o consumidor, que pode ser induzido ao consumo sem plena consciência da intenção comercial por trás das recomendações.

Casos emblemáticos ilustram os perigos dessa dinâmica. Desafios virais perigosos, como procedimentos de “faça você mesmo” que causam queimaduras, têm circulado nas plataformas, com registros médicos inclusive de crianças sendo feridas. 

Também proliferam os chamados “produtos milagrosos” promovidos por influenciadores – suplementos para emagrecimento ou cosméticos ilegais – sem registro em agências reguladoras, o que representa risco direto à saúde do consumidor

Esses exemplos evidenciam como a combinação de alcance massivo das redes sociais com orientações sem embasamento técnico pode gerar consequências graves. É essencial entender esse contexto para debater eficazmente os caminhos regulatórios sobre proteção à saúde e segurança dos consumidores nas redes sociais.

Riscos à saúde do consumidor nas redes sociais

As redes sociais funcionam hoje como canais quase sem controle para a divulgação de produtos relacionados à saúde, estética e bem-estar, sem qualquer verificação prévia sobre qualidade ou eficácia. Influenciadores muitas vezes recomendam suplementos, cosméticos ou medicamentos sem respaldo científico, deixando o consumidor vulnerável a fraudes, efeitos adversos e riscos à saúde.

Há uma escassez de transparência quanto aos riscos reais desses produtos. Publicações promovendo emagrecimento rápido, estética “milagrosa” ou automedicação ocorrem sem alertas necessários, estimulando o consumo por impulso e ocultando efeitos colaterais perigosos. Além disso, práticas arriscadas, como o uso de medicamentos sem prescrição, muitas vezes são retratadas como soluções fáceis pelos influenciadores, o que pode agravar quadros médicos ou mascarar doenças subjacentes .

Outro fator de risco decorre dos padrões irreais de beleza e estilo de vida impulsionados pelas redes. A constante exposição a corpos “perfeitos” e dietas extremas pode gerar insatisfação corporal, ansiedade, depressão e distúrbios alimentares, especialmente entre adolescentes e jovens adultos. 

Limites da legislação atual

As redes sociais e o marketing de influência vêm desafiando o ordenamento jurídico brasileiro em diferentes frentes. O Código de Defesa do Consumidor (CDC), por exemplo, foi concebido para relações entre consumidores e fornecedores, mas enfrenta dificuldades ao lidar com a atuação digital e transnacional de influencers e empresas online. 

Essa lacuna deixa os consumidores vulneráveis e dificulta a imposição de responsabilidades claras nesses ambientes.

A LGPD, no entanto, avançou na proteção dos dados pessoais, mas não cobre integralmente problemas como perfilamento de consumidores, automação de decisões de compra ou manipulação de comportamento via algoritmos. Sua aplicação ainda carece de estudos empíricos sobre efeitos reais na prática digital. A falta de regulação específica sobre tais práticas prejudica a defesa dos direitos dos consumidores.

Além disso, não há um marco legal que trate especificamente da atuação de influenciadores digitais e das plataformas, sobretudo em relação à publicidade indireta, ou “astroturfing”. Ainda que normas do Marco Civil da Internet e do CONAR sirvam de referência, elas não são suficientes para regular práticas cada vez mais sofisticadas e globais.

Proposta de regulação e boas práticas

Diante dos riscos à saúde e à segurança do consumidor nas redes sociais, cresce a necessidade de normas específicas para regular a publicidade digital. Uma das principais propostas é a criação de regras claras para anúncios em plataformas como Instagram, TikTok e YouTube, exigindo transparência sobre o conteúdo patrocinado. Isso ajudaria a combater a publicidade velada e proteger os usuários, especialmente os mais jovens.

Outra medida relevante seria a obrigatoriedade de alertas visíveis em conteúdos que envolvam produtos com potencial risco à saúde, como suplementos, cosméticos, medicamentos ou procedimentos estéticos. A rotulagem clara nos vídeos e postagens, por exemplo, permitiria ao consumidor identificar rapidamente se o conteúdo é publicitário e quais são os possíveis efeitos adversos.

A responsabilização compartilhada também é uma proposta importante. Marcas, influenciadores e plataformas devem dividir a responsabilidade sobre os efeitos da publicidade. Influenciadores que recomendam produtos sem checar sua legalidade, ou marcas que promovem itens não autorizados, devem responder solidariamente por danos ao consumidor.

Além disso, é fundamental exigir o registro prévio de produtos sensíveis. Suplementos alimentares, cosméticos e medicamentos só deveriam ser promovidos após aprovação pelos órgãos competentes, como a Anvisa, evitando a divulgação de itens irregulares ou perigosos. Essa exigência também ajuda a filtrar o que chega ao público via influenciadores.

Por fim, o fortalecimento de instituições como a Anvisa e o Procon no ambiente digital é essencial. Esses órgãos precisam de ferramentas adequadas para monitorar redes sociais e responsabilizar infratores com mais agilidade. A atuação mais firme e integrada dessas entidades pode reduzir os abusos e promover um ambiente digital mais seguro para os consumidores.

Experiência internacional e possíveis inspirações

Diversos países têm desenvolvido regulamentações específicas para lidar com os riscos à saúde e segurança do consumidor nas redes sociais, especialmente diante do crescimento da influência digital e da publicidade online. Essas experiências oferecem boas referências para o Brasil.

  • Na União Europeia o Digital Services Act (DSA) entrou em vigor com o objetivo de responsabilizar plataformas digitais por conteúdos nocivos. A norma impõe obrigações de transparência sobre publicidade, moderação de conteúdo e funcionamento de algoritmos.
  • Já no Reino Unido o pacote legislativo conhecido como Online Safety Act estabelece obrigações de proteção para plataformas com grande número de usuários. A autoridade reguladora (Ofcom) passou a exigir que esses serviços adotem mecanismos de avaliação de risco e ferramentas de proteção, como sistemas de verificação de idade e controle de conteúdos prejudiciais à saúde pública.
  • Por sua vez, nos Estados Unidos a Federal Trade Commission (FTC) regula a publicidade feita por influenciadores digitais com base nas Endorsement Guides, que obrigam a divulgação clara de parcerias comerciais e a veracidade das informações publicadas. 

Esses modelos apontam para uma abordagem mais proativa e compartilhada, na qual influenciadores, marcas e plataformas assumem responsabilidade conjunta pela proteção do consumidor online. 

O Brasil pode se inspirar nessas experiências para desenvolver uma regulação equilibrada, que combine transparência, fiscalização e prevenção de riscos à saúde e segurança nas redes sociais.

Caminhos para uma regulação eficiente

Para enfrentar os riscos à saúde e segurança do consumidor nas redes sociais, é fundamental construir uma regulação eficiente e coordenada. Um dos primeiros passos é promover a cooperação entre os órgãos reguladores, como Senacon, Anvisa, Ministério Público e eventuais agências voltadas ao ambiente digital. A atuação conjunta desses entes pode garantir respostas mais rápidas e efetivas.

Além disso, a inclusão do tema em projetos legislativos em andamento, como o PL das Fake News e o PL das Redes, é essencial para atualizar o marco legal brasileiro e oferecer mais proteção ao consumidor.

Outro ponto importante é o fomento à educação digital e ao consumo consciente, especialmente entre jovens e públicos mais vulneráveis. Campanhas de informação e orientação podem ajudar a reduzir os impactos negativos das redes sociais.

Por fim, a criação de um código de conduta para influenciadores e criadores de conteúdo pode funcionar como uma forma de autorregulação, estabelecendo padrões mínimos de transparência, responsabilidade e ética na divulgação de produtos e serviços. Com regras claras e fiscalização eficiente, será possível tornar o ambiente digital mais seguro e confiável para todos.

Considerações finais

Os consumidores enfrentam riscos cada vez maiores nas redes sociais, como a exposição a produtos perigosos, publicidade velada e informações enganosas sobre saúde, estética e medicamentos. A atuação de influenciadores sem critérios claros e a ausência de filtros eficazes por parte das plataformas tornam o ambiente digital ainda mais vulnerável.

Diante desses desafios, é urgente revisar e atualizar a legislação brasileira, superando os limites atuais do Código de Defesa do Consumidor, da LGPD e do Marco Civil da Internet. O tema exige um diálogo entre Direito, saúde pública e tecnologia. 

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Referências

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RODRIGUES, Pedro Saulo Vasconcelos. A responsabilidade civil de influenciadores digitais – uma análise das publicidades divulgadas nas redes sociais. Revista FT. Disponível em: https://revistaft.com.br/a-responsabilidade-civil-de-influenciadores-digitais-uma-analise-das-publicidades-divulgadas-nas-redes-sociais/.

SOUZA, Rayane Vitoria Marcos Brum de; COLLI, Luciana Ferreira Mattos; ANDRADE, Leonardo Guimarães de. A influência e os riscos das mídias sociais no uso de medicamentos para emagrecer. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, Disponível em: https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/16521.

OLIVEIRA, Joice Liara Nunes de. Responsabilidade jurídica dos influenciadores digitais: limites e consequências. Migalhas, São Paulo, 27 jun. 2025. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/433513/responsabilidade-juridica-dos-influenciadores-limites-e-efeitos.

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