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Adultização de crianças e adolescentes: desafios para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

A adultização infantil representa um problema crescente nas redes sociais, onde crianças são expostas ou incentivadas a reproduzir comportamentos próprios da vida adulta. A repercussão de um vídeo do influenciador digital Felca trouxe esse debate ao primeiro plano, revelando falhas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diante da era digital. 

Assim, o presente artigo analisa esse fenômeno sob a perspectiva jurídica e social, propondo caminhos para reforçar a proteção infantojuvenil no ambiente virtual.

O que é a adultização infantil?

A adultização infantil ocorre quando crianças assumem papéis, responsabilidades ou comportamentos típicos de adultos antes do tempo adequado. Isso inclui desde a exposição sexualizada até responsabilidades profissionais inapropriadas. O termo tem sido amplamente debatido após denúncias feitas pelo influenciador digital Felca, que expôs perfis que exploram menores em contextos impróprios nas redes sociais.

O papel das redes sociais

Nas redes sociais, algoritmos favorecem conteúdos chocantes ou sensuais, elevando o engajamento e, consequentemente, a monetização. Crianças exibidas como influenciadoras mirins ou sexualizadas acabam sendo vítimas da monetização da infância, quando familiares ou geradores de conteúdo priorizam visualizações em detrimento da proteção infantil.

O caso Felca e a repercussão social

O influenciador Felca viralizou ao publicar um vídeo de quase 50 minutos denunciando a exploração de menores nas redes, com mais de 40 milhões de visualizações. O conteúdo gerou investigações contra perfis como o de Hytalo Santos, suspensão de contas e mobilização no Congresso Nacional com apresentação de mais de 30 projetos de lei relacionados à proteção infantil digital.

O que o ECA prevê sobre a proteção dos menores?

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei 8.069/1990) garante a proteção integral a menores, reconhecendo sua “condição peculiar de pessoa em desenvolvimento” e colocando os seus direitos em posição de prioridade absoluta na ordem jurídica. 

O art. 241‑D tipifica como crime o aliciamento ou constrangimento de crianças para finalidades libidinosas, com pena prevista entre 1 e 3 anos de reclusão, enquanto o art. 244‑A pune a produção ou divulgação de cenas de conotação sexual envolvendo menores.

Além disso, o ECA estende sua proteção aos meios de comunicação, prevendo sanções para conteúdos que violem a dignidade infantil, inclusive em plataformas digitais. O princípio da proteção integral impõe que crianças e adolescentes sejam tratados como sujeitos de direitos, com prioridade nas políticas públicas e na aplicação do Estado, inclusive na tutela jurídica contra formas de exploração e adultização.

Projetos de lei e evolução normativa

A proteção de crianças e adolescentes nas redes sociais tem motivado diversas propostas legislativas no Brasil. O foco central dessas iniciativas é adaptar o ordenamento jurídico aos riscos digitais e garantir a efetividade dos direitos fundamentais dos menores.

Diante da recente mobilização social, o Congresso debate projetos como:

  • PL 2.628/2022: propõe medidas rígidas de controle parental, proíbe o contato direto entre adultos e menores em plataformas digitais e exige a remoção imediata de conteúdo impróprio. O intuito é estabelecer barreiras legais contra interações abusivas e preservar a integridade psíquica de crianças e adolescentes.
  • PL 2.857/2019: endurece o combate ao aliciamento de menores pela internet, prevendo o aumento das penas para esse tipo de crime. O projeto busca reforçar a resposta penal diante do uso da tecnologia como meio para a prática de ilícitos.
  • PL 3.852/2025: conhecido como “Lei Felca”, veda a monetização de conteúdo infantil nas redes sociais e impõe às plataformas obrigações específicas de monitoramento, transparência e moderação.

Essas propostas evidenciam uma tendência de fortalecimento da regulação digital voltada à infância, com foco na prevenção de abusos, responsabilização das plataformas e proteção do interesse superior da criança, conforme determina o artigo 227 da Constituição.

Diante desse cenário, as redes sociais passam a assumir papel fundamental na moderação e remoção de conteúdos que exponham ou explorem menores. A regulação caminha para impor responsabilidade objetiva e dever de vigilância ativa, aproximando o ambiente digital das exigências de proteção já previstas no mundo físico, especialmente no que tange à prevenção de violações contra crianças e adolescentes.

Impactos da adultização no desenvolvimento infantil

A exposição precoce a conteúdos impróprios pode causar diversos prejuízos emocionais e psicológicos em crianças, incluindo ansiedade, depressão e distorções na percepção de si mesmas e do mundo ao seu redor. A infância é uma fase de formação que deve ser preservada, livre de obrigações adultas ou de exposição indevida a padrões e comportamentos que não condizem com sua idade.

Estudos psicológicos e pedagógicos demonstram que a adultização compromete o desenvolvimento de habilidades fundamentais, como a empatia, a criatividade e a autonomia emocional. Quando submetidas a padrões estéticos irreais, discursos sexualizados ou responsabilidades desproporcionais, as crianças tendem a desenvolver dificuldades nas relações sociais, no rendimento escolar e na construção da autoestima.

Sob a perspectiva jurídica, a Constituição Federal assegura no artigo 227 o direito das crianças e adolescentes à proteção integral, o que inclui a salvaguarda contra toda forma de negligência, violência, exploração e opressão. O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, reforça essa proteção em seu artigo 17, que garante o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, reconhecendo-os como sujeitos em desenvolvimento.

Dessa forma, a regulação de conteúdos na internet e a responsabilização de plataformas não são apenas estratégias de prevenção, mas obrigações constitucionais. O combate à adultização digital exige políticas públicas eficazes, educação digital para pais, responsáveis e crianças, além de uma legislação atualizada — como demonstram os projetos de lei atualmente em debate no Congresso Nacional.

No entanto, é fundamental lembrar que a família possui papel primordial na proteção da infância. De acordo com o próprio artigo 227 da Constituição, cabe à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar com absoluta prioridade os direitos da criança e do adolescente, inclusive o direito à educação e ao desenvolvimento saudável. 

Pais e responsáveis devem atuar como guardiões atentos, promovendo orientação, limites e diálogo sobre o uso responsável da internet. Ainda assim, a proteção da infância no ambiente digital não pode recair exclusivamente sobre a família. É essencial que escolas, políticas públicas e plataformas digitais atuem de forma coordenada, promovendo um ecossistema seguro e respeitoso para o desenvolvimento infantil.

Considerações finais

A adultização de crianças nas redes sociais é um fenômeno preocupante que ameaça o desenvolvimento saudável e a dignidade infantil. A exposição precoce a conteúdos impróprios e o incentivo a comportamentos adultos geram impactos emocionais e sociais profundos, que exigem respostas legais, educativas e institucionais.

O Estatuto da Criança e do Adolescente já prevê proteção integral, mas o ambiente digital impõe novos desafios, enfrentados por propostas como o PL 2.628/2022 e o PL 3.852/2025, que tratam da regulação de plataformas e proteção do público infantojuvenil.

Nesse contexto, a responsabilidade deve ser compartilhada entre famílias, Estado, escolas e plataformas digitais. A Constituição Federal estabelece o dever de todos em assegurar, com absoluta prioridade, os direitos das crianças e adolescentes. Assim, o combate à adultização exige não apenas leis atualizadas, mas também educação digital, vigilância ativa das redes sociais e fortalecimento de políticas públicas voltadas à infância.

Referências

Adultização infantil: denúncias de Felca e leis no Brasil. Projuris, 14 ago. 2025. Disponível em: https://www.projuris.com.br/blog/adultizacao-infantil/.

BRASIL. Denúncia sobre uso indevido de imagens de crianças motiva 32 projetos na Câmara dos Deputados. Brasília: Agência Câmara de Notícias, 12 ago. 2025. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/1187375-denuncia-sobre-uso-indevido-de-imagens-de-criancas-motiva-32-projetos-na-camara-dos-deputados/.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Brasília: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069compilado.htm.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. 

BRASIL. Secretaria de Comunicação Social. Direitos digitais de crianças e adolescentes. Guia: Uso de telas por crianças e adolescentes. Brasília: Secretaria de Comunicação Social. Disponível em: https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/uso-de-telas-por-criancas-e-adolescentes/guia/capitulos/direitos-digitais-de-criancas-e-adolescentes.

Especialistas alertam que crianças não podem ser “produto” das redes. Brasília: Agência Brasil, 13 ago. 2025. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2025-08/especialistas-alertam-que-criancas-nao-podem-ser-produto-das-redes.

TJDFT. Princípio da proteção integral – direito da criança e do adolescente. Brasília: TJDFT, 23 jul. 2025. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/direito-da-crianca-e-do-adolescente-na-visao-do-tjdft/dos-principios-e-fundamentos/principio-da-protecao-integral-direito-das-criancas-e-dos-adolescentes.

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