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Tributação verde: incentivos e penalidades no contexto ESG

Você já parou para pensar que a tributação pode se tornar uma grande aliada da sustentabilidade e fortalecer os seus resultados ESG? Pois bem, a resposta para essa pergunta está na tributação verde, que, em suma, é o uso inteligente e bem alocado de instrumentos fiscais para premiar agentes que investem em práticas sustentáveis, além de, na mesma toada, penalizar aqueles que geram impactos ambientais severos e nocivos.

Neste artigo, me proponho a mostrar brevemente como o Brasil tem articulado essas ferramentas (impostos extrafiscais, encargos setoriais, benefícios fiscais, etc) e como ainda existe espaço para um constante e significativo aprimoramento.

A tributação verde e por que ela importa

Como é notório em todas as esferas da sociedade, ao longo dos últimos anos as pautas ambientais têm ganhado espaço e – felizmente! – deixado de ser um tema marginalizado, tornando-se um dos eixos centrais das políticas públicas, estratégias de governança corporativa e até mesmo do Direito Tributário.

Como nunca antes, pode-se observar que temas relacionados à mudanças climáticas, degradação do meio ambiente, escassez de recursos naturais e poluição têm ganhado espaço e exigido respostas regulatórias e fiscais. Dessa forma, a tributação emerge como uma forma de induzir comportamentos sustentáveis por meio da premiação de práticas positivas e da penalização de práticas negativas e nocivas.

O conceito de tributação verde ganhou ainda mais destaque na aprovação da Reforma Tributária (EC 123/2023), que trouxe a possibilidade da criação do Imposto Seletivo para incidir sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente como um todo, somando-se aos incentivos fiscais que já existiam (como o IPTU Verde e o ICMS Ecológico), e formando esse um conjunto de instrumentos normativos aptos a consolidar a tributação ambiental como vetor de políticas pública ambientais, com base na ideia do princípio do poluidor-pagador, que tem previsão no ordenamento jurídico brasileiro e em diversos tratados internacionais.

Ocorre que, antes mesmo da aprovação da Reforma Tributária (EC 123/2023),  a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 já fornecia um vasto respaldo para esse tipo de política, através de artigos como o artigo 225 e o artigo 170 que, respectivamente, prevêem o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e a defesa do meio ambiente como um dos seus princípios, ao disciplinar a ordem econômica. De maneira evidente, esses artigos legitimam a extrafiscalidade ambiental, ou seja, legitimam que os tributos devem ser utilizados não apenas com a finalidade de arrecadação, mas também de indução de comportamentos coadunados com a sustentabilidade.

No contexto do cenário internacional, a tributação verde também vem sendo empregada de forma ativa. Na União Europeia, por exemplo, existem diversos impostos sobre sistemas de comércio e variadas políticas de incentivo fiscal à tecnologias verdes. Excelente, não? 

Muito mais do que um certeiro instrumento jurídico, a tributação verde também se liga às estratégias ESG das empresas.Pensando de maneira rápida e clara: quando uma empresa é responsável por poluir, os custos ambientais recaem sobre toda a coletividade. Entretanto, no momento em que há a constituição de um imposto seletivo para taxar a atividade poluidora, ao transferir esse custo para o agente causador, o Estado corrige falhas de mercado. Nessa conjuntura da esfera privada, os investidores passam a demandar das empresas relatórios de transparência sobre os impactos ambientais. Assim, as empresas buscam estar em conformidade, evitando riscos comerciais e obtendo vantagens, como o acesso às linhas de financiamento verdes. É uma cadeia extremamente positiva.

Penalidades fiscais: corrigindo externalidades

    Apesar de não se resumir a aplicação das penalidades fiscais, esta é a face mais visível e proeminente da tributação verde. Estas penalidades atuam como instrumentos voltados para tornar mais onerosa e menos inviável a prática de atividades poluidoras e/ou a produção que enseja qualquer tipo de elevado impacto ambiental. Como exemplos que merecem destaque no Brasil, podemos destacar: o Imposto Seletivo, a CIDE-Combustíveis e a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA).

    O primeiro desse grande grupo, o Imposto Seletivo, conforme mencionado acima, é uma grande novidade oriunda da Reforma Tributária, cuja função é justamente repercutir sobre os bens e serviços que sejam prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Esse imposto ainda não foi regulamentado por lei complementar específica, mas tem um grande potencial, podendo gerar um desincentivo ao consumo e à propagação e aplicação de inovação tecnológica para buscar caminhos alternativos. 

    Em contrapartida ao imposto que ainda depende de regulamentação, a CIDE-Combustíveis atua de maneira consolidada no país desde o início dos anos 2000, agindo como uma forma de intervenção no domínio econômico, ao incidir sobre a importação e comercialização de derivados de petróleo, gás natural e álcool combustível.

    Por fim, a TCFA também opera como um instrumento relevante, previsto na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente. Essa taxa possui um caráter pontual e não genérico, vinculado ao exercício de polícia do poder ambiental, por meio do IBAMA, que a aplica em empresas potencialmente poluidoras, com vistas ao custeio da atividade de fiscalização.

    Esses são alguns dos exemplos de penalidades que exercem um papel corretivo e pedagógico, demonstrando como o sistema tributário pode ser usado como ferramenta de política ambiental, alinhando incentivos privados com os custos sociais das atividades poluidoras.

    Incentivos fiscais: recompensando a transição

      Em outra frente, o Estado trabalha com o objetivo de premiar condutas positivas, por meio dos incentivos fiscais ambientais. Estes podem ocorrer por meio da redução de alíquotas, isenções, créditos presumidos ou repartição diferenciada de receitas. Atualmente os exemplos mais conhecidos são o ICMS Ecológico, o IPTU Verde e os regimes favoráveis de IPVA.

      O primeiro incentivo fiscal consiste na redistribuição de parte da receita do ICMS de acordo com critérios ambientais, fazendo com que os municípios que possuem áreas de conservação, mananciais de abastecimento ou políticas de saneamento básico recebam uma fatia maior da arrecadação estadual. Seguindo o mesmo racional, o IPTU Verde busca conceder descontos no imposto predial a proprietários de imóveis que adotem soluções sustentáveis, como captação de energia solar, reuso de água, telhados verdes ou sistemas de compostagem. Semelhantemente, alguns estados brasileiros têm concedido uma  isenção ou redução da alíquota do IPVA para veículos elétricos e híbridos

      Todos esses instrumentos recompensatórios buscam demonstrar que o Estado não atua apenas na frente da tributação verde punitivista, mas, também, por meio da recompensa de boas práticas, o que implica em uma lógica que representa oportunidades concretas de planejamento tributário, desde que integradas a projetos efetivos de sustentabilidade, no contexto ESG.

      Todos os instrumentos visam caminhar com a tendência crescente do futuro realmente sustentável, e é nesse ponto que surge a conexão direta com o conceito de ESG, já que os incentivos e penalidades fiscais repercutem não apenas sobre a esfera econômica, mas também sobre a forma como empresas estruturam suas estratégias ambientais, sociais e de governança.

      Tributação verde como eixo estruturante da agenda ESG

        É evidente que a conexão entre a tributação verde e a agenda da sustentabilidade não é mais retórica, mas prática, considerando os incentivos fiscais e penalidades atualmente aplicáveis, e tudo isso influencia diretamente a forma como as empresas estruturam seus planos de investimento e crescimento. Desse modo, a agenda ESG (Environmental, Social and Governance) tem orientado empresas, governos e investidores em escala global e servido como uma métrica de riscos e oportunidades.

        No braço ambiental, a conexão é notória, pois os tributos verdes funcionam como mecanismos que internalizam externalidades ambientais, deslocando o custo da coletividade para o agente causador da degradação, o que faz com que a tributação seja uma forma de avaliação da performance ambiental das empresas, deixando de ser apenas uma política pública.

        De forma igualmente relevante, a tributação verde desempenha um papel no pilar social, se transformando em uma política de distribuição equitativa de oportunidades e de qualidade de vida. Um exemplo disso é que incentivos fiscais voltados para energias renováveis ou veículos elétricos reduzem desigualdades no acesso a tecnologias limpas e criam oportunidades de inclusão produtiva. 

        No que tange à governança, a tributação verde também se mostra imprescindível, pois as empresas que tratam a conformidade tributária ambiental de forma estratégica demonstram robustez administrativa, transparência e responsabilidade, atributos cada vez mais valorizados por investidores institucionais e órgãos de fiscalização.

        Indo além, a tributação também serve como métrica de sustentabilidade e parâmetro para alocação de recursos nos fundos de investimento nacionais e internacionais, isto porque as companhias que demonstram aderência a boas práticas ambientais e tributárias estão mais aptas a captar financiamentos, emitir debêntures incentivadas e participar de programas de crédito verde. É claro que isso impacta diretamente o potencial crescimento das empresas, o que faz com que elas observem com ainda mais atenção às necessidades de eventuais alterações para uma maior conformidade com a agenda ESG.

        Conclui-se, portanto, que a tributação verde é mais do que uma técnica fiscal: é um instrumento estratégico de transformação, integrando os 3 pilares do ESG ao proteger o meio ambiente, distribuir oportunidades sociais e fortalecer a governança corporativa. 

        Comprova-se, ainda, que quando bem desenhada, esse tipo de tributação consegue alinhar eficiência arrecadatória, justiça distributiva e preservação ambiental, reduzindo riscos regulatórios e ampliando a competitividade empresarial.

        Esse conjunto de fatores demonstra que a tributação verde já não pode ser interpretada como um tema periférico do Direito Tributário, porque ela representa uma linguagem comum entre Estado, mercado e sociedade, traduzindo-se em incentivos, penalidades e estruturas de governança que moldam diretamente a forma como empresas criam valor.

        Nota-se, então, que a verdadeira função da tributação verde não é aumentar ou reduzir a carga tributária de forma isolada, mas reorientar comportamentos em direção a um desenvolvimento econômico mais equilibrado e responsável para juristas, gestores públicos e empresas. O recado é muito claro: compreender e incorporar a tributação verde em suas estratégias é não apenas recomendável, mas indispensável para prosperar em um cenário regulatório e mercadológico cada vez mais pautado pela sustentabilidade!

        Leia mais: Desafios da convivência entre CBS, IBS e Imposto Seletivo no novo Sistema Tributário Nacional

        REFERÊNCIAS

        BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

        BRASIL. Emenda Constitucional n. 132, de 20 de dezembro de 2023. Altera o Sistema Tributário Nacional e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 2023.

        BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 set. 1981.

        BRASIL. Lei n. 10.336, de 19 de dezembro de 2001. Institui a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível – CIDE. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 2001.

        BRASIL. Lei n. 12.187, de 29 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 dez. 2009.

        BRASIL. Lei n. 13.576, de 26 de dezembro de 2017. Dispõe sobre a Política Nacional de Biocombustíveis – RenovaBio. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 dez. 2017.

        OCDE. Tax Policy Reforms 2022: OECD and Selected Partner Economies. Paris: OECD Publishing, 2022. DOI: https://doi.org/10.1787/9a6104e3-en

        SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2022.

        TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2021.

        WWF BRASIL. ICMS Ecológico: dados atualizados para todo o Brasil. Brasília, 2023. Disponível em: https://www.wwf.org.br/. Acesso em: 3 set. 2025.

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