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O TCU como Avaliador de Políticas Públicas: Reflexões sobre o Papel das Auditorias Operacionais

O controle da Administração Pública é um dos temas mais importantes dentro do Direito Administrativo, e, desde a Constituição Federal de 1988 tem vivenciado uma expansão. Para algumas correntes doutrinárias, inclusive, a exacerbação de competência de algumas instituições ocorre com o condão de limitar a discricionariedade da Administração Pública, muitas vezes funcionando apenas como um ator de veto a determinadas políticas públicas. 

Como é sabido, em apertada síntese, o controle pode ser interno ou externo, mediante análises econômicas, sociais e até mesmo judiciais. Atualmente, algumas instituições, como o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União, foram remodeladas, ganhando novas competências buscando efetivar e sacramentar o controle externo à administração, como muito bem discorreram os professores Floriano de Azevedo Marques Neto e Juliana Bonacorsi de Palma. Importante lembrar que na realidade, um controle eficiente da Administração Pública não é aquele que amedronta o gestor, mas na realidade, a verdade é que o bom controle se mensura por seus efeitos concretos, como aduz a professora Juliana de Palma.

Como parte do controle (interno ou externo) da Administração Pública, encontra-se o controle de suas políticas públicas. O artigo 70 da Constituição permite em alguma medida que o TCU possa efetuar esse controle com base não apenas em aspectos contábeis e financeiros, mas também operacionais. Além disso, a fiscalização tampouco se baseia unicamente na legalidade ou na legitimidade dos atos, mas ainda leva em consideração a economicidade dos processos.

Assim, o TCU, em interpretação bastante alargada (e por vezes questionável) do artigo 70 da Constituição Federal, pode realizar diversos tipos de auditorias: contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial (art. 71, IV, CF88) com o objetivo de fiscalizar não apenas as contas, mas também as políticas públicas em si. Desse modo, o TCU acaba se tornando um potencial avaliador de políticas públicas, ainda que isso não seja parte de suas atribuições constitucionais.

PAPEL DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO NO CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O controle externo da Administração Pública é uma pauta fácil e sedutora no Brasil. Com uma epidemia de casos de corrupção, mau uso de recursos públicos, atos em interesse estritamente pessoal, e uma desigualdade social abissal, apenas reforçada por algumas políticas públicas, é natural que a população se encante com promessas de resolução desses problemas. Apenas citando o passado recente brasileiro, Collor disse que “caçaria marajás”, Bolsonaro alegou que a “mamata acabaria”, entre outros casos. Essas promessas conquistaram a opinião pública de parcelas relevantes da população brasileira. 

Com efeito, o Brasil carece de iniciativas que possam coibir atos inidôneos do poder público. Neste contexto, obviamente os órgãos de controle, tanto externos como internos, são partes importantes no Estado Democrático de Direito do Brasil. Especialmente depois da Constituição de 1988, não há como pensar no Brasil sem órgãos como o Ministério Público, a Polícia Federal, o Tribunal de Contas da União ou a Controladoria Geral da União (e suas instituições correlatas, como o Ministério da Transparência). 

Voltando-se para o controle externo, objeto deste ensaio, Importante destacar que este controle é o que se realiza por órgão estranho à Administração responsável pelo ato controlado, seja ele o Poder Legislativo com auxílio dos Tribunais de Contas, seja o próprio controle judicial (ou até mesmo por parte do Ministério Público), ou o próprio controle dos atos administrativos por parte do Poder Legislativo. 

Nas palavras de Floriano de Azevedo Marques Neto, o controle tem quatro objetivos primordiais: 

(i) o primeiro é a defesa do patrimônio público, vez que o Estado é o proprietário desses bens e tem o dever de defender seu patrimônio; 

(ii) o segundo trata da aplicação de recursos públicos, verificando não apenas da gestão orçamentária, mas também de responsabilidade civil, economicidade e probidade; 

(iii) o terceiro objetivo do controle é o cumprimento das finalidades da Administração, tentando alcançar cada vez mais a eficiência administrativa;

(iv) por fim, o quarto objetivo do controle é manter os atos administrativos dentro da legalidade, considerando a lei a base da atuação administrativa. 

Neste cenário, é importante trazer a questão dos controles para a atualidade. Conforme pontuado pela Professora Maria Sylvia Zanella di Pietro, o controle externo foi consideravelmente ampliado na atual Constituição, conforme se verifica por seu artigo 71. São diversas suas atribuições, como a de: (i) fiscalização financeira propriamente dita; (ii) de consulta – especialmente em relação ao parecer prévio das contas do Presidente da República; (iii) de informação; (iv) de julgamento; (v) atribuições sancionatórias; (vi) atribuições corretivas; e ainda vii) atribuições similares à ouvidoria.

Neste cenário, revela-se evidente que o maior desafio para a tomada de decisões complexas se dá não apenas pela dificuldade e necessidade de velocidade das decisões, mas também pelos mecanismos existentes de controle da Administração Pública. Se de um lado a Constituição de 1988 trouxe a democracia para o país, impondo os mecanismos de controle à Administração, aumentando a transparência dos atos, trazendo instrumentos de participação popular, e inclusive facilitando sobremaneira a judicialização contra o poder público, de outro lado pode levar a um excesso de poder, sem freios nem contrapesos

TIPOS DE AUDITORIA REALIZADAS PELO TCU

Posto que o Tribunal de Contas da União é hoje o principal órgão de controle externo, necessário compreender seu funcionamento no tocante a sua atuação. Como já trazido, o TCU lança mão de alguns mecanismos para executar seu trabalho de controle. Existem  os acompanhamentos, os levantamentos, os monitoramentos, as inspeções e as auditorias. Veja-se inclusive, que a inspeção se difere da auditoria, pois não se trata de um instrumento de fiscalização autônomo, ao passo que a auditoria pode funcionar sozinha. As auditorias se dividem, nos termos do próprio TCU, em: (i) operacional; (ii) conformidade; e (iii) financeira. 

De acordo com o manual de auditorias operacionais do TCU, ela segue padrões internacionais, e é o exame independente, objetivo e confiável que analisa se empreendimentos, sistemas, operações, programas, atividades ou organizações do governo estão funcionando de acordo com os princípios de economicidade, eficiência, eficácia e efetividade e se há espaço para aperfeiçoamento. Trata-se do objeto desta análise, visto que essa modalidade de auditoria é essencial para assegurar a conformidade dos atos administrativos com os dispositivos legais e com os critérios de eficiência e transparência exigidos pelo TCU.

A auditoria de conformidade, por sua vez, nas palavras do TCU visa examinar a legalidade e a legitimidade dos atos de gestão à luz dos padrões normativos definidos em normas técnicas, jurídicas e regulamentos aplicáveis – bem como das cláusulas de contratos, convênios, acordos, ajustes e instrumentos congêneres. Por fim, o TCU classifica a auditoria financeira como um instrumento de fiscalização que verifica de forma independente a confiabilidade das demonstrações financeiras divulgadas por órgãos e entidades públicos, na defesa dos princípios de transparência e prestação de contas.

AUDITORIAS OPERACIONAIS PODEM AVALIAR POLÍTICAS PÚBLICAS?

Neste pequeno ensaio, busca-se compreender em que medida as auditorias operacionais tratam da avaliação de políticas públicas em sentido amplo. Assim, antes de um juízo de valor a respeito desta possibilidade, cabe destacar como o TCU enxerga as dimensões de desempenho em uma auditoria operacional. Para tanto, é necessário novamente trazer as definições dadas pela própria Corte de Contas em seu Manual de Auditoria Operacional. 

Há a conceituação de necessidades, objetivos, insumos, atividades, resultados, impactos, produtos e o efeito da intervenção governamental. Em apertada síntese, esses termos conversam com o ciclo de políticas públicas, em especial com a etapa de avaliação, como discutido em artigo recente neste fórum, tratando de avaliação de políticas públicas de inovação industrial. 

Veja-se, que nesse sentido, o TCU por meio de suas auditorias operacionais, efetivamente avalia conceitos nem sempre estritamente objetivos, como a legalidade de atos ou a utilização de recursos em conformidade com a legislação vigente. As auditorias operacionais, nos termos de seu próprio manual, podem avaliar a economicidade, a eficiência, a eficácia, a efetividade, a equidade e ainda outras dimensões do desempenho da política pública (ou da ação governamental específica).

Nota-se que alguns desses conceitos evidentemente resultam em análises subjetivas em alguma medida. O próprio manual assevera que a eficiência – a título exemplificativo – é um conceito relativo (item 1.3.2, página 17), sendo necessária uma comparação para que se possa demonstrar a eficiência ou a falta dela. Ora, em se tratando do controle externo da Administração Pública, relativizar conceitos, ou torná-los subjetivos, pode ser extremamente perigoso para o equilíbrio de forças. Importa sempre repisar que o TCU é um órgão auxiliar do Legislativo ao fim e ao cabo. 

Contudo, não há que se vilanizar as auditorias operacionais. Se executadas de maneira imparcial, buscando o maior interesse público, elas são imprescindíveis para o bom andamento da máquina administrativa. Seu manual leva em conta as melhores práticas internacionais de auditoria, e, se seguido de maneira adequada, conseguirá auxiliar a Administração Pública a atingir seus objetivos. Atualmente, o trabalho de avaliação de políticas públicas é pulverizado, sem que exista uma padronização para sua análise. Com as auditorias operacionais, o TCU pode, quem sabe, oferecer um caminho para o Estado brasileiro alcançar tais resultados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como trazido neste texto, o controle externo da Administração Pública é condição sine qua non para o pleno desenvolvimento do país. Evidentemente, dentro do controle externo é necessário em alguma medida, inserir o controle das políticas públicas realizadas. Cabe, no entanto, aos poderes instituídos, assegurar que haja suficientes freios e contrapesos não apenas entre os Três Poderes, mas também entre as entidades fiscalizadoras, como o Ministério Público e os tribunais de contas Brasil afora. Nesse sentido, não se pode jamais perder de vista a colocação do Professor Marcos Augusto Perez: sem freios e contrapesos, e com uma série de prerrogativas excessivamente genéricas e imprecisas, não é preciso ir muito distante para se imaginar que esses órgãos de controle tendam ao cotidiano abuso de poder.

Posto isso, verifica-se que as auditorias operacionais vêm realizando um importante trabalho de avaliação de políticas públicas, especialmente considerando que seu principal guia – o Manual de Auditorias Operacionais do TCU – lança mão de importantes e coerentes práticas internacionais. Contudo, é impossível ignorar o fato de que tais auditorias, ao avaliar políticas públicas com medidas subjetivas em algumas ocasiões, podem gerar um desequilíbrio de Poder. O TCU, ao ter suas competências alargadas, hoje consegue sancionar a Administração Pública de diversas formas. Fazê-lo com base em uma auditoria operacional que utiliza critérios subjetivos para avaliar uma política pública, parece perigoso sob a óptica institucional. Cabe, portanto, às instituições brasileiras, estabelecer limites para que essas ações sejam as mais corretas e republicanas.

REFERÊNCIAS

[1]  MARQUES NETO, Floriano; PALMA, Juliana Bonacorsi de. Os sete impasses da Administração Pública no Brasil. In PEREZ, Marcos Augusto e SOUZA, Rodrigo Pagani de (orgs.). Controle da Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2017.

[2] DE PALMA, Juliana Bonacorsi de. (2017) A medida do controle da Administração Pública é muito ou pouco controlada? In: André Rosilho. (Org.). Direito Administrativo e Controle de Contas. Belo Horizonte: Fórum, 2023.

[3]  MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Os grandes desafios do controle da Administração Pública. Fórum de Contratação e Gestão Pública. FCGP Belo Horizonte, ano 9, n. 100, abr. 2010.

[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2020

[5] BRASIL – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Manual de auditoria operacional / Tribunal de Contas da União. — 4.ed. – Brasília : TCU, Secretaria-Geral de Controle Externo (Segecex), 2020. https://apoioauditoria.tcu.gov.br//wp-content/uploads/sites/17/2024/12/MANUAL-DE-AUDITORIA_editorado_final.pdf

[6] BRASIL – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Boletim do Tribunal de Contas da União – v. 1, n. 1 (1968) – . – Brasília : TCU, 1968- . v. Semanal. Continuação de: Boletim Interno do Tribunal de Contas da União. 

https://apoioauditoria.tcu.gov.br//wp-content/uploads/sites/17/2024/12/Orientacoes-de-auditoria-de-conformidade.pdf

[7] BRASIL – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Manual de auditoria financeira – 2016 / Tribunal de Contas da União. –Brasília : TCU, Secretaria de Métodos e Suporte ao Controle Externo (SEMEC), 2016. https://apoioauditoria.tcu.gov.br//wp-content/uploads/sites/17/2024/12/Manual-de-Auditoria-Financeira_Edi__o-2016_vFinal_WEB-6-.pdf

[8] BRASIL – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Manual de auditoria operacional / Tribunal de Contas da União. — 4.ed. – Brasília : TCU, Secretaria-Geral de Controle Externo (Segecex), 2020. https://apoioauditoria.tcu.gov.br//wp-content/uploads/sites/17/2024/12/MANUAL-DE-AUDITORIA_editorado_final.pdf

[9] PEREZ, Marcos Augusto. “O  Mundo que Hely não viu: governança democrática e fragmentação do Direito Administrativo. Diálogo entre a teoria sistêmica de Hely e os paradigmas atuais do Direito Administrativo”. In O Direito Administrativo na Atualidade: Estudos em Homenagem ao centenário de Hely Lopes Meirelles (Org. WALD, Arnoldo; JUSTEN FILHO, Marçal e PEREIRA, César Augusto de Guimarães). São Paulo: Malheiros, 2017, pp. 851-869.

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