Em um cenário marcado por crises econômicas, variações cambiais e eventos imprevisíveis, o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos ganha destaque como instrumento essencial para garantir a continuidade e a justiça nas contratações públicas. Este artigo apresenta os fundamentos legais, as principais hipóteses de revisão e a jurisprudência recente sobre o tema.

O que é equilíbrio econômico financeiro nos contratos administrativos?
O equilíbrio econômico‑financeiro é um princípio essencial do Direito Administrativo, assegurando ao contratado a manutenção das condições originais da proposta aceita pela Administração Pública.
Essa garantia encontra amparo constitucional no artigo 37, inciso XXI da Constituição Federal de 1988, o qual exige a preservação das condições efetivas pactuadas no momento da formação do contrato.
Na prática, o equilíbrio econômico‑financeiro assegura que o contratado não seja prejudicado por eventos imprevisíveis ou extraordinários. Esses eventos podem tornar a execução do contrato mais onerosa que o previsto inicialmente.
Essa proteção não é mera faculdade à administração, mas um dever jurídico. A Administração só pode se negar à recomposição do equilíbrio em casos em que comprovadamente não houve desequilíbrio econômico‑financeiro válido.
Previsão legal e fundamentos constitucionais
Além do artigo 37 da Constituição, o princípio do equilíbrio econômico‑financeiro tem respaldo sólido na Lei nº 14.133/2021, conhecida como Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
Artigo 92: cláusulas obrigatórias
O inciso V do art. 92 exige que os contratos contenham cláusulas sobre preço, condições de pagamento, data-base e periodicidade do reajuste, além de mecanismos de atualização monetária.
O inciso XI do mesmo artigo estabelece que deve constar prazo para resposta ao pedido de restabelecimento do equilíbrio econômico‑financeiro, garantindo celeridade e segurança ao contratado.
Artigo 124:
O art. 124, prevê que contratos podem ser alterados por acordo entre as partes, inclusive “para restabelecer o equilíbrio econômico‑financeiro inicial” em casos de força maior, caso fortuito, fato do príncipe ou eventos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis.
Esse dispositivo reforça a natureza extraordinária do reequilíbrio — dissociando-o das revisões periódicas — e ressalta a repartição objetiva de riscos conforme a matriz contratual.
Princípios correlatos
O princípio do equilíbrio econômico-financeiro também se apoia em fundamentos gerais do Direito Administrativo, como a boa-fé objetiva, a segurança jurídica e a vedação ao enriquecimento ilícito.
Esses princípios garantem que os contratos públicos sejam executados com lealdade entre as partes, estabilidade nas relações e sem que a Administração se beneficie indevidamente de situações desequilibradas.
Principais causas de desequilíbrio econômico-financeiro
Vários eventos podem comprometer o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos. Nos últimos anos, três cenários têm sido os mais recorrentes:
- Inflação elevada
- Variação cambial
- Pandemias e eventos de força maior
Situações como essas se alinham com os critérios da teoria da imprevisão: fatos imprevisíveis ou previsíveis, porém com consequências incalculáveis, que alteram profundamente a equação contratual.
Para se caracterizar o desequilíbrio econômico-financeiro, é necessário demonstrar que o evento extrapolou os riscos normais da atividade econômica e impactou o custo global da execução, retardando ou impedindo o cumprimento do contrato.
Revisão contratual: quando e como pedir?
A revisão contratual é um instrumento jurídico disponível ao contratado sempre que houver ruptura do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo. Esse mecanismo pode ser acionado nas seguintes hipóteses:
- Fatos imprevisíveis: acontecimentos que não podiam ser antecipados pelas partes no momento da celebração do contrato, mas que impactam diretamente sua execução.
- Fatos previsíveis, mas de efeitos incalculáveis: situações que, embora esperadas, apresentaram consequências de grande magnitude, tornando-se excepcionalmente onerosas.
- Caso fortuito ou força maior: eventos externos, inevitáveis e alheios à vontade das partes, como enchentes, pandemias ou greves gerais, que impossibilitam ou dificultam a execução contratual.
- Fato do príncipe: atos unilaterais do Poder Público, estranhos ao contrato, que afetam sua execução, como alterações legislativas, embargos ou restrições administrativas.
- Atrasos ou falhas da própria Administração: condutas ou omissões da Administração contratante que oneram excessivamente a parte contratada ou inviabilizam o cumprimento regular das obrigações.
O pedido de revisão deve ser formalizado por escrito, preferencialmente por meio de ofício ou termo próprio, conforme os procedimentos administrativos adotados pelo órgão contratante. Nesse sentido, o requerente deve apresentar uma descrição precisa do fato gerador do desequilíbrio, acompanhada de provas documentais que demonstrem a ocorrência do evento e seu impacto econômico.
Entre os documentos recomendáveis estão notas fiscais, planilhas de custo comparativas, pesquisas de mercado, laudos técnicos e quaisquer outros elementos que comprovem o aumento dos encargos contratuais. Além disso, é imprescindível demonstrar o nexo de causalidade entre o evento superveniente e a alteração das condições inicialmente pactuadas.
A Administração Pública, por sua vez, tem o dever de analisar o pedido com base na legislação vigente e nos princípios da legalidade, proporcionalidade, razoabilidade e boa-fé. Quando comprovado o desequilíbrio econômico-financeiro, a recomposição contratual deve ser efetivada por meio de termo aditivo ou outro instrumento hábil, a fim de garantir a continuidade da execução contratual em condições equitativas.
Reequilíbrio ou reajuste? Principais diferenças
É comum haver confusão entre reequilíbrio econômico-financeiro e reajuste contratual, mas esses instrumentos têm finalidades e aplicações diferentes.
- Reequilíbrio: é uma recomposição excepcional do contrato, solicitada quando fatos imprevistos ou extraordinários — como crises econômicas, pandemias ou atos estatais — tornam a execução mais onerosa. Pode ser pedido a qualquer tempo, desde que haja provas do impacto e do nexo com o desequilíbrio.
- Reajuste: É uma correção periódica prevista no contrato, normalmente anual, baseada em índices oficiais como IPCA ou INCC, servindo para atualizar os valores em razão da inflação e não exige ocorrência de fatos extraordinários.
Ambos visam manter a viabilidade do contrato, mas por caminhos distintos. O reajuste é rotineiro e automático; o reequilíbrio econômico-financeiro é excepcional e depende de análise técnica e jurídica.
Jurisprudência recente sobre equilíbrio econômico-financeiro
Os tribunais superiores e os tribunais de contas vêm reforçando a importância do equilíbrio econômico‑financeiro em casos de crises e eventos extraordinários que impactam contratos públicos.
Precedentes do STJ – Aplicação da teoria da imprevisão
O STJ consolidou que a teoria da imprevisão pode ser aplicada em contratos administrativos para restabelecer o equilíbrio econômico‑financeiro. Em suas decisões, a Corte destacou que só é cabível a revisão quando o fato gerador é imprevisível e traz consequências incalculáveis à execução contratual.
Ou seja, variações previsíveis no mercado não justificam revisão automática — é preciso demonstrar que o evento extrapolou os riscos inerentes à atividade contratual.
Entendimentos dos Tribunais de Contas
Os tribunais de contas, por sua vez, têm reforçado que o reequilíbrio econômico-financeiro só deve ser deferido quando há comprovação técnica consistente de desequilíbrio causado por eventos extraordinários e não apenas por variações normais de mercado.
Eles seguem critérios uniformes, como:
- Não basta a oscilação de preços: aumentos comuns ou previsíveis nos insumos não justificam reequilíbrio. O evento deve ser superveniente e intenso, excedendo os riscos normalmente inerentes ao contrato.
- É essencial demonstrar impacto global: o contratado deve apresentar documentação robusta que comprove o reflexo do evento extraordinário em todo o custo da execução, não apenas em itens isolados.
- Aplicação em contexto emergencial: nos contratos afetados por crises como a pandemia da COVID‑19, os tribunais de contas reconhecem o reequilíbrio desde que se comprove, com dados e laudos, que houve onerosidade significativa e impacto direto na execução contratual.

Considerações finais
O equilíbrio econômico-financeiro é um dos pilares dos contratos administrativos e representa uma salvaguarda essencial para assegurar que os compromissos assumidos entre o Poder Público e o contratado sejam cumpridos de forma justa e viável. A correta aplicação desse princípio garante segurança jurídica, eficiência na execução contratual e respeito à boa-fé.
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Referências
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. A visão do STJ sobre a teoria de imprevisão nas relações contratuais. Publicado em: 26 mar. 2023. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/26032023-A-visao-do-STJ-sobre-a-teoria-de-imprevisao-nas-relacoes-contratuais.aspx.
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