O Estado Democrático de Direito submete-se, em todas as suas esferas, aos ditames da Lei, concebida como um instrumento de concretização dos objetivos delineados pela Constituição Federal em sua originalidade.
Quando tratamos acerca da Administração Pública, esse cenário não é diferente. Isso porque o caráter democrático de um Estado deve influir sobre o modo de atuação da Administração, de modo a repercutir de maneira plena em todos os setores estatais.
Daí surgem princípios explícitos e implícitos que submetem a aplicabilidade dessas regras a um norte ponderativo com a finalidade de limitar e reduzir a arbitrariedade estatal.
O administrador público possui uma margem de liberdade na qual realiza a análise da conveniência e oportunidade quando da elaboração e execução do ato administrativo, tal discricionariedade é concedida apenas na medida necessária para o atendimento do interesse público.
Na busca de concretizar esse interesse, o administrador encontra-se vinculado à Lei em stricto sensu, devendo agir dentro da sua linearidade, de modo a conferir a aplicação máxima das normas constitucionalmente previstas e legislação infraconstitucional, sem atingir direitos ou garantias fundamentais.
Excedidos tais limites, a discricionariedade transforma-se em arbitrariedade, legitimando a atuação dos órgãos de controle, que podem impedir a continuidade desse ato ou cessar os seus efeitos.
Nesse contexto, o princípio da sindicabilidade cumpre a sua função de assegurar que todo ato administrativo, sempre que potencialmente lesivo a direitos, esteja sujeito a algum tipo de controle, seja ele interno ou externo.

De que maneira o princípio da sindicabilidade se manifesta na atuação administrativa e no controle dos atos da Administração Pública?
Imagine que a Administração Pública, ao publicar um edital de concurso, inclua cláusula que contrarie diretamente uma norma constitucional que compromete direitos essenciais dos candidatos.
Nessa hipótese, o edital, enquanto ato administrativo de caráter normativo, encontra-se, no mínimo, maculado por um vício de legalidade, em afronta direta ao artigo 37, caput, da CFRB/88.
De maneira simplificada, podemos abordar dois tipos de controle que poderão ser realizados: o controle externo e interno.
O controle interno parte da própria Administração para ela mesma. É a literalidade da Súmula nº 473 do STF e do Art. 53 da Lei 9.784/1999, que abarcam acerca da autotutela administrativa.
Trata-se da possibilidade, por iniciativa própria ou mediante requerimento de rever, anular ou revogar o ato administrativo proferido, de modo a garantir sua conformidade com o ordenamento jurídico e com o interesse público.
Já o controle externo, é exercido de fora para dentro da Administração. Compete ao Poder Legislativo, com o auxílio dos Tribunais de Contas, e ao Poder Judiciário, mediante provocação, realizar o controle dos atos administrativos, nos termos dos arts. 70 a 74 e do art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal de 1988.
Na concepção moderna do princípio da legalidade, os poderes normativos são atribuídos aos entes administrativos da Administração Pública, desde que pautados por princípios inteligíveis capazes de também permitir o controle legislativo e judicial sobre os atos proferidos.
Por sua vez, ao contrário do Legislativo — que exerce o controle de forma institucionalizada e pode apreciar inclusive o mérito dos atos administrativos —, o Poder Judiciário atua apenas mediante provocação da parte legitimada, limitando-se ao controle de legalidade e constitucionalidade.
O controle jurisdicional não se volta ao exame de conveniência ou de oportunidade da decisão administrativa, mas tão somente à verificação da sua conformidade com os limites impostos pela ordem jurídica a fim de compatibilizar os atos administrativos com todo o ordenamento jurídico, e não apenas com a lei formal.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, assume uma posição de deferência em relação às decisões e atos proferidos pela Administração Pública, pois é quem possui o conhecimento eminentemente técnico para tratar da matéria, mas desde que atue dentro dos limites legais.
Não cabe ao Judiciário, substituir-se ao administrador na escolha da solução mais adequada ao interesse público, sob pena de violação ao princípio da separação de poderes.
Desse modo, o princípio da sindicabilidade evidencia que nenhum ato administrativo está além do controle, seja interno ou externo, garantindo a conformidade da Administração Pública com a Lei, a Constituição e o interesse público.
De que forma a jurisprudência tem aplicado, na prática, o princípio da sindicabilidade dos atos administrativos, especialmente no que tange ao controle judicial da discricionariedade?
No âmbito dos concursos públicos, por exemplo, tanto o controle interno e externo desempenham um papel essencial na preservação da legalidade e na proteção de direitos.
O controle interno assegura que a própria Administração corrija vícios de ofício. Nesse sentido, a Administração mantém a possibilidade de revisar atos eivados de irregularidades, garantindo a lisura e a confiabilidade dos concursos públicos
Já o controle externo é frequentemente ilustrado pela jurisprudência dos tribunais superiores.
No julgamento do RE 898.450 (Tema 838 da repercussão geral), o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a cláusula editalícia que impedia a participação e ingresso de candidatos com tatuagens no cargo público.
A Suprema Corte entendeu que tal vedação configurava discriminação arbitrária, sem respaldo legal, violando tanto o princípio da igualdade quanto a liberdade de expressão, ambos previstos no art. 5º, IV e IX, da CFRB/88 .
Da mesma forma, a Súmula 683 do STF consolidou o entendimento de que o limite de idade em concurso público somente pode ser estabelecido quando houver previsão legal e quando a natureza do cargo assim o exigir .
Outro exemplo relevante encontra-se no RE 630.733/DF (Tema 485 da repercussão geral), em que o STF assentou a obrigatoriedade de observância das regras do edital de concurso público, tanto para garantir a segurança jurídica quanto para assegurar a igualdade entre os candidatos .
Nesse julgado, os interessados pretendiam a reavaliação de respostas fornecidas durante a prova e a nota atribuída. A partir desse cenário, reforçou-se que a Administração possui legitimidade para reavaliar as questões, sem interferência do controle jurisdicional, salvo quando houver a existência de situações teratológicas ou de flagrante ilegalidade ou inconstitucionalidade.
Esses precedentes evidenciam que a atuação do controle jurisdicional, embora não substitua a discricionariedade administrativa, exerce papel essencial no sentido de coibir desvios e assegurar que os atos estatais estejam em conformidade com a Constituição e a legislação infraconstitucional.

Conclusão
Não se pode conceber que a atuação do administrador seja exclusivamente vinculada e mecanizada, pois sempre existirá uma margem de interpretação da norma jurídica, que permite considerar as especificidades de cada caso e a aplicação criteriosa dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, essenciais no caso concreto.
Por sua vez, a margem de escolha que a lei confere à Administração não é absoluta. Como observa Juarez Freitas, ‘a discricionariedade não vinculada aos princípios é, por si mesma, arbitrariedade’, por isso deve haver um espaço delimitado entre a Lei e a Constituição para que o administrador escolha a providência mais adequada dentro desse escopo.
Sempre que limites são ultrapassados, a discricionariedade degenera em arbitrariedade, o que pelo princípio da sindicabilidade garante que o ato administrativo possa ser submetido a algum tipo de fiscalização, seja interna, pela autotutela da própria Administração, seja externa, por meio da atuação do Legislativo, dos Tribunais de Contas e do Judiciário.
Desse modo, a Lei constitui um parâmetro de validade dos atos administrativos, assegurando que a atuação estatal permaneça fiel à ordem jurídica e orientada pelo interesse público e princípios constitucionais.
Leia também: Eficiência administrativa e o devido processo legal no procedimento sancionador

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 18 set. 2024.
BRASIL. Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9784.htm. Acesso em: 4 set. 2025.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário (RE) 632.853, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 23 abr. 2015. Repercussão Geral – Tema 485. Informação 782.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário (RE) 898.450/SP. Rel. Min. Luiz Fux. Julgado em 17 ago. 2016. Repercussão Geral – Tema 838. Informativo 835.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário (RE) 632.853/CE. Rel. Min. Gilmar Mendes. Julgado em 23 abr. 2015. Repercussão Geral – Tema 485. Informativo 782.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Recurso em Mandado de Segurança (RMS) 31.661/DF. Rel. Min. Gilmar Mendes. Julgado em 10 dez. 2013. Informativo 732.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Mandado de Segurança (MS) 25.399/DF. Rel. Min. Marco Aurélio. Julgado em 15 out. 2014. Informativo 763.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Súmula 683-STF. Buscador Dizer o Direito, Manaus.Disponívelem:https://buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/3830/sumula-683-stf. Acesso em: 04/09/2025 – 20:12
Mazza, A. Curso de Direito Administrativo. 15. Editora Saraiva . 2025. Grupo GEN. Disponível em: https://grupogen.vitalsource.com/books/9788553624959. Acesso em: 4 set. 2025. p. 125.
FREITAS, Juarez. Discricionariedade Administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. 2ª ed. São Paulo: Malheiros: 2009.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho R. Curso de Direito Administrativo. 13. Editora método. São Paulo: Grupo GEN, 2025. Disponível em: https://grupogen.vitalsource.com/books/9788530995850