Compartilhe

Crowdfunding e criptoativos: como evitar riscos de lavagem de dinheiro

O que é crowdfunding?

Quando falamos em crowdfunding, a primeira imagem que vem à mente é a das plataformas digitais modernas, nas quais artistas, escritores, empreendedores e pesquisadores apresentam seus projetos e recebem apoio financeiro de pessoas espalhadas pelo mundo. Esse modelo resgata uma prática histórica antiga: reunir pequenas contribuições de muitos para transformar ideias individuais em projetos de grande impacto.

Muito antes da internet, o financiamento coletivo já funcionava como uma ferramenta eficaz de mobilização social, capaz de transformar sonhos individuais em patrimônios culturais de grande relevância.

Um exemplo marcante ocorreu em 1884, quando Joseph Pulitzer mobilizou mais de 125 mil americanos, muitos contribuindo com menos de um dólar, para custear a base da Estátua da Liberdade. No Brasil, em 1923, a população carioca também participou ativamente do financiamento da construção do Cristo Redentor, arrecadando cerca de 2.500 contos de réis, valor equivalente a 9,5 milhões de reais atualmente.

Da mesma forma que organizações não governamentais arrecadam fundos para construir escolas ou implementar projetos sociais, grupos ou pessoas que antes se limitavam ao espaço local passaram, com a contribuição da internet, a alcançar um público muito mais amplo.

Assim, crowdfunding pode ser traduzido como financiamento coletivo, que na prática, consiste em um modelo de contribuição colaborativa através das redes digitais, em que diversas pessoas se unem para viabilizar determinado projeto ou iniciativa, podendo assumir diferentes modalidades, a depender da contrapartida oferecida aos financiadores. 

Funciona da seguinte forma: o proponente, ou seja, a pessoa que tem uma ideia, submete seu projeto ao público, por meio de plataformas de crowdfunding, a fim de conseguir o valor necessário para tirar sua ideia do papel e, posteriormente, colocá-la no mercado. 

Os apoiadores contribuem com valores individuais que, coletivamente, possibilitam a viabilização do projeto proposto. Em contrapartida, podem receber recompensas ou benefícios proporcionais ao investimento realizado, como um exemplar do produto final, a inclusão de seu nome nos créditos do projeto ou a participação em eventos relacionados.

Dessa forma, o financiamento coletivo se apresenta em diferentes modalidades, cada uma adequada a objetivos específicos. 

Modalidades de crowdfunding

A doação, é uma contribuição que ocorre de forma altruísta, sem expectativa de retorno, sendo muito comum em causas sociais e humanitárias. 

Já o crowdfunding de recompensa se caracteriza pela oferta de um benefício simbólico ou vinculado ao projeto, como exemplares de livros, ingressos ou produtos exclusivos, sendo bastante utilizado no financiamento de iniciativas culturais e criativas. Nesse modelo, o apoiador recebe algo em troca, como um produto final.

Por sua vez, o equity crowdfunding, ou de investimento/participação societária, concede ao apoiador participação no negócio, seja por meio de quotas ou ações, sendo uma alternativa relevante de captação de recursos para startups, atualmente regulamentada pela Resolução CVM nº 88/2022.

Embora o crowdfunding seja uma ferramenta poderosa para financiar projetos e empresas emergentes, também apresenta desafios significativos no âmbito jurídico, especialmente no que se refere aos riscos legais decorrentes da sua operação.

A facilidade de movimentação de recursos financeiros por meio de plataformas digitais pode, por si só, ampliar o risco de utilização dessas ferramentas para práticas ilícitas, em especial a lavagem de dinheiro e o financiamento de atividades criminosas.

Nesse contexto, torna-se essencial a implementação de mecanismos de controle eficazes, aliados a programas de conformidade robustos nos portais de financiamento coletivo, com ênfase na prevenção de ilícitos, no monitoramento contínuo das transações e na cooperação ativa com as autoridades competentes.

Riscos jurídicos e lavagem de dinheiro no financiamento coletivo

A expressão “lavagem de dinheiro” refere-se ao processo pelo qual recursos de origem ilícita são transformados em ativos com aparência legal, permitindo a inserção de grandes volumes de fundos em diversos setores da economia. O objetivo central desse mecanismo é mascarar a ilegalidade da origem desses recursos, conferindo-lhes uma legitimidade aparente.

No Brasil, o objeto material do crime de lavagem de dinheiro são bens, direitos e valores provenientes de infração penal antecedente, conforme estabelece a Lei 9613/98.

O crime ocorre nas plataformas de crowdfunding quando criminosos utilizam campanhas de financiamento coletivo como fachada para legitimar recursos obtidos de forma ilícita, integrando-os ao sistema financeiro sob a aparência de legalidade.

Por exemplo, uma empresa fictícia pode ser criada com o objetivo de arrecadar fundos de “investidores” que, na verdade, estão envolvidos em atividades criminosas, como tráfico de drogas ou financiamento ao terrorismo. Esses recursos, embora provenientes de atividades criminosas, são transferidos para contas bancárias ou movimentados como se fossem investimentos legítimos, criando a aparência de legalidade, o que dificulta a identificação da origem ilegal dos fundos e permite que o dinheiro ilícito seja integrado ao sistema financeiro.

Além disso, o uso de múltiplos investidores conectados ao emissor, a ausência de auditoria externa em campanhas menores e a possibilidade de transferências internacionais disfarçadas, aumentam exponencialmente os riscos.

O uso de criptoativos em campanhas de crowdfunding

Sendo as criptomoedas consideradas bens incorpóreos que circulam no ambiente virtual e a elas é atribuído valor, pode-se chegar à conclusão que estas também podem se enquadrar como objeto material de lavagem de dinheiro.

O uso de criptoativos em campanhas de crowdfunding pode trazer diversos benefícios, como um maior alcance global e menor custo de transação, mas também aumenta significativamente os riscos de práticas ilícitas e criminosas, principalmente pela dificuldade de rastreio ou evidências físicas no financiamento das operações, diferentemente dos meios de pagamentos usuais.

É possível  avaliar que  os riscos jurídicos no uso de criptoativos para crowdfunding pode ser feita por analogia aos mesmos riscos já identificados no financiamento coletivo tradicional..

A ausência de exigências rigorosas de auditoria, a possibilidade de transferências internacionais disfarçadas e o uso de investidores conectados ao emissor são fatores que favorecem a lavagem de dinheiro. No contexto dos criptoativos, essas vulnerabilidades se intensificam devido à pseudoanonimidade, à descentralização das transações em blockchain. e à dificuldade de rastrear de maneira robusta a origem dos fundos.

É de suma importância que os portais de financiamento adotem medidas rigorosas de verificação de identidade, monitoramento de transações e comunicação com autoridades para prevenir e combater esse tipo de crime financeiro.

Por isso, o uso de criptoativos em crowdfunding exige atenção redobrada às obrigações legais e à implementação de uma estrutura robusta de compliance, sob pena de consequências jurídicas significativas.

Cenário atual

O crowdfunding alcançou escala mundial a partir de 2009, com o lançamento da primeira plataforma nos Estados Unidos. Atualmente, existem plataformas de financiamento coletivo em mais de 160 países. 

Nos EUA, o financiamento coletivo consolidou-se como um importante mecanismo de inovação, possibilitando o lançamento diário de novos produtos e serviços, além de ampliar significativamente o acesso a recursos financeiros por parte de empreendedores e criadores.

No Brasil, diversas plataformas se destacam, cada uma com um foco específico, como investimento, doação ou financiamento de produtos e serviços. Entre as mais conhecidas está o Catarse, voltado para projetos culturais, artísticos, sociais e tecnológicos, oferecendo recompensas proporcionais às contribuições dos apoiadores.

O uso de criptomoedas em crowdfunding é uma boa alternativa de ampliação para o alcance internacional e uma menor onerosidade. Contudo, cria um ambiente favorável a riscos, especialmente nos portais que atuam como intermediários entre investidores e emissores. 

Essas plataformas possuem obrigações legais semelhantes às de instituições financeiras, incluindo a verificação da identidade de emissores e investidores, o monitoramento de transações suspeitas e a colaboração com autoridades em investigações. A negligência no cumprimento dessas obrigações pode resultar em sanções civis e criminais.

Conclusão 

É preciso ter em mente que o uso de criptomoedas é uma tendência crescente e compatível com o futuro, e por isso necessita encontrar um equilíbrio entre o ambiente tecnológico que ocupa e a segurança jurídica, havendo imposição de regras técnicas pelo Estado, mas também espaço de colaboração por parte do meio cripto.

O ambiente regulatório brasileiro ainda apresenta lacunas que contribuem para a insegurança jurídica no uso de criptoativos em campanhas de crowdfunding. A ausência de supervisão centralizada, somada à falta de diretrizes específicas sobre responsabilidade dos intermediários torna esse cenário especialmente vulnerável  à prática de condutas nocivas.

Nesse contexto, é essencial que os portais de financiamento coletivo também adotem medidas proativas de compliance, como programas de identificação de clientes, monitoramento de transações suspeitas e cooperação com autoridades competentes, a fim de proteger não apenas a operação e a reputação das plataformas, como também garantir a integridade do sistema financeiro nacional.

Referências

TANCREDI, Silvia. “História do Cristo Redentor”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/curiosidades/historia-cristo-redentor.htm. Acesso em 11 de setembro de 2025.

WIKIPÉDIA. Estátua da Liberdade. Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Est%C3%A1tua_da_Liberdade. Acesso em: 12 set. 2025.

KICKANTE. História do Crowdfunding: amor e vanguardismo desde o século XVII. Portal do Empreendedor, 13 out. 2021. Disponível em: https://www.kickante.com.br/portal-do-empreendedor/mercado/historia-do-crowdfunding-amor-e-vanguardismo-desde-o-seculo-xvii

CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. 

GONÇALVES, Victor Eduardo R.; JÚNIOR, José Paulo B.; LENZA, Pedro. Esquematizado – Legislação Penal Especial. São Paulo: Editora Saraiva, 2022.

BRASIL. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, e sobre a prevenção da utilização do sistema financeiro para tais fins. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 4 mar. 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm. Acesso em: 12 set. 2025.

CATARSE. Plataforma de financiamento coletivo para projetos culturais, artísticos, sociais e tecnológicos. Disponível em: https://www.catarse.me

ROBOCK, Zachary. The risk of money laundering through crowdfunding: a funding portal’s guide to compliance and crime fighting. Michigan Business & Entrepreneurial Law Review, v. 4, n. 1, p. 113–130, 2014. Disponível em: https://repository.law.umich.edu/mbelr/vol4/iss1/4. 

MACHADO, Juliana Horn; GABARDO, Emerson. Regulação das Exchanges de Criptoativos: novas lentes para a inovação e tecnologias. Academia.edu, 2024. Disponívelem:https://www.academia.edu/118398444/Regula%C3%A7%C3%A3o_das_Exchanges_de_Criptoativos_novas_lentes_para_a_inova%C3%A7%C3%A3o_e_tecnologias

ESTELLITA, Heloisa. Criptomoedas e lavagem de dinheiro. Resenha de: GRZYWOTZ, Johanna. Virtuelle Kryptowährungen und Geldwäsche. Berlin: Duncker & Humblot, 2019. Revista Direito GV, São Paulo, v. 16, n. 1, jan./abr. 2020, e1955. DOI: https://doi.org/10.1590/2317-6172201955. Acesso em: 13 set. 2025.

Acompanhe de perto as novidades

Inscreva-se na nossa newsletter e receba todos os artigos em primeira mão!