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A difícil tarefa da avaliação de políticas públicas de inovação industrial       

Introdução 

Políticas públicas possuem inúmeras definições, abordagens e ideias. Por essa razão, inclusive, vêm sendo tratadas como um campo multidisciplinar de estudo, posto que as políticas públicas, ao fim e ao cabo, representam, nas palavras da Professora Maria Paula Dallari Bucci, um programa de ação governamental que resulta de um conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial – visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados [1].

Nota-se, da definição de Maria Paula Bucci, que para alcançar resultados desejáveis, as políticas públicas possuem dimensões jurídicas, econômicas, administrativas, políticas, sociológicas e históricas. Até por essa razão, seu estudo vem transbordando a ciência política para encontrar guarida em outras áreas do conhecimento, como o direito ou a economia.

Quando se desloca para o estudo de campos específicos das políticas públicas, a necessidade da abordagem multidisciplinar aumenta de maneira significativa. Discutir política pública de educação, impacta discutir questões inerentes à pedagogia. Debater políticas públicas de saúde, necessariamente precisam incluir aspectos da medicina, da farmácia, da medicina, entre outros campos do conhecimento. Por essa razão, quaisquer tratativas relacionadas às políticas públicas de inovação industrial demandam análises específicas a respeito de aspectos de ciência, tecnologia e inovação.

Importante ainda destacar que o estudo de políticas públicas é abrangente, e precisa seguir uma certa metodologia, do contrário chegar-se-á a resultados inócuos, que não refletem a realidade em questão. Assim, o estudo de políticas públicas vem seguindo uma metodologia denominada ciclo de políticas públicas, que fundamentalmente funciona como um organizador das ideias, para que as etapas sejam mais facilmente identificadas, e que auxilia os atores a criar referenciais comparativos para casos heterogêneos, como afirma Leonardo Secchi [2].

O ciclo de políticas públicas e os desafios de sua avaliação

A metodologia do ciclo de políticas públicas, em apertadíssima síntese, passa por algumas etapas. Em que pese as diferentes abordagens dos autores, quase todas elas convergem para a ideia de que é preciso: (i) identificar um problema; (ii) incluí-lo na agenda dos problemas a serem abordados; (iii) formular soluções para o problema; (iv) implantar a decisão; e finalmente (v) avaliar a solução implantada, de modo a se compreender se essa solução foi capaz de resolver o problema, e assim, poder (vi) extinguir a política pública.

Nota-se, neste contexto, que a avaliação é um dos grandes desafios para a implementação de políticas públicas eficientes e eficazes. Não é simples compreender e entender como a política pública será avaliada. Já se vão quase 40 anos, mas nas palavras de Figueiredo e Figueiredo (1986) avaliar é atribuir valor, determinar se as coisas são boas ou más [3]. Para tanto, é necessário estabelecer critérios de avaliação para aferir porque uma política é preferível a outra. A relevância de uma política deve ser determinada a partir de sua conexão com algum princípio de bem estar humano. Assim, a avaliação sempre terá um caráter complexo e controverso.

Jannuzzi, por sua vez, traz uma definição específica da avaliação, destacando que ela é “o conjunto  de  procedimentos técnicos para produzir informação e conhecimento, em perspectiva interdisciplinar, para desenho ex-ante, implementação e validação ex-post de programas e projetos sociais,  (…),  com  a  finalidade  de  garantir  (…) [a] eficácia, (…) [a] efetividade, e (…) [a] eficiência [4]. Nota-se que a ideia de avaliar precisa congregar uma série de aspectos do programa, em abordagem multidisciplinar, e que seja constante, levando-se em conta aspectos teóricos, aspectos da experiência acumulada do gestor, aspectos de custo, entre outros. Não se trata de mera investigação acadêmica.

Das definições trazidas, nota-se que seria mais simples uma avaliação de uma política pública que contasse com resultados, metas e objetivos claros. Mas como fazer isso diante de uma política de inovação industrial? Todo o conceito de uma política de inovação vai em sentido contrário a uma política pública tradicional. 

Um dos maiores especialistas em compras públicas e inovação no Brasil, André Rauen, demonstra que políticas de inovação – inclusive as industriais – se diferenciam das demais políticas públicas em cinco aspectos fundamentais, quais sejam: (i) os conceitos não são claros e consolidados; (ii) os impactos indiretos e imprevistos derivados da intervenção podem ser superiores àqueles inicialmente planejados e diretos; (iii) os instrumentos influenciam apenas os agentes (empresas, institutos de pesquisa e pesquisadores), desse modo a política age sempre de forma indireta e a decisão final depende da adequação ao mercado; (iv) alta complexidade e múltiplas relações de causa e efeito inerentes ao processo inovativo; e (v) atua num contexto de elevada assimetria de informação entre planejadores (policy makers) e executores [5].

A grande realidade, nesse caso, é que normalmente a avaliação já é a etapa mais complicada do ciclo, posto que nem sempre existem parâmetros claros para determinar o sucesso da política pública. Em relação à inovação, a tarefa é ainda mais árdua, posto que a inovação não busca resolver diretamente um problema, mas sim, trazer impactos indiretos que promovam o desenvolvimento tecnológico. 

A importância das políticas públicas de inovação industrial

No entanto, apesar das dificuldades observadas, o Brasil não pode prescindir de políticas públicas de inovação industrial. A política industrial é parte essencial no desenvolvimento de um país e é notório que este desenvolvimento é crucial para sedimentar as bases da geração de riquezas e consequente melhoria na qualidade de vida de sua população, afinal é a transformação estrutural industrial o que, de fato, produz o desenvolvimento econômico num país [6]. 

A transformação industrial leva a um significativo incremento da complexidade da economia, bem como a um significativo aumento da produtividade, levando invariavelmente a um crescimento da qualidade de vida das pessoas, e numa melhora na distribuição de renda da população. E para que uma política industrial consiga chegar aos seus resultados, é preciso que parte dela seja voltada para a inovação.

A relevância de políticas de inovação em relação à indústria está patente, quando se verificam as seis missões do Nova Indústria Brasil, programa do governo que busca unir a política industrial brasileira. Nas seis missões, a inovação é um dos principais pontos para que se alcance resultados efetivos. Desde cadeias agroindustriais tecnológicas (Missão 1), até tecnologias de defesa (Missão 6), a NIB tem na inovação uma de suas principais pilastras.

Instrumentos e mecanismos para a avaliação e melhoria das políticas de inovação industrial

O governo federal dispõe de mecanismos para a avaliação de políticas públicas, como o Guia prático de análise ex post, criado pela Casa Civil da Presidência da República em 2018, [7]. O documento se propõe a oferecer a gestores públicos, estudiosos do tema, órgãos de controle, e a qualquer interessado em avaliação de políticas públicas, instrumentos e mecanismos para a avaliação. 

O guia é dividido em diversos tipos de avaliação: (i) executiva; (ii) de desenho; (iii) de implementação; (iv) de governança da política pública; (v) de resultados; (vi) de impacto; (vi) econômica; e (vii) de eficiência. Veja-se que diferentes aspectos da avaliação de uma política pública são levados em consideração. Verifica-se ainda que cada um dos tipos de avaliação possui um estudo de caso, mas nenhum deles trata de política pública de inovação, evidenciando a dificuldade no tema. 

Posto isso, e verificando a dificuldade em se criar uma avaliação consistente para políticas de inovação, considerando-se que uma avaliação “normal”, nos moldes dos manuais do governo pode não ser eficaz para realmente responder às necessidades da avaliação, é necessário buscar alternativas. 

Desse modo, considerando as peculiaridades das políticas de inovação, é importante que tais políticas sejam avaliadas sob diferentes prismas, para que seja possível validar as avaliações de maneira independente. Jannuzzi traz quatro formatos específicos de avaliação, cada qual levando em conta as necessidades, as vantagens e as desvantagens: (i) estudos avaliativos; (ii) pesquisas de avaliação; (iii) meta-avaliações; e (iv) relatórios-síntese da avaliação. Importante destacar que André Rauen cita a meta-avaliação como uma potencial avaliação de sucesso para políticas de inovação.

Considerações finais

O desafio é grande e urgente. O Brasil precisa encaminhar sua política industrial como tem feito por meio do Nova Indústria Brasil, mas para isso, precisa avaliar adequadamente suas políticas de modo a conseguir ajustá-las quando necessário. Considerando-se as políticas de inovação imperativas dentro do processo de políticas industriais, uma avaliação correta é ainda mais fundamental. 

Neste contexto, é viável utilizar as soluções propostas por Jannuzzi, em especial a meta-avaliação, como citada por Rauen. Entretanto, é imprescindível que se encontrem caminhos metodologicamente mais robustos, posto que meta-avaliações podem indicar resultados equivocados, considerando externalidades negativas do processo. É fundamental que, mesmo sendo distintas, as políticas públicas de inovação industrial sejam avaliadas com rigor metodológico para que cumpram efetivamente seus objetivos.

A ausência ou deficiência na avaliação de políticas públicas de inovação compromete seus resultados. Sem dados que comprovem a eficácia da inovação na resolução de problemas, o gestor público enfrenta dificuldades para integrar mais políticas de inovação na agenda governamental. Isso resulta em iniciativas inovadoras escassas, desprovidas de encadeamento lógico e, pior, sem um planejamento conjunto que viabilize realizações inovadoras.

É essencial que o Brasil priorize a avaliação de suas políticas de inovação industrial, a fim de evitar o risco de se isolar no cenário global. Para isso, é fundamental estabelecer mecanismos claros, diretrizes e estruturas dedicadas à avaliação de políticas públicas de inovação. Dessa forma, será possível construir um arcabouço jurídico-legal robusto que impulsione efetivamente a inovação no país.

Referências

[1] BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006.

[2] SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. São Paulo: Cengage Learning, 2012.

[3] FIGUEIREDO, Marcus e FIGUEIREDO, Argelina C. “Avaliação Política e Avaliação de Políticas: Um Quadro de Referência Teórica”, Revista Fundação João Pinheiro: 108-129. 1986.

[4] JANNUZZI, P. de M. (2014). Avaliação de programas sociais: conceitos e referenciais de quem a realiza. Estudos Em Avaliação Educacional, 25 (58), 22–42. https://doi.org/10.18222/eae255820142916

[5] RAUEN, André Tortato. Desafios da avaliação em políticas de inovação no Brasil. Revista do Serviço Público – RSP, v. 64, n. 4, p. 427-445. Out-2013. Disponível em http://seer.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/131/131. Acessado em 11/09/2025.

[6] GALA, Paulo; RONCAGLIA, André. Brasil, uma sociedade que não aprende: novas perspectivas para discutir ciência, tecnologia e inovação. Rev. Cadernos de Campo: Araraquara, n. 27, p. 39-57; jul./dez. 2019. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/cadernos/article/view/13732/9062. Acessado em 11/09/2025.

[7] Guia prático de análise ex post. Disponível em https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/downloads/guiaexpost.pdf/view. Acessado em 11/09/2025.

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