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Do cheque prescrito ao WhatsApp: A evolução da prova escrita na Ação Monitória

Muitas vezes, o credor não sabe que tem em mãos um documento que pode provar a existência de uma obrigação, mas que por não possuir força executiva, acaba por arrastá-lo para uma longa e desgastante ação de cobrança. Entretanto, no ordenamento jurídico brasileiro existe uma ação que nasce para mudar esse cenário: a ação monitória.

A ação monitória surge como um atalho processual para transformar a prova escrita em um título executivo judicial, com o objetivo de proporcionar que o credor satisfaça seu direito de forma mais rápida e eficaz. Essa ação vai muito além de uma inovação procedimental, pois se tornou um instrumento estratégico do processo civil contemporâneo. 

Neste artigo, nos propomos a observar e analisar as novas tendências jurisprudenciais que têm moldado a ação monitória, revelando como esse mecanismo simples, mas sofisticaso, tem contribuído com a celeridade processual e fomentado as garantias fundamentais, tornando-se relevante para todos os agentes: credores, devedores e operadores do direito.

Origem e Fundamentos da Ação Monitória

    As origens da ação monitória remontam ao direito processual alemão e italiano, em que o procedimento já era utilizado como uma maneira de abreviar a satisfação de créditos sem um título executivo formal constituído, muito antes da introdução da ação no ordenamento jurídico brasileiro. Aqui no país, o Código de Processo Civil de 1973 introduziu o instituto (arts. 1.102-A a 1.102-C), e o CPC de 2015 o aprimorou, consolidando-o nos arts. 700 a 702.

    Conforme já mencionado, o principal fundamento da ação reside na efetividade do processo. Ao inserir esse procedimento no ordenamento jurídico nacional, o legislador busca construir um caminho intermediário entre a ação de conhecimento padrão, usualmente mais lenta, e a execução, que apesar de ser geralmente mais ágil, exige o título executivo judicial. Assim, a ação monitória emerge de maneira disruptiva, como um procedimento híbrido:  de natureza cognitiva em sua fase inicial, mas com a possibilidade de gerar, por meio do mandado monitório não embargado, um título executivo judicial. 

    Ora, o art. 700 do CPC/2015 prevê que a ação monitória é cabível sempre que alguém possuir “prova escrita sem eficácia de título executivo”. Dessa forma, fica evidente que o autor da ação não necessite de um cheque válido ou de um contrato assinado com testemunhas, mas apenas de um documento que realmente ateste a plausibilidade da obrigação a ser perseguida, de forma a confiar ao juiz a análise da idoneidade ou não.

    Requisitos probatórios e inovação jurisprudencial

      Sem sombra de dúvidas, quando se fala de ação monitória, um dos pontos mais debatidos é o conceito de prova escrita. Mas não a prova escrita qualquer, e sim a prova escrita sem eficácia de título executivo.

      Isto porque, tradicionalmente, eram admitidos apenas os documentos assinados pelo devedor, como contratos particulares sem testemunhas, mas conforme o mundo foi mudando e evoluindo ao longo das décadas, a jurisprudência também assim o fez. Hoje em dia, o STJ tem reconhecido que o conceito de prova escrita deve ser interpretado de forma ampla e flexível, acompanhando as transformações das relações sociais e comerciais, enfatizando que não deve ser exigida prova robusta, mas uma documentação que seja apta a convencer o juiz.

      Como reforço do célere e pragmático da ação monitória, a Corte Superior, em precedentes recentes, admitiu (i) cheques e notas promissórias prescritos, que perderam a força executiva cambial, mas continuam sendo documentos idôneos para demonstrar a existência da obrigação (Súmula 299 do STJ); (ii) boletos bancários acompanhados de notas fiscais, como elementos suficientes para instruir a inicial;; (iii) contratos eletrônicos e e-mails, desde que acompanhados de confirmação da contraparte, como forma válida de prova escrita; e (iv) prints de conversas em aplicativos de mensagens, quando corroborados por outros elementos.

      Isso tudo demonstra como a Corte tem ampliado o alcance do instituto e refletido uma adaptação do Judiciário, também, à realidade digital, no que concerne à admissão de provas eletrônicas.

      Defesa do réu, embargos monitórios e a Fazenda Pública

        Na ação monitória, a defesa ocorre por meio dos embargos monitórios, que basicamente assumem a natureza de contestação, possibilitando ao réu a alegação de qualquer matéria de defesa, desde esde vícios processuais até questões de mérito, sem a necessidade de garantia do juízo, diferentemente do que ocorre nos embargos à execução.

        Nesse cenário, o STJ já se manifestou consolidando entendimento de que a ausência de embargos gera a constituição automática do título executivo judicial (art. 701, §2º do CPC), transformando a revelia em efeito processual mais intenso do que a simples presunção de veracidade, o que reforça o caráter célere desse procedimento.

        Ainda no contexto dos embargos monitórios, se o réu os apresenta e eles são rejeitados, há condenação em honorários; se não apresenta, a conversão automática também admite honorários, mas em percentual reduzido. Assim, por meio dos honorários sucumbenciais, busca-se equilibrar celeridade com estímulo à defesa responsável.

        Vale destacar que é possível ajuizar esse tipo de ação contra a Fazenda Pública. Esse tema fez com que a doutrina, por muito tempo, questionasse a compatibilidade do procedimento com a prerrogativa de contraditório ampliado da Fazenda. No entanto, o STJ passou a admitir, desde que presentes os requisitos do art. 700 do CPC. A única diferença aqui reside na fase da execução, em que mesmo constituído o título executivo judicial, a Fazenda deve cumprir a condenação via precatórios ou requisições de pequeno valor, nos termos do art. 100 da Constituição Federal. Isso significa que a ação monitória é viável contra a Fazenda, mas adaptada ao regime especial de pagamento. Embora marcada pela celeridade, a ação monitória não ignora garantias processuais. 

        Execução e modernização tecnológica

          Na ordem processual desse tipo de ação, uma vez constituído o título executivo judicial, inicia-se a fase de execução, na qual surgem novos debates jurisprudenciais. 

          Um dos primeiros pontos enfrentados pelo Superior Tribunal de Justiça foi a definição do prazo prescricional para o cumprimento de sentença em ação monitória. No REsp 1.102.431/RS (Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJe 22/09/2010), a Corte estabeleceu que o prazo é quinquenal, nos termos do art. 206, §5º, I, do Código Civil, afastando a aplicação de prazos decenais ou distintos. Esse entendimento foi reiterado em inúmeros precedentes, consolidando segurança jurídica para credores e devedores.

          Outro debate de grande relevância diz respeito à utilização de meios executivos atípicos, previstos no art. 139, IV, do CPC/2015. O STJ, em julgados como o REsp 1.788.950/SP (Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJe 23/04/2019), admitiu a adoção de medidas como a suspensão da CNH e a apreensão de passaporte de devedores, desde que observado o binômio proporcionalidade/razoabilidade e demonstrada a resistência injustificada ao cumprimento da obrigação. A jurisprudência caminha, portanto, para legitimar instrumentos de coerção indireta, não como punição, mas como mecanismo de efetividade da tutela jurisdicional.

          Além da coerção, a execução da ação monitória vem acompanhando a transformação digital das relações jurídicas. Hoje, é cada vez mais comum que os títulos executivos judiciais oriundos desse procedimento se fundamentem em documentos eletrônicos. O STJ já reconheceu a validade de boletos bancários com nota fiscal (AgInt no AREsp 1.590.995/SP, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, DJe 04/08/2020) e de contratos eletrônicos firmados por meio de certificação digital como provas aptas a embasar ação monitória (REsp 1.495.920/DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, DJe 02/02/2016).

          A doutrina também acompanha esse movimento. Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha ressaltam que a prova escrita deve ser interpretada em sentido material e não formal, de modo a abranger documentos digitais capazes de convencer o juiz da plausibilidade da obrigação. Em síntese, a fase de execução da ação monitória revela um campo em constante evolução: de um lado, garante ao credor ferramentas eficazes para satisfação do crédito; de outro, adapta-se às novas realidades tecnológicas, reconhecendo que a “prova escrita” do século XXI já não se limita ao papel, mas assume múltiplos formatos digitais.

          Em última análise, a ação monitória representa não apenas um procedimento especial, mas um símbolo da modernização do processo civil brasileiro. Ao mesmo tempo em que preserva a celeridade e a efetividade, mantém-se fiel às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. É essa combinação que a torna, hoje, uma ferramenta indispensável para a realização prática do direito. Excelente, não?

          REFERÊNCIAS

          BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 mar. 2015.

          BRASIL. Código Civil. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002.

          BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

          BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 299. É admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito. Diário da Justiça, Brasília, DF, 13 dez. 2004.

          BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.102.431/RS. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. 4ª Turma. Julgado em 8 set. 2010. DJe 22 set. 2010.

          BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial n. 1.590.995/SP. Rel. Min. Raul Araújo. 4ª Turma. Julgado em 23 jun. 2020. DJe 4 ago. 2020.

          BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.495.920/DF. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. 3ª Turma. Julgado em 15 dez. 2015. DJe 2 fev. 2016.

          BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.788.950/SP. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. 4ª Turma. Julgado em 5 fev. 2019. DJe 23 abr. 2019.

          DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: processo de conhecimento. 20. ed. Salvador: JusPodivm, 2023.

          MITIDIERO, Daniel. Tutela jurisdicional e processo civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

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