O uso de aplicativos de mensagens e redes sociais como meio de comunicação judicial tem ganhado cada vez mais espaço no sistema processual brasileiro. A popularização do WhatsApp e de outras plataformas digitais trouxe à tona discussões relevantes sobre a validade e a eficácia de atos como citações, intimações e notificações realizadas por meios eletrônicos.
Durante a pandemia da COVID-19, o distanciamento social acelerou a digitalização do Judiciário. Tribunais, advogados e partes se adaptaram à nova realidade com audiências virtuais, intimações eletrônicas e uso intensivo de sistemas como o PJe. Foi nesse contexto que as notificações por aplicativos passaram a ser vistas como instrumentos viáveis e eficientes.
O avanço da Justiça Digital exigiu uma reinterpretação de normas processuais tradicionais. O Código de Processo Civil de 2015 já havia flexibilizado a forma dos atos processuais, desde que atingida sua finalidade. Com a emergência sanitária, esse entendimento ganhou força, valorizando a efetividade sobre o formalismo.
A utilização de redes sociais e mensageiros eletrônicos, no entanto, ainda levanta dúvidas jurídicas e constitucionais. Questões como a comprovação de identidade do destinatário, o respeito ao contraditório e a proteção da ampla defesa precisam ser analisadas com cautela. Este artigo se propõe a discutir os avanços, desafios e limites do uso de novas tecnologias para comunicações processuais.

A admissibilidade jurídica das citações e intimações digitais
A citação e intimação são atos essenciais do processo, pois garantem que o réu tenha ciência da demanda, integrando-se ao litígio. Sem isso, não há validade do processo: eventual sentença carece do pressuposto do contraditório e da ampla defesa.
Todas as normas – CPC, Lei 9.099/95, Resolução CNJ 185/2013 (PJe) e Resolução 335/2020 (PDPJ‑Br) – permitem formas eletrônicas de comunicação judicial, desde que assegurem ciência inequívoca ao destinatário, em consonância com o princípio da instrumentalidade das formas.
Do ponto de vista constitucional, essas modalidades mobilizam garantias processuais, como o devido processo legal (art. 5º, LIV) e a ampla defesa (art. 5º, LV). Qualquer inovação deve preservar tais direitos, garantindo a plena compreensão e oportunidade de resposta.
A jurisprudência do STJ, especialmente sob relatoria da ministra Nancy Andrighi em agosto de 2023, reconheceu que citação via WhatsApp pode ser válida se demonstrar ciência inequívoca, mas também pode ser anulada caso falte confirmação da identidade, comprometendo a segurança jurídica
Precedentes relevantes e o papel da jurisprudência
O uso de aplicativos de mensagens para citações e intimações tem sido admitido de forma crescente pela jurisprudência, desde que respeitadas garantias básicas, como identidade do destinatário e ciência inequívoca do ato.
Decisão da 44ª Vara Cível de São Paulo
O juiz autorizou a citação por WhatsApp, diante da ineficácia das formas tradicionais. Foram exigidos:
- envio da contra-fé pelo app;
- confirmação de leitura;
- mensagem clara orientando o réu a buscar advogado.
A decisão destacou os princípios da razoabilidade e eficiência como fundamentos para a medida.
STJ – HC 641.877/DF
Embora tenha declarado a nulidade da citação no caso específico, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a possibilidade de citação por WhatsApp, desde que:
- seja garantida a identidade do réu;
- haja ciência inequívoca da citação.
Outros tribunais e o CNJ
Tribunais estaduais, como o TJSP, têm validado citações por aplicativos em situações específicas. O CNJ, por sua vez, reforça essa tendência com recomendações que incentivam o uso da tecnologia, como nas Recomendações 70/2020 e 313/2020.
Esses precedentes apontam para uma evolução no processo judicial, valorizando a efetividade e a adaptação às novas realidades digitais, sem abrir mão das garantias constitucionais.
Desafios e garantias constitucionais
A utilização de aplicativos como o WhatsApp para a realização de atos processuais, especialmente citações e notificações, exige atenção especial a princípios constitucionais fundamentais, como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. O maior desafio reside em assegurar que o destinatário da comunicação é, de fato, a pessoa correta.
Como garantir a identidade do destinatário?
É indispensável comprovar que o número utilizado pertence realmente ao réu. Essa verificação pode ser feita com base em interações anteriores registradas nos autos, como prints de conversas, mensagens enviadas por advogados ou partes, ou ainda por meio de pesquisas nos sistemas judiciais e administrativos.
A confirmação da identidade é fundamental para a validade do ato citatório. Caso a pessoa intimada não seja o verdadeiro réu, todo o processo pode ser comprometido. Por isso, é recomendável que essa forma de citação só seja autorizada quando os meios tradicionais (carta ou oficial de justiça) não forem viáveis.
O papel do oficial de justiça na validação
A fé pública do oficial de justiça é um dos pilares de segurança no cumprimento de atos processuais. Ao realizar a citação por WhatsApp, ele pode atestar a autenticidade da conta, enviar a contra-fé, e certificar a leitura da mensagem (por exemplo, por meio da confirmação de recebimento ou de leitura com os dois tiques azuis).
Além disso, o oficial pode utilizar recursos complementares, como chamadas de vídeo ou áudios, para confirmar a identidade do réu. Essas precauções elevam o nível de confiabilidade do ato e evitam nulidades futuras.
Possíveis nulidades e medidas de prevenção
Entre os riscos mais frequentes, estão:
- uso de número desatualizado ou abandonado;
- celulares sem acesso à internet no momento da citação;
- contas clonadas ou compartilhadas com terceiros.
Caso haja vício na comunicação, o réu poderá alegar nulidade da citação, situação que pode levar à anulação dos atos subsequentes do processo. Para evitar isso, o juiz deve fundamentar a autorização da citação por aplicativo, deixando claro que outras tentativas foram frustradas e que a medida é excepcional e justificada.
Caminhos para preservar as garantias
Algumas medidas podem ser adotadas para reforçar a validade das comunicações digitais:
- exigir que o número utilizado seja comprovadamente vinculado ao réu;
- determinar que a citação seja feita preferencialmente por oficial de justiça;
- arquivar nos autos prints da conversa e certificados de envio e leitura.
A adoção dessas cautelas preserva os direitos fundamentais do réu e garante que a modernização do processo judicial não comprometa sua legitimidade. Ao mesmo tempo, permite que o Judiciário avance em soluções compatíveis com a era digital, sem abrir mão da segurança jurídica.
Tendência de modernização de Justiça Digital
A inovação no Judiciário brasileiro avança sob a bandeira da Justiça 4.0, que combina tecnologia, dados e inteligência artificial para agilizar os processos. O programa Justiça 4.0, liderado pelo CNJ em parceria com o PNUD e tribunais superiores, já entregou plataformas como o Balcão Virtual, o Juízo 100% Digital e o Domicílio Judicial Eletrônico. Esses projetos unem automação e integração entre tribunais, promovendo maior eficiência, transparência e interação com a sociedade.
O Juízo 100% Digital permite que todos os atos processuais sejam feitos de forma remota. Complementar a isso, o Balcão Virtual, oferecido por diversos tribunais (como STJ, TJSP e TRT), fornece atendimento remoto por videoconferência, ganhando força após a Resolução CNJ 372/21.
Neste contexto, a citação por aplicativos surge como mais um elemento da transformação digital. Esse meio alternativo se integra à Justiça digital, promovendo acessibilidade, celeridade e economia processual. Embora ainda em fase de consolidação normativa, a citação via WhatsApp reflete a transição da formalidade tradicional para uma lógica baseada na efetividade e inclusão digital.
Essa tendência gera benefícios diretos:
- Acessibilidade: facilita o acesso ao Judiciário, especialmente para pessoas que já dependem do celular.
- Celeridade: reduz prazos e elimina a morosidade das cartas e mandados físicos.
- Economia: diminui custos operacionais de transporte, correspondência e pessoal.
A revolução digital no Judiciário avança com foco no cidadão e na eficiência. A citação por WhatsApp, dentro de um ecossistema que inclui Juízo Digital, Balcão Virtual e automação, representa o futuro: uma justiça sem barreiras geográficas, mais ágil e conectada. Porém, é importante assegurar transparência, segurança de dados e respeito aos direitos fundamentais, para que a modernização seja também justa e confiável.

Considerações finais
A citação por aplicativos como o WhatsApp é um reflexo da evolução do processo judicial rumo a uma justiça mais digital, acessível e eficiente. Com o respaldo da jurisprudência e o avanço de programas como a Justiça 4.0, essa prática vem ganhando espaço, desde que respeitados os princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal. Para profissionais que atuam com Direito Constitucional e Processo Civil, compreender os limites e potencialidades dessa inovação é essencial. Quer aprofundar seus conhecimentos sobre tecnologia no Judiciário e modernização processual? Conheça a Pós-Graduação em Direito Constitucional do IDP e esteja preparado para os desafios da era digital.

Referências
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CAVALCANTI, Lavínia. A possibilidade jurídica das citações eletrônicas por WhatsApp. Consultor Jurídico, 23 abr. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-23/cavalcanti-possibilidade-juridica-citacoes-eletronicas/.
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NUNES, Dierle. Citação por WhatsApp e recente decisão do STJ: texto coescrito com ChatGPT. Consultor Jurídico, 24 ago. 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-ago-24/dierle-nunes-citacao-whatsapp-recente-decisao-stj/.
RIBEIRO, Flávia Pereira; COSTA, César Augusto. Breves apontamentos sobre a citação por WhatsApp. Migalhas, 14 jul. 2021. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/348506/breves-apontamentos-sobre-a-citacao-por-whatsapp.