Introdução
No âmbito do Direito Processual Brasileiro, a estratégia a ser adotada no decorrer de um processo exige, de forma ímpar, prever não somente eventual sentença, mas também o eventual caminho que será trilhado ao longo de todo processo, inclusive na hipótese daquele processo alcançar um tribunal superior.
No bojo do texto constitucional, alguns recursos foram previstos, especialmente no que tange àqueles que dizem respeito à delimitação de competências dos tribunais superiores. Dentre eles, destacam-se: o recurso especial, o recurso ordinário e o recurso extraordinário.
No bojo do presente artigo avançaremos no estudo do cabimento e desenho institucional traçado pela Constituição, de forma que o leitor seja capaz de discernir qual seria a melhor estratégia a ser aplicada em cada caso.
Conceitos básicos

Para melhor compreensão acerca das ferramentas recursais existentes, é importante estabelecermos conceitos basilares, de forma a futuramente aprofundarmos com maiores detalhes este material
Fredie Didier Jr. estabelece que “o recurso extraordinário (ou recurso excepcional, ou recurso de superposição) é gênero do qual são espécies o recurso extraordinário para o STF (art. 102, III, CF/1988) e o recurso especial para o STJ (art. 105, III, CF/88)”.
Em suma, temos um gênero (recurso extraordinário) do qual se extraem quatro principais espécies: recurso especial direcionado ao STJ, recurso extraordinário destinado ao STF, recurso de revista destinado ao TST e recurso especial eleitoral destinado ao TSE.
O recurso especial para o STJ é, na verdade, fruto da divisão das hipóteses de cabimento do recurso extraordinário para o STF (antes da CF/1988), que servia como meio de impugnação da decisão judicial por violação à Constituição e à legislação federal.
Com o advento do STJ em razão da promulgação da CF/1988, as hipóteses de cabimento do antigo recurso extraordinário foram repartidas entre o STF e o STJ, de forma que o STF ficaria responsável unicamente pelo julgamento de matérias essencialmente constitucionais, enquanto o STJ foi criado com a finalidade de pacificar controvérsias fundadas em direito infraconstitucional.
O recurso especial nada mais é do que um recurso extraordinário interposto ao STJ, especialmente quando se leva em consideração os pressupostos de admissibilidade de cada um deles.
Ainda que não seja o foco deste artigo, o recurso de revista e o recurso especial eleitoral têm o mesmo papel na justiça especializada, obrigando o TST e o TSE pacificarem controvérsias em matéria trabalhista e eleitoral, respectivamente.
O recurso especial, qual seja aquele delimitado no artigo 105, inciso III, da Constituição Federal, diz respeito à ferramenta processual necessária para o controle de legalidade de uma decisão. Ou seja, o Superior Tribunal de Justiça fica responsável por analisar se a decisão recorrida observa os dispositivos infraconstitucionais existentes.
Já em relação ao recurso extraordinário, previsto no artigo 102, III, da Constituição, o texto prevê a competência do Supremo Tribunal Federal para analisar e julgar se a decisão objeto do recurso infringe de alguma maneira o texto constitucional.
Todavia, o RESP e o RE não são as únicas formas de se obter a prestação jurisdicional pelo STJ ou pelo STF em caráter recursal.
No arranjo processual, o texto constitucional previu recurso específico para os casos em determinada pretensão buscada pela via dos remédios constitucionais fosse negada: o recurso ordinário.
A escolha entre recurso ordinário e o recurso extraordinário é uma decisão circunstancial em um processo judicial. A escolha se dá diante de cada cenário processual em específico.
O recurso ordinário, de forma simplificada, destina-se a impugnar decisões de instâncias inferiores, sendo utilizado em situações em que o julgamento é proferido por um juízo singular ou tribunais regionais e de segunda instância. Ele se baseia em questões fáticas e jurídicas, permitindo ampla revisão dos fatos e provas apresentadas no processo.
Por mais que se assemelhem, o recurso ordinário e a apelação são instrumentos recursais distintos, especialmente quando se trata de pressupostos de admissibilidade. O Professor Araken de Assim elenca essa distinção em sua obra “Manual dos Recursos”:
Inteiramente diversa se mostra a disciplina do recurso ordinário. A impugnação cabe, em regra, contra acórdãos (art. 204). O conteúdo desse ato decisório é idêntico à sentença, acomodando-se às hipóteses dos arts. 485 e 487. Porém, o provimento promana dos tribunais, em geral órgãos judiciários de segundo grau, quiçá de um tribunal superior, como ocorre na hipótese do art. 102, II, a, da CF/1988, hipótese reproduzida (em termos, pois o legislador atreveu-se a irrelevante modificação terminológica) no art. 1.027, I, e exibe formação colegiada.
Por outro lado, o recurso extraordinário possui um espectro mais restrito e técnico, sendo cabível apenas em hipóteses específicas previstas constitucionalmente, como a violação de norma constitucional. Este recurso é direcionado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e visa garantir a uniformidade na interpretação da Constituição Federal, limitando-se a questões eminentemente jurídicas.
A correta escolha entre o recurso ordinário e o extraordinário passa pelo entendimento das hipóteses de cabimento de cada um.
O recurso ordinário é cabível contra decisões dos tribunais regionais federais e tribunais de justiça nos casos previstos no artigo 102 da Constituição.
Já o recurso extraordinário, previsto no artigo 102, incide quando há decisão que contrarie dispositivo constitucional ou jurisprudência do STF, cuja decisão tenha se dado em fase recursal pelo TJ ou TRF, responsável pelo caso.
Ademais, a análise da viabilidade dos recursos requer uma avaliação detalhada dos requisitos formais e materiais. O recurso ordinário possui uma abordagem mais ampla e acessível, permitindo o reexame de fatos e provas.
Por sua vez, o recurso extraordinário exige a demonstração de repercussão geral e a presença de questão constitucional de relevância, sem que o tribunal necessite avançar na discussão fática da controvérsia posta.
O manejo inadequado dos recursos pode resultar na inadmissibilidade do pedido, causando prejuízos à parte recorrente. Portanto, a estratégia processual deve ser cuidadosamente planejada, considerando o objeto da impugnação, o tipo de norma violada e o órgão competente para o julgamento.
A importância da escolha adequada do recurso a ser interposto se dá em razão da ausência de aplicação do princípio da fungibilidade de por ambas Cortes Superiores. Vejamos o entendimento pacificado no STJ e no STF:
Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. RECURSO ORDINÁRIO. INTERPOSIÇÃO CONTRA ACÓRDÃO QUE NEGOU PROVIMENTO À APELAÇÃO. DESCABIMENTO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. RECURSO NÃO CONHECIDO.
I. CASO EM EXAME 1. Recurso ordinário interposto por J. M. A. contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, que negou provimento à apelação. O recorrente foi condenado à pena de 5 anos e 10 meses de reclusão, em regime fechado, e 583 dias-multa, pela prática do crime de tráfico de drogas, previsto no art. 33 da Lei nº 11.343/06. A defesa alega falta de fundamentação idônea para o aumento da pena-base e pleiteia a fixação do regime inicial semiaberto.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em determinar se o recurso ordinário em habeas corpus é cabível contra acórdão que nega provimento à apelação criminal, à luz das hipóteses constitucionais de cabimento e da possibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade recursal.
III. RAZÕES DE DECIDIR 3. No caso dos autos, o recurso ordinário foi interposto contra acórdão que negou provimento à apelação, o que não se enquadra em nenhuma das hipóteses constitucionalmente previstas para o julgamento do recurso ordinário pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 105, II, da Constituição Federal).
4. Esta Corte possui orientação no sentido de que não se aplica o princípio da fungibilidade recursal na hipótese de interposição de recurso ordinário no lugar de recurso especial, como no caso dos autos.
IV. RECURSO ORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.
(RHC n. 193.473/MS, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 22/10/2024, DJe de 28/10/2024.)
Supremo Tribunal Federal:
AGRAVO INTERNO EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ROL TAXATIVO VEICULADO NO ART. 102, II, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DE DÚVIDA FUNDADA E OBJETIVA. 1. Ausente situação de dúvida fundada e objetiva a respeito do apelo cabível, inviável, à luz do princípio da fungibilidade, receber como extraordinário o recurso ordinário manejado pelo ora agravante. Precedentes. 2. Não houve, ademais, no recurso cujo seguimento foi negado pela decisão unipessoal agravada, o desenvolvimento de argumentação voltada a demonstrar a existência de repercussão geral da matéria constitucional em debate. Esse cenário, por si, renderia ensejo ao insucesso do apelo, acaso fosse recebido como recurso extraordinário. Precedentes. 3. Inaplicável o art. 85, § 1º, do CPC/2015, por se tratar de recurso interposto em mandado de segurança (art. 25 da Lei nº 12.016/2009 e Súmula 512/STF). 4. Agravo interno conhecido e não provido, com aplicação, no caso de votação unânime, da penalidade prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil, calculada à razão de 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa.
(STF – Agravo Regimental nos Embargos de Declaração – 37822, Relator: MIN. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 24/05/2021, Data de Publicação: 28/05/2021)
A interposição equivocada de recurso diverso daquele que se mostra realmente cabível coloca em risco a pretensão recursal, uma vez que interposto o recurso errado, o qual não é conhecido futuramente pela corte, não será concedido novo prazo para interposição do recurso correto.

Conclusão
Entre advogados perdura um brocardo que diz que “nenhum bom advogado custa tão caro quanto um mau advogado”. Em suma, esse ditado popular indica uma realidade que os clientes não podem se vendar: um mau advogado que cobre um pro labore barato tem um potencial destrutivo muito superior ao bom advogado com custo superior.
Para o presente texto, um bom advogado figura como aquele que se atenta às peculiaridades da causa na qual atua, de forma que consegue prever minimamente eventuais cenários futuros, assim como sabe utilizar devidamente as ferramentas processuais que têm em suas mãos.
Em conclusão, a escolha entre o recurso ordinário e o recurso extraordinário exige uma análise criteriosa das peculiaridades do caso concreto. O conhecimento das hipóteses de cabimento, pressupostos de admissibilidade, requisitos formais e materiais e a distinção entre as instâncias são fundamentais para garantir a correta condução do processo e o exercício pleno do direito ao recurso.

Referências
ASSIS, Araken de. Manual dos recursos [livro eletrônico]. São Paulo: Thomson Reuters, 2016.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13a ed, Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.
JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado. Thomson Reuters, Revista dos Tribunais, 2016.