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Quando cabe a Reclamação Constitucional no STF?

Ao longo das últimas três décadas, o cenário constitucional sofreu diversas alterações, especialmente em razão das emendas constitucionais que incluíram ou alteraram o texto original da Constituição Federal. Dentre essas alterações, a Emenda Constitucional n. 45/2004 foi determinante para o regular desenvolvimento das atividades do Poder Judiciário.

Antes da constituinte, o Supremo vivia uma realidade de um tribunal de revisão, cujo objeto dos recursos dizia respeito às decisões colegiadas pelos Tribunais Estaduais e Tribunais Regionais Federais. À época, não lhe incumbia somente o julgamento de recursos em matéria constitucional, mas também de recursos que tratavam de controvérsia acerca de normas infraconstitucionais.

A partir de 1988, o Supremo passou a figurar como guardião da Constituição, de forma que a ele foi incumbida a função de estabelecer a interpretação mais adequada acerca do texto constitucional aplicável aos casos concretos, assim como exercer o controle de constitucionalidade em abstrato. 

Em razão de uma série de fatores trabalhados pela doutrina, que não serão aqui debatidos, o crescimento de acervo de ambas Cortes foi exponencial desde a promulgação do texto constitucional, em especial do STJ, o qual sofreu com uma recorribilidade excessiva, dado que a maior parte dos casos que alcançavam a corte tinham, em alguma medida, hipótese de cabimento. 

Diante desse cenário, o Supremo viabilizou, via Congresso Nacional, a Emenda Constitucional n. 45, a qual incluiu no artigo 102 o seu § 3º, que estabelece que “(n)o recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso”. 

Em suma, foi designada ao STF a discricionariedade para escolher os recurso que fossem levados até a corte, de forma que somente fossem julgados temas que apresentassem questões relevantes sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico e que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. 

O novo instituto foi regulamentado pelos arts. 322 a 329 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e pelos arts. 1.035 a 1.041 do Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015).

Esse novo modelo institucional fez com que o Supremo iniciasse um processo de alteração de identidade, fugindo de uma instituição que meramente analisa recursos, tais quais os tribunais estaduais e regionais, e passando a figurar como uma Suprema Corte.

Ao falarmos em Supremas Cortes, falamos essencialmente em um colegiado cuja função essencial consiste na promoção da unidade do direito, mediante a justa interpretação da ordem jurídica, se valendo do julgamento do caso concreto somente como meio para se formar precedentes. Tal prática permite que um juiz baseie sua decisão em interpretação dada ao dispositivo legal já analisado anteriormente, ao invés de seguir direções novas e talvez perigosas interpretações jurídicas.

O que é a Reclamação Constitucional?

A Reclamação Constitucional é um instrumento processual essencial dentro do ordenamento jurídico brasileiro, sendo utilizada para preservar a autoridade das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e garantir a observância de sua jurisprudência vinculante, assim como a eficácia de suas decisões. 

Corresponde a uma ferramenta fundamental para advogados que atuam na defesa dos direitos fundamentais e no controle de constitucionalidade, uma vez que permite corrigir atos que desrespeitem decisões da Suprema Corte. 

No entanto, seu cabimento dessa ferramenta processual é restrito e deve obedecer a critérios bem definidos. Neste guia prático, exploraremos quando cabe a Reclamação no STF, os fundamentos legais desse instituto, os procedimentos envolvidos e as melhores estratégias para advogados que desejam utilizá-la de maneira eficaz.

A Reclamação Constitucional é um mecanismo processual previsto no artigo 102, inciso I, alínea “l”, da Constituição Federal de 1988, e regulamentado pelos artigos 988 a 993 do Código de Processo Civil (CPC). Sua principal função é garantir a autoridade das decisões do STF e a aplicação uniforme de sua jurisprudência. 

Trata-se de uma ação de natureza especial, que não substitui os recursos ordinários ou extraordinários, mas atua como um remédio para proteger a competência do tribunal, previsto originalmente pela Constituição como guardião da Carta Magna.

Previsão Legal da Reclamação no STF

O cabimento da Reclamação no STF está disciplinado pelo Código de Processo Civil e pelo Regimento Interno do STF. O artigo 988 do CPC estabelece que a Reclamação poderá ser utilizada nas seguintes hipóteses:

I – para preservar a competência do tribunal;
II – para garantir a autoridade das suas decisões;
III – contra atos administrativos ou decisões judiciais que contrariem súmulas vinculantes;
IV – para garantir a observância de decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade.

Esses dispositivos demonstram que a Reclamação não é um meio recursal, mas sim um mecanismo excepcional para garantir a uniformidade na interpretação da Constituição e evitar que órgãos do Poder Judiciário ou da Administração Pública descumpram precedentes e decisões do STF.

Hipóteses de Cabimento da Reclamação no STF

Preservação da Competência do STF

Uma das principais finalidades da Reclamação é evitar que outro órgão do Judiciário ou da Administração Pública usurpe a competência do STF. Ou seja, isso ocorre quando juízes de instâncias inferiores ou tribunais estaduais e federais decidem sobre matéria de competência do Supremo.

Um exemplo clássico consiste na hipótese de um tribunal estadual tenta julgar a constitucionalidade de uma lei federal, matéria que é de competência exclusiva do STF, nos termos do artigo 102, inciso I, da Constituição.

Garantia da Autoridade das Decisões do STF

A Reclamação pode ser utilizada quando uma decisão judicial ou administrativa descumpre uma decisão com efeitos erga omnes exarada pelo STF. Essa hipótese é bastante relevante para advogados que buscam garantir o cumprimento de uma decisão favorável obtida na Suprema Corte.

Por exemplo, se um Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal opta por ignorar o teor de uma decisão do STF em um Recurso Extraordinário com repercussão geral, cabe Reclamação para garantir a eficácia do entendimento fixado.

Descumprimento de Súmulas Vinculantes

As súmulas vinculantes foram instituídas pela Emenda Constitucional nº 45/2004 e têm força obrigatória para todos os órgãos do Judiciário e da Administração Pública direta e indireta. Quando uma decisão judicial ou ato administrativo contraria uma súmula vinculante, a parte prejudicada pode ingressar com Reclamação diretamente no STF.

Um exemplo seria uma decisão judicial que desconsiderasse a Súmula Vinculante nº 13, que proíbe o nepotismo na administração pública. Caso uma autoridade nomeie um parente para um cargo público em violação a essa súmula, cabe Reclamação para anular o ato.

Importante destacar que, ainda que essa terceira hipótese é mais conhecida, a amplitude do cabimento de reclamação em face de decisões judiciais ou administrativas que sequer tenham correlação com as Súmulas Vinculantes.

Garantia da Observância de Decisões em Controle Concentrado de Constitucionalidade

O STF exerce controle abstrato de constitucionalidade por meio de ações como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Quando um órgão jurisdicional ou administrativo descumpre uma decisão proferida nessas ações, é cabível a Reclamação.

Por exemplo, se o STF declara uma lei inconstitucional em uma ADI, em julgamento no Tribunal de Justiça o colegiado continua aplicando essa norma, a parte interessada pode apresentar Reclamação para garantir o cumprimento da decisão da Suprema Corte.

Estratégias para Advogados ao Utilizar a Reclamação

Para que a Reclamação seja admitida e tenha sucesso, os advogados devem observar algumas diretrizes práticas:

  • Demonstrar claramente o cabimento – A petição deve indicar de forma objetiva qual hipótese do artigo 988 do CPC está sendo violada, assim como cumprir todos os requisitos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal;
  • Apresentar o exaurimento recursal – Para o cabimento da reclamação é necessário o exaurimento das vias recursais ordinárias;
  • Justificar eventual pedido liminar – Deve-se demonstrar o perigo da demora e a plausibilidade do direito para obter uma medida de urgência.
  • Evitar uso indevido da Reclamação – O STF tem sido rigoroso na rejeição de Reclamações que tentam substituir recursos cabíveis.

Conclusão

A Reclamação no STF é um instrumento valioso para a defesa da autoridade da Suprema Corte e a uniformização da interpretação constitucional no Brasil. Seu uso deve ser criterioso, respeitando os requisitos legais e os precedentes do tribunal. 

Para os advogados, dominar essa ferramenta processual é essencial para garantir o cumprimento das decisões do STF e aumentar as chances de êxito no caso em debate. Assim, ao compreender quando cabe a Reclamação e como manejá-la corretamente, é possível maximizar as chances de sucesso e fortalecer o Estado Democrático de Direito.

REFERÊNCIAS

ASSIS, Araken de. Manual dos recursos [livro eletrônico]. São Paulo: Thomson Reuters, 2016.

BAUM, Lawrence. A Suprema Corte Americana. Tradução de Francisco Rezek. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1987.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13a ed, Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.

JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado. Thomson Reuters, Revista dos Tribunais, 2016.MITIDIERO, Daniel Francisco. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2017.

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