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Ações coletivas no Direito Tributário: quem pode propor e quando usar

As ações coletivas têm ganhado destaque no cenário tributário brasileiro como ferramentas eficazes para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos de contribuintes. 

Com o aumento da complexidade das relações entre Fisco e sociedade, entender como e quando utilizar esse instrumento processual tornou-se essencial para profissionais que atuam na área. 

Neste artigo, são abordadas as principais características, hipóteses de cabimento e desafios relacionados às ações coletivas em matéria tributária, evidenciando sua importância para a efetividade da justiça fiscal e a proteção dos contribuintes.

O que são ações coletivas tributárias e por que são importantes?

As ações coletivas são instrumentos processuais que permitem a defesa de interesses de um grupo de pessoas em uma única demanda judicial. No contexto do direito tributário, essas ações visam proteger contribuintes contra práticas fiscais abusivas ou ilegais do Estado, evitando a multiplicação de ações individuais sobre a mesma controvérsia.

A previsão legal para esse tipo de ação está dispersa em diversos diplomas normativos, como a Constituição Federal (art. 5º, XXXV, XXI e LXX), o Código de Defesa do Consumidor (art. 81 e seguintes), a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985) e a Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/1965), que são aplicáveis supletivamente ao campo tributário.

A Constituição de 1988 consagra, de forma clara, o princípio da proteção judicial efetiva ao assegurar que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV). Assim, as ações coletivas se consolidam como importantes garantias processuais voltadas à tutela de direitos tributários ameaçados ou violados por atos do poder público.

Assim, as ações coletivas em matéria tributária têm o condão de garantir o respeito à legalidade tributária, impedindo cobranças indevidas, inconstitucionais ou abusivas. Por meio dessas ações, é possível discutir a validade de tributos, a interpretação de normas fiscais ou a restituição de valores pagos a maior, sempre com efeitos que ultrapassam os limites de uma única pessoa, equilibrando a relação entre o Fisco e o contribuinte. 

Legitimados para propor ações coletivas tributárias

No âmbito do direito tributário, a propositura de ações coletivas é reservada a determinados legitimados, conforme estabelecido na legislação brasileira. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXI, e a Lei nº 7.347/1985, que disciplina a ação civil pública, delineiam quem possui legitimidade para defender interesses coletivos em juízo.​

Entidades como a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista podem propor ações coletivas, desde que o objeto da demanda esteja relacionado às suas finalidades institucionais. Além disso, associações civis legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre suas finalidades a defesa de interesses coletivos também são legitimadas, conforme o artigo 5º, inciso V, da Lei nº 7.347/1985.​

Os sindicatos, por sua vez, têm legitimidade ativa para representar judicialmente os interesses coletivos ou individuais homogêneos de seus membros, especialmente em questões que envolvam a categoria profissional ou econômica que representam, conforme o artigo 8º, inciso III, da Constituição Federal.​

Demais, é importante destacar que o Ministério Público não possui legitimidade ativa para propor ação civil pública com o objetivo de questionar a constitucionalidade ou legalidade de tributos em defesa dos contribuintes. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento nesse sentido, ressaltando que tais demandas devem ser propostas pelos legitimados específicos previstos em lei.​

Hipóteses de cabimento das ações coletivas tributárias

As ações coletivas em matéria tributária são cabíveis quando há a necessidade de tutelar direitos ou interesses transindividuais dos contribuintes, especialmente diante de práticas fiscais que afetam coletivamente uma categoria ou grupo. Essas ações visam evitar a multiplicidade de processos individuais sobre a mesma controvérsia tributária, promovendo a economia processual e a uniformidade das decisões judiciais.

Entre as hipóteses mais comuns de cabimento destacam-se:

  • Cobrança indevida de tributos: quanto o Fisco exige tributos de forma contrária à legislação vigente, afetando um grupo específico de contribuintes;
  • Majoração ilegal de alíquotas: alterações nas alíquotas de tributos sem a observância dos princípios constitucionais da legalidade e da anterioridade.
  • Inconstitucionalidade de normas tributárias: questionamento de leis ou atos normativos que instituem ou modificam tributos em desacordo com a Constituição Federal.​
  • Restituição de valores pagos indevidamente: busca pela devolução de tributos recolhidos de forma indevida por um grupo de contribuintes.

Efeitos da sentença e coisa julgada nas ações coletivas tributárias

As ações coletivas em matéria tributária produzem efeitos que transcendem os limites das partes diretamente envolvidas no processo. A sentença proferida em tais ações pode beneficiar todos os integrantes da coletividade representada, desde que observados os critérios legais estabelecidos.​

De acordo com o artigo 103 do CDC, os efeitos da sentença coletiva podem ser erga omnes, ou seja, estender-se a todos os membros da coletividade, grupo, categoria ou classe, nos casos de procedência do pedido. Entretanto, essa eficácia está condicionada à natureza do direito tutelado e à representatividade adequada do legitimado que propôs a ação.​

No contexto tributário, é comum a discussão sobre os limites subjetivos da coisa julgada. O STJ tem entendido que, em ações coletivas que tratam de direitos individuais homogêneos, a coisa julgada beneficia todos os substituídos, mesmo que não tenham sido nominados na inicial, desde que a entidade autora possua legitimidade para representá-los. ​

Ademais, cumpre mencionar que, caso o contribuinte ajuíze ação individual com o mesmo objeto da ação coletiva, sem requerer a suspensão do processo individual no prazo legal, considera-se que houve renúncia tácita aos efeitos da coisa julgada coletiva. Assim, a sentença coletiva, quando procedente, pode ser executada individualmente pelos beneficiários, respeitando-se os limites objetivos e subjetivos definidos na decisão. 

Principais desafios e discussões atuais sobre o tema

​As ações coletivas no direito tributário são instrumentos eficazes para ampliar o acesso à justiça, uniformizar decisões e promover economia processual, beneficiando grupos de contribuintes diante de práticas fiscais abusivas. Contudo, enfrentam desafios significativos, como a ausência de regulamentação específica para a execução das sentenças coletivas, o que gera insegurança jurídica e dificulta a efetivação dos direitos reconhecidos. 

A identificação e habilitação dos beneficiários, especialmente em ações que envolvem um grande número de pessoas, também se mostram complexas e onerosas. Para superar essas dificuldades, é essencial o aprimoramento legislativo, com a criação de normas claras que regulamentem as etapas da ação coletiva tributária, desde a propositura até a execução. 

Além disso, o uso de tecnologias, como plataformas digitais de gestão processual e bancos de dados integrados, pode facilitar a comunicação com os beneficiários e agilizar os procedimentos, evitando, por exemplo, que sejam propostas execuções repetidas, fortalecendo esse instrumento de tutela coletiva.

Considerações finais

As ações coletivas representam uma importante via de controle da legalidade tributária e de proteção dos direitos dos contribuintes diante de exigências fiscais indevidas. Contudo, seu uso exige preparo técnico e conhecimento aprofundado sobre a legislação aplicável e os entendimentos jurisprudenciais. 
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Referências 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm.

BRASIL. Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7347Compilada.htm.

GRIECO, Nicole. Ações Coletivas em Matéria Tributária. São Paulo, 2020. 

INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS (IBET). STJ. 1ª Turma. Ação coletiva. Cumprimento de sentença. Ausência de limitação subjetiva. Efeito erga omnes. Servidor que não constava expressamente na relação de filiados ao Sindicato quando da propositura de ação coletiva. Cabimento. Disponível em: https://www.ibet.com.br/stj-1a-turma-acao-coletiva-cumprimento-de-sentenca-ausencia-de-limitacao-subjetiva-efeito-erga-omnes-servidor-que-nao-constava-expressamente-na-relacao-de-filiados-ao-sindicato-quando-da-proposi/.

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS (TJDFT). Efeitos da sentença em ações coletivas. 25 jan. 2024. Disponível em: http://tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/cdc-na-visao-do-tjdft-1/a-defesa-do-consumidor-em-juizo/os-efeitos-da-sentenca-nas-acoes-coletivas.

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