A ascensão dos criptoativos nos últimos anos tem desafiado governos e instituições financeiras a desenvolverem estruturas regulatórias que assegurem a integridade do mercado e a proteção dos investidores. Vamos examinar as abordagens regulatórias adotadas por diferentes países, com destaque para o MiCA (Markets in Crypto-Assets) na União Europeia, e analisar como essas experiências podem influenciar o cenário regulatório de criptoativos no Brasil.
De acordo com um relatório da Triple-A, o Brasil se encontra em 6º lugar no ranking de países com maior adoção aos cripoativos, por esse motivo, entender cada vez mais o seu funcionamento e os avanços legislativos sobre o tema se torna cada vez mais importante para os profissionais de todos as áreas, inclusive o Direito.
Abordagens Regulatórias Internacionais
União Europeia: MiCA
A União Europeia (UE) implementou o Regulamento dos Mercados de Criptoativos (MiCA), que entrou em vigor em 30 de dezembro de 2024, estabelecendo um marco regulatório pioneiro para criptoativos. De forma resumida, o MiCA visa aumentar o controle sobre as empresas que gerenciam criptoativos, protegendo investidores contra possíveis fraudes e promovendo a transparência no mercado.
As empresas que desejam operar no mercado europeu de criptoativos devem se registrar junto às autoridades competentes em cada país, como por exemplo a Comissão Nacional do Mercado de Valores (CNMV) na Espanha, e cumprir requisitos específicos para garantir a proteção dos consumidores. No entanto, uma questão que levantou debates e que em alguns países, como Portugal, ainda não há uma autoridade competente formalmente constituída, o que pode gerar inseguranças jurídicas.
Ainda, o MiCA classifica os criptoativos em 3 categorias:
- Tokens referenciados por ativos (ARTs): São stablecoins lastreadas em ativos como moedas, commodities ou criptoativos
- Tokens de dinheiro eletrônico (EMTs): São stablecoins atreladas a uma única moeda fiduciária, buscando estabilidade semelhante ao dinheiro eletrônico tradicional.
- Outros criptoativos: Incluem tokens utilitários e demais ativos digitais que não são stablecoins, com exigências regulatórias mais leves sob a MiCA.

Estados Unidos: Abordagem Reguladora e Adoção de Criptoativos
Nos Estados Unidos, a regulação de criptoativos é conduzida por diversas agências federais, em especial a Comissão de Valores Mobiliários (SEC). Recentemente, a agência anunciou a criação de uma “força-tarefa” voltada à criação de uma regulamentação mais clara e robusta no país o quanto antes, justamente para garantir uma maior segurança jurídica a esse mercado e a sua adequada supervisão.
Além disso, estados como Nova York implementaram suas próprias regulamentações, como a BitLicense, que estabelece requisitos para empresas que operam com criptoativos.
Como um dos primeiros atos após o início do seu mandato em 2025, o presidente Donald Trump assinou uma ordem executiva para estabelecer uma reserva estratégica de bitcoins, utilizando aproximadamente 198.000 bitcoins confiscados pelo Departamento de Justiça. Essa medida visa posicionar o país como líder no mercado de criptoativos e fornecer liquidez durante potenciais crises financeiras e foi a primeira vez que esses ativos são reconhecidos como reserva estratégica no país.
Japão: Pioneirismo na Regulação
Apesar de pouco se comentar sobre o fato, o Japão foi um dos primeiros países a reconhecer e regular as criptomoedas, estabelecendo em 2017 uma legislação que reconhece o Bitcoin e outras criptomoedas como formas de pagamento legítimas. As exchanges de criptomoedas no Japão são obrigadas a se registrar junto às autoridades financeiras e cumprir requisitos rigorosos de conformidade e segurança, visando proteger os investidores e garantir a integridade do mercado financeiro.
El Salvador e República Centro-Africana: Adoção Oficial de Criptomoedas
El Salvador se destacou como um marco na nova era dos criptoativos ao adotar o Bitcoin como moeda de curso legal em 2021, permitindo que a criptomoeda seja usada para transações cotidianas e investimentos no país. Essa iniciativa visa promover a inclusão financeira, atrair investimentos estrangeiros e também servir como um marketing turístico do país.
O país inclusive chegou a emitir títulos da dívida pública em Bitcoin, o que chamou atenção do Fundo Monetário Internacional e do mercado como um todo, que não necessariamente ver esses fatos com bons olhos.
Expectativas e lições para o Brasil
O Brasil tem avançado na criação de um marco regulatório para criptoativos. A Lei nº 14.478/2022, sancionada em dezembro de 2022, estabeleceu diretrizes para a prestação de serviços de ativos virtuais e a regulamentação das prestadoras desses serviços e foi um passo inicial importante para fomentar ainda mais os debates sobre a regulamentação desse mercado. Na norma, o Banco Central do Brasil (BCB) foi designado como a autoridade responsável pela regulação e supervisão desse mercado.
De forma complementar, em junho de 2023, o Decreto 11.563/23 regulamentou o marco legal dos criptoativos, atribuindo ao BCB a competência para regular, autorizar e supervisionar as prestadoras de serviços de ativos virtuais. A expectativa é que o BCB conclua a regulação do mercado de criptomoedas até meados de 2025, visando aprimorar a governança, a segurança e a confiança no mercado de criptoativos no país.
Além disso, o Brasil tem observado um aumento significativo no uso de stablecoins, que representam aproximadamente 90% das transações de criptoativos no país, já que representam uma representação de valor mais “estável” em comparação com outros criptoativos. O fomento desse mercado está sendo aproveitado por empresas brasileiras, que veem na adesão dos brasileiros uma oportunidade.
Lições para o Brasil
Ao analisar as abordagens regulatórias internacionais, o Brasil pode extrair lições valiosas para o desenvolvimento de sua própria estrutura regulatória, entre as quais podemos destacar:
- Harmonização e Clareza Regulatória: A exemplo do MiCA na UE, uma regulamentação uniforme que evite a fragmentação do mercado e proporcione segurança jurídica aos participantes se torna importante para o desenvolvimento do mercado no país.
- Proteção ao Consumidor e Transparência: Implementar medidas que assegurem a transparência das operações e a proteção dos investidores, como o estabelecimento de obrigações às exchanges, é essencial para fortalecer a confiança no mercado de criptoativos.
- Incentivo à Inovação: Equilibrar a proteção ao consumidor com a promoção da inovação é crucial. Regulamentações excessivamente restritivas podem sufocar o desenvolvimento tecnológico e afastar investimentos. Portanto, o regulador Brasileiro se encontra em um desafio para equilibrar regulamentação e inovação.
- Adaptação às Especificidades Locais: Considerar as particularidades do mercado brasileiro, inclusive em relação ao que já é aplicado a instituições financeiras tradicionais, e adaptar as melhores práticas internacionais ao contexto nacional é fundamental para uma regulação eficaz.

Conclusão
A regulação de criptoativos é um desafio global que exige a colaboração entre governos, instituições financeiras e participantes do mercado. O Brasil, assim como diversos países, está avançando na construção de um marco regulatório que busca equilibrar a proteção ao consumidor, a integridade do mercado e o incentivo à inovação.
Ao aprender com as experiências internacionais e adaptar as melhores práticas ao contexto local, o país pode se posicionar como uma referência na regulação de criptoativos, promovendo um ambiente seguro e propício ao desenvolvimento tecnológico e econômico.

Referências
BRASIL. Decreto nº 11.563, de 13 de junho de 2023. Regulamenta a Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022, que dispõe sobre diretrizes para prestação de serviços de ativos virtuais. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/d11563.htm. Acesso em: 6 abr. 2025.
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