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Tempo de leitura: 7 min

A Nova Interpretação do STF sobre Prisão em Segunda Instância

Redator: João Marcos de Carvalho Pedra

A prisão em segunda instância, após condenação, é um tema que divide opinião entre juristas, legisladores e a sociedade brasileira. Essa discussão, que envolve princípios constitucionais, eficácia do sistema penal e questões de senso de justiça, tem gerado intensos debates sobre o papel do Judiciário, a presunção de inocência e a eficácia no combate à impunidade.

O princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 

Ou seja, em tese, a execução da pena somente deve ocorrer após o esgotamento de todos os recursos, caracterizando, portanto, o fenômeno do trânsito em julgado e da formação da coisa julgada. 

No entanto, entre 2016 e 2019, esse tema foi amplamente deliberado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), conforme se verá nos capítulos que seguem, momento este que pudemos observar uma mudança jurisprudencial.

A Prisão em Segunda Instância em um Contexto de Combate à Impunidade

Os defensores da prisão após condenação em segunda instância compreendem que a medida é necessária no combate à impunidade, especialmente em casos de corrupção e outros crimes denominados como “colarinho branco”.

Esses réus recebem holofotes especialmente por se tratar de pessoas que normalmente têm acesso a recursos jurídicos e financeiros para postergar indefinidamente a execução da pena. 

A recorribilidade infinita geraria, segundo esse ponto de vista, uma “justiça tardia”, ou até mesmo uma ausência de imposição de penas ao condenado, de forma a prejudicar a confiança da sociedade no sistema penal.

Por outro lado, os críticos apontam que a medida pode levar ao encarceramento de pessoas que, posteriormente, podem ser inocentadas nas instâncias superiores, o que constituiria uma violação frontal da garantia constitucional à presunção de inocência e a abertura de uma porta para uma série de erros judiciais. 

Para esses, a prisão antes do trânsito em julgado é especialmente problemática em um país com um sistema carcerário precário e sobrecarregado.

Nesse contexto, reformas legislativas têm sido debatidas, de forma a contornar o cenário controverso e polarizado sobre o tema. O Congresso Nacional vem debatendo propostas para alterar a legislação e permitir a prisão em segunda instância. 

Existem projetos de emenda constitucional (PECs) que visam modificar a interpretação do princípio da presunção de inocência, determinando que a execução da pena possa começar após condenação em segunda instância. 

Contudo, essa mudança enfrenta grande resistência, pois, para ser aprovada, uma PEC precisa de três quintos dos votos de deputados e senadores em duas votações.

STF e o Tema da Prisão em Segunda Instância

A primeira manifestação do Supremo – acerca do tema – ocorreu em 2009, quando o HC 84.078 foi remetido ao Pleno e foi reconhecida a inconstitucionalidade da antecipação da execução penal. 

Naquele caso, entendeu-se que esse instituto somente seria justificado em nome da conveniência dos magistrados, sem qualquer amparo legal constitucional. Ou seja, antes do esgotamento dos recursos cabíveis, o réu de uma ação penal só poderia, no máximo, ter a prisão preventiva decretada contra si. Pacificou-se assim o primeiro entendimento da Corte.

A Evolução Jurisprudencial do STF sobre a Prisão em Segunda Instância

Já em fevereiro de 2016, o Supremo julgou o HC 126.292 assentando o entendimento no sentido contrário, dado que reconheceu que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação não comprometeu o princípio constitucional da presunção de inocência, considerando-a constitucional. 

Naquele momento, o caso tratava de um paciente específico, em decisão que não dispunha de efeitos erga omnes, ainda que pudesse ser utilizada por magistrados de instâncias inferiores para fundamentar decisões no mesmo sentido. Conforme mencionado, no direito brasileiro, a vinculação de precedentes não se dá de forma obrigatória, exceto nos casos apresentados no artigo 927 do Código de Processo Civil.

Alguns meses depois, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, no julgamento da ADC 43-MC, a Corte reiterou o entendimento quanto à constitucionalidade da execução provisória de acórdão penal condenatório, gerando o efeito do erga omnes que a decisão anterior carecia. Ali foi firmado o primeiro precedente vinculante que reconhecia a constitucionalidade da execução provisória.

Em 2019, o tema foi novamente discutido pelo plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) 43, 44 e 54. No momento do julgamento, a Operação Lava Jato dispunha de cerca de 100 condenados em segunda instância, o que gerou grande clamor político. 

Ao julgar as ADCs, o Supremo Tribunal Federal retornou ao entendimento pretérito que a Corte havia exarado em 2009, no HC 84.078, declarando novamente que a antecipação da execução penal é inconstitucional — entendimento que permanece até os dias atuais. 

Conforme se observa, a Corte alterou os entendimentos duas vezes ao longo de dez anos, retomando ao entendimento pretérito, ato este que precariza os princípios da segurança jurídica, da estabilidade jurisprudencial, da igualdade e da isonomia. 

Reflexões e Perspectivas para o Futuro

Vejamos algumas reflexões importantes:

(i) a tentativa de equilíbrio entre segurança e a manutenção das garantias individuais. Esse é o núcleo duro do debate, dado que a legislação penal não pode ignorar os princípios constitucionais, mas também precisa oferecer respostas efetivas e rápidas à sociedade.

(ii) O Brasil precisa dispor de métricas para avaliação de eficiência do Poder Judiciário em matéria penal, de forma a evitar gargalos operacionais e viabilizar um acesso à justiça de forma prática.

Reavaliar a quantidade e o cabimento de recursos permitidos e as condições para sua admissibilidade poderia contribuir para uma Justiça mais célere e eficiente, sem abrir mão das garantias constitucionais.

(iii) Há também propostas para se repensar as atribuições dos tribunais superiores, como o STF e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), de modo que eles atuem principalmente como órgãos de controle da constitucionalidade e da uniformização da jurisprudência, e não como instâncias recursais ordinárias em todos os processos. 

Essa alteração reduziria a quantidade de recursos possíveis, permitindo que a execução da pena ocorra de forma mais célere, ainda que se preservem direitos fundamentais.

Conclusão

A prisão em segunda instância é uma questão multifacetada, que exige um debate profundo e cuidadoso sobre os valores que devem orientar o sistema penal brasileiro. A solução para o impasse, ao que tudo indica, passa pela construção de um consenso no Congresso e pela implementação de reformas que equilibram a necessidade de uma Justiça célere com o respeito aos direitos constitucionais. Nos próximos anos, é provável que o Brasil continue a buscar uma solução que atenda aos anseios de justiça, segurança e respeito aos direitos fundamentais.

Referências Bibliográficas

ASSIS, Guilherme Bacelar Patrício de. A oscilação decisória no STF acerca da garantia da presunção de inocência: Entre a autovinculação e a revogação de precedentes. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/55/217/ril_v55_n217_p135

LAVA Jato tem cerca de 100 condenados em segunda instância. Estado de Minas, Belo Horizonte, 16 out. 2019. Política. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2019/10/16/interna_politica,1093419/lava-jato-tem-cerca-de-100-condenados-em-segunda-instancia.shtml.

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, 

MENDES, Gilmar e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012. 

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